domingo, 16 de março de 2008

Anotações das palestras de lançamento dos livros de Eric Voegelin

por Edward Wolff em 16 de março de 2008

Resumo: A obra Hitler e os Alemães não denigre apenas os "demônios", mas também, e principalmente, os "estúpidos". Pois os "demônios" são, ao menos, previsíveis, enquanto os "estúpidos" não.

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Eis um pequeno resumo do que ouvi no dia 4 de março durante o lançamento dos livros de Eric Voegelin, na Editora É Realizações. Vale lembrar que estas anotações certamente contêm muitos erros, bem como ausências de datas, nomes, descrições etc, uma vez que as fiz no desenrolar das palestras, sem chance de dar "pause" nelas para conferir. Antes das palestras se iniciarem, tive oportunidade de conversar longamente com o Prof. Mendo Castro Henriques, que esclareceu algumas dúvidas (e adicionou outras) que tinha sobre Eric Voegelin.

* * *

A primeira palestra foi proferida pelo Prof. Olavo de Carvalho, sobre as Reflexões Autobiográficas. Ele iniciou sua palestra agradecendo e parabenizando a presença do Prof. Mendo Castro Henriques no Brasil, bem como a inciativa da É Realizações pelo lançamento dos livros. Seguno o Prof. Olavo, a tradução das Reflexões, feita por sua filha Maria Inês, é sinal de que seu interesse por Voegelin é tão grande que não apenas seus alunos são influenciados por Voegelin, mas sua família também. As Reflexões são um verdadeiro guia ou "receita" para uma vida de estudos, além de um exemplo de vida intelectual séria.

Voegelin teria sido grandemente influenciado, no início de sua carreira, pela discordância teórica entre dois filósofos: Hans Kelsen e Othmar Spann. Kelsen é famoso pela sua teoria pura do Direito, segundo a qual o Direito seguiria uma lógica normativa rígida. Isso causa um problema, pois o Direito, de tão "preciso", deixa de levar em conta princípios basilares como "justiça". Por outro lado, Spann confere um sentido de integridade quase "anímico" à sociedade, uma visão um tanto quanto organicista.

Eis aí, portanto, o primeiro "enigma" da carreira de Voegelin. A exemplo de Aristóteles, que dizia que o ato de filosofar começa com o "espanto", Voegelin encontrava-se "espantado" (ou seja, impressionado, pessoalmente tocado etc.) pelas duas linhas contraditórias acima expostas. Uma terceira motivação seria também as teorias ideológicas revolucionárias. Elas, também, exerceram grande "espanto" na pessoa de Voegelin.

Estava traçado, aí, a missão da vida de Voegelin: encontrar sua vocação, ou seja, aquilo que o anima por dentro. Não se trata, aqui, de mera curiosidade, mas um problema que de fato toca a pessoa, não por vaidade, mas como se fosse um "imperativo cognitivo", um "imperativo ético". Para começar, Voegelin começou listando o repertório de sua ignorância, isto é, Voegelin perguntou-se: "O que me falta saber para enfrentar este problema seriamente?"

Aproveitando-se do ambiente vienense no qual estava inserido, Voegelin buscou contato, direta ou indiretamente, com Stéfan George e Karl Kraus (famoso por ter documentado a decadência da língua alemã). Assim, Voegelin viu como é possível elevar toda uma língua e uma cultura à irrealidade.

Ao mudar-se para os EUA - onde viveu por dois anos, graças a uma bolsa de estudos que seria estendida por um ano, na França -, Voegelin verificou que havia na América uma correspondência orgânica entre as discussões políticas e o cotidiano das pessoas. Portanto, Voegelin entendeu que a linguagem americana não estava tão viciada quanto na Europa. Ele verificou que a influência da Europa mais recente, sobretudo Nietzsche, Heidegger etc., era ignorada nos EUA, mas, pelo contrário, havia ainda uma influência de Platão e Aristóteles.

Voegelin foi à França, onde sofreu grande influência de Henri Bergson. Este dividia as almas em "abertas" e "fechadas". As almas "abertas" percebem que, para além do Universo, existe sempre um "mais além". Voegelin captou, assim, que há um "desconhecido", mas este mesmo "desconhecido" seria o fundo no qual de dão as experiências reais. Trata-se do Fundo Divino da Realidade.

Voegelin concebeu que a origem das ideologias é de fundo gnóstico mas, mais tarde, no fim da vida, detectou também um elemento messiânico nelas. O Prof. Olavo acredita que estes elementos messiânicos são mais presentes e influentes nas ideologias do que os gnósticos propriamente.

Quanto às suas publicações, Voegelin percebeu que não é uma "História das Idéias" que deveria ser escrita, mas sim uma "História das Experiências Vividas". No entanto, novamente, Voegelin abandonou seu projeto, verificando que deveria relatar as "Imagens da Ordem".

O Prof. Olavo encerrou sua palestra ressaltando a coragem intelectual, a idoneidade e a seriedade de Eric Voegelin, que não pensou duas vezes em abandonar seus projetos em favor de outros melhores e mais pertinentes.

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A seguir, o Prof, Mendo Castro Henriques iniciou sua palestra agradecendo ao Prof. Olavo de Carvalho, a quem tem como amigo no sentido aristotélico, ou seja, são amigos "naquilo que é importante". Agradeceu e parabenizou também a Editora É Realizações pelo empenho e iniciativa nas traduções e publicações.

Disse o Prof. Mendo que conheceu a obra de Voegelin através de uma obra de Raymond Aron. Nela, em 1980, Voegelin previa o fim da URSS. Tal previsão tão acertada o intrigou e, a partir daí, o Prof. Mendo foi conhecendo mais e mais as obras de Voegelin.

Em suma, há 4 palavras ou "temas" em Voegelin que chamam a atenção do Prof. Mendo: "realidade", "símbolos", "consciência" e "ordem".

A realidade não é objeto, mas uma expressão poderosa daquilo que "é". Os símbolos reconstituem as palavras com seu devido valor. Onde há linguagem, há símbolos, que devem ser afastados de seu aspecto "morto". Quem faz isso é a consciência, responsável pela comunicação entre os vários "eus". Por fim, a ordem é a articulação adequada da realidade, da consciência e da linguagem.

O Prof. Mendo destacou que Voegelin "falava" com os clássicos, mas, ao mesmo tempo, permanecia atento aos eventos do presente. Mas a Alemanha, uma "pátria difícil", segundo um velho ditado alemão, não possui um "centro". Por vezes, as pessoas se referem à Alemanha lembrando-se ora de Lutero, ora dos seus místicos (Eckhardt etc.), ora aos prussianos etc. Este fenômeno reflete-se em sua obra Hitler e os Alemães. Os nazistas abusavam da linguagem; no entanto, ocorre que uma linguagem abusada implica em desordem.

Ao descrever Hitler, Voegelin dizia que ele era alguém que, embora bom nas manobras políticas, tinha um grau de conhecimento do nível de um Haeckel (aquele biólogo alemão responsável pelos primeiros famosos diagramas de evolução antropológica), isto é, era de um materialismo crasso.

A obra Hitler e os Alemães não denigre apenas os "demônios", mas também, e principalmente, os "estúpidos". Pois os "demônios" são, ao menos, previsíveis, enquanto os "estúpidos" não. A análise da desordem empreendida por Voegelin é, portanto, "dura", isto é, não é uma "canção de embalar".

Publicado por http://theintellectuallife.blogspot.com/2008/03/anotaes-das-palestras-de-lanamento-dos.html

Nota Redação MSM: os livros Hitler e os alemães e Reflexões Autobiográficas podem ser adquiridos através da Livraria É Realizações

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