sexta-feira, 18 de abril de 2008

Política para os baixinhos

por Gerson Faria em 17 de abril de 2008

Resumo: Com vistas à crescente estatização dos corações e mentes, agência de propaganda dá sua contribuição na tarefa cidadã de construir os heróis do momento.

© 2008 MidiaSemMascara.org


Um garoto de uns seis anos de idade está sentado à mesa de jantar com seu pai, homem bastante forte, músculos ganhos na lida operária. O menino, com sua voz tênue, entoa uma canção da propaganda nacional-socialista, com emoção mista de timidez e novidade, por estar trazendo para casa uma canção aprendida na rua ou escola, confiante na aprovação do pai. Ao ouvir tal melodia, o pai furioso levanta-se bruscamente e, tomando o braço do menino aos chacoalhões, força-o a cantar o hino à Internacional Comunista. O garoto bem que tenta, mas o choro o impede, pelo choque de ter feito algo muito reprovável, embora de forma completamente inocente.

Em termos de propaganda, considero-a criminosamente irretocável. Foi concebida pelo ministério de propaganda de Paul Joseph Goebbels. Mas entendo ser absolutamente reprovável o uso velhaco da inocência infantil, traiçoeiramente utilizada como corroboradora de um projeto político, seja qual for, coisa de adultos por excelência.

Hoje, o TSE embarca na propaganda política, em uma campanha de alistamento eleitoral, tendo como alvo os novos eleitores brasileiros. Para isso, contratou de uma agência de publicidade uma campanha “cidadã”, chamada “Heróis”. Consta de pequenas peças em preto-e-branco, clichê de seriedade histórica, com um violãozinho brasileiro melancólico ao fundo, onde personagens ligados à esquerda são apresentados como heróis. Pelo que vi até agora, duas crianças são narradoras. Uma delas é o nosso fauno das esquerdas, o sobranceiro Antonio Abujamra; outra, um garoto com uma voz de uns 4 anos de idade, doze anos mais novo do que o público alvo.

“Heróis existem, e têm sempre uma personalidade só, porque não costumam ter o que esconder”, afirma-se em um trecho. Bem sabemos o quanto alguns desses heróis costumaram se esconder na clandestinidade por defender para o Brasil o modelo de democracia popular cubana, tentado pelas vias maoísta, argelina, guevarista, trotskista e suas variações.

Já a outra peça, mais infantilizada ainda, narrada pela criança de 4 anos:

“Heróis existem, nem sempre são grandes, fortes ou têm superpoderes. Não matam, mas morrem... Não usam disfarces nem máscaras... Não têm identidade secreta, nem têm nada a esconder de ninguém... Aparecem sempre quando a gente acha que não há mais como escapar. E resolvem tudo!”.

Bem, quando eu tinha a idade do narrador, muitos bancos já tinham sido assaltados, pessoas tinham sido sequestradas para financiar a compra de armas e bombas (heróis, mas não tontos), para “libertar-nos do imperialismo sanguinário”. Muitos inocentes morreram por não ter valor algum para a revolução feita em seus nomes e por serem ignorantes a ponto de não quererem ser “libertados das garras do império”, coisa que nem imaginavam existir. Para isso, muitos heróis já tinham treinado táticas de guerrilha e estratégia revolucionária em Cuba com o herói dos heróis. Mas, por questões de marketing, ainda não fica bem Castro ou Che aparecerem nas propagandas do governo.

Nós, seres ignorantes, não dominamos o sentido último da História como eles. Não sabíamos o tamanho do monstro do qual eles nos salvaram. Mas nossos heróis sabiam tudo isso por nós. E, como diz a peça, apareceram e resolveram tudo.

Embora pouquíssimos personagens sejam mostrados, a mensagem é genérica, abrangendo “aqueles que conquistaram a democracia para você”. Vê-se até um militante pichando na parede um famigerado “Abaixo a ditadura”, mas nos é vedado saber que ao mesmo tempo desejavam a cubana. A desfaçatez é tamanha, a prepotência tão grande, colocar-se na posição de libertadores, quando de fato foram a maior causa de suas próprias perdas e dos atrasos do país de forma ampla, geral e irrestrita.

E o povo brasileiro ainda tem o desplante de reclamar na hora de pagar o cachê dos seus heróis. Somos um povo muito mal-agradecido.

Os principais personagens da linhagem desses heróis vêm tentando transformar o Brasil em República Popular desde os anos 1930, sempre fracassando redondamente, em busca da fórmula certa de submeter o país continental a seus próprios desejos de poder. Via armada ou pacífica, China, Rússia ou Cuba, essas eram as dúvidas de nossos heróis, vários deles hoje nossos ministros, professores e agentes do governo nos mais diversos escalões.

Mas, até agora, parece-me que o único problema encontrado pelos professores brasileiros foi um crasso erro de regência, no trecho: “Não desperdice o direito que eles tanto lutaram e conquistaram para você. Vote!”

A uma peça que adota como heróis do Brasil tais personagens, seria inadequado e irrelevante exigir qualidade lingüística. Creio que o Brasil é o primeiro país a elevar cartunistas e boêmios ao nível de heróis históricos. As coisas estão ficando um tanto patéticas por aqui.

Não é honesto rebaixar as exigências existenciais do herói para que nossas fantasias caibam nelas.

Imagem da propaganda veiculada pelo TSE. (http://br.youtube.com/watch?v=lowOjOKkvnM

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