Mídia Sem Máscara
| 18 Janeiro 2012
Media Watch - O Estado de São Paulo
O que pode explicar a vergonhosa atuação dos jornalistas brasileiros na cobertura das primárias republicanas nos EUA? Bruno Pontes analisa editorial do Estadão e a cobertura da Rede Globo.
Começou o processo de escolha do candidato republicano que enfrentará Barack Obama em novembro. As editorias internacionais da nossa imprensa já estão esculhambando o pessoal cafona dos Estados Unidos que não pensa igual ao pessoal bacana das redações aqui no Brasil, como fez o sujeito que escreveu o editorial do Estado de São Paulo de 10 de janeiro intitulado “Republicanos medievais”. Vejamos então como pensa o editorialista e sigamos o seu exemplo para não cometermos a gafe da defasagem intelectual:
“O equivalente político ao circo da Fórmula 1 - a prolongada sequência de eleições primárias em todos os Estados Unidos para a escolha dos candidatos à Casa Branca - prossegue hoje em New Hampshire. Será a segunda disputa entre a meia dúzia de aspirantes republicanos à cadeira do democrata Barack Obama, que buscará a reeleição em novembro deste ano. A corrida anterior, na semana passada em Iowa, teve um desfecho surpreendente: Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, tido como moderado em comparação com os rivais, bateu por 8 votos (em cerca de 130 mil depositados) o fundamentalista evangélico Rick Santorum. Este ex-senador da Pensilvânia era até então mais conhecido por sua homofobia do que pelas chances de se tornar o presidenciável da legenda que já teve entre os seus eleitos um político da estatura de Abraham Lincoln”.
O termo “homofobia”, aplicado cada vez mais arbitrariamente pelos grupos militantes e seus ajudantes na mídia, abarca qualquer opinião contrária às diretrizes da agenda gay, incluindo a destruição do casamento como a humanidade sempre o considerou: um homem e uma mulher se unem para formar uma família. Rick Santorum acredita que casamento é isso, fala e age politicamente em defesa disso, e também fala e age politicamente contra o gayzismo nas escolas e nas Forças Armadas, que a esquerda favorece e patrocina. Ele está em desacordo com a ética progressista, para o desgosto do editorialista, que certamente é moderno, tolerante e portanto intolerante a qualquer opinião que não tenha o selo de aprovação do lobby gay.
“A ascensão de Santorum, que dificilmente se confirmará no Estado de New Hampshire - conhecido por suas características seculares -, mas poderá ser ratificada na Carolina do Sul, evidencia ainda uma vez a captura do Partido Republicano pelo que há de mais extremado, intolerante e obscurantista na mentalidade americana. Na Baixa Idade Média em que o partido mergulhou, o conservadorismo fiscal, com a defesa do livre mercado e a limitação do papel do Estado - suas defensáveis bandeiras tradicionais - foram ultrapassados pelo conservadorismo moral, na área dos costumes. Numa visão brasileira, pode-se dizer que, em relação à esfera privada, um político como o deputado Severino Cavalcanti parece um liberal perto dos pré-candidatos republicanos”.
Esses republicanos são muito inconvenientes. Em vez de falar só de economia e administração, ficam contestando a esquerda no campo dos valores, numa lamentável demonstração de moralismo obscurantista. Diz algo sobre os esquerdistas o fato de eles não se sentirem confortáveis com o debate livre sobre suas bandeiras mais caras, que eles, habitantes do mundo da fantasia, imaginam ser consensuais.
“O partido não é apenas contra aumento de impostos e a favor de cortes cirúrgicos nos gastos sociais a pretexto da recuperação das contas públicas - embora tenha sido um dos seus, o então presidente George W. Bush, quem deixou um rombo estratosférico nas finanças nacionais. Os republicanos também se recusam a acreditar no aquecimento global, defendem o comércio irrestrito de armas de fogo, querem expulsar os 12 milhões de imigrantes ilegais que se acredita existir nos EUA e se mobilizaram para impedir, na Justiça, a vigência do sistema de saúde proposto por Obama, que obriga todo americano a ter um seguro - indiferentes ao fato de que esse projeto nasceu como alternativa conservadora àquele que a então primeira-dama Hillary Clinton tentou emplacar em meados dos anos 1990. Só não são indiferentes ao fato de que, como governador, o correligionário Mitt Romney precedeu Obama ao adotar um sistema de saúde - que Romney se viu obrigado a renegar”.
Agora a mentalidade atrasada desses republicanos ficou mais que evidente: eles se recusam a acreditar numa verdade cuja prova de veracidade nunca apareceu, mas que a mídia estabeleceu como verdade assim mesmo. Como é que pode haver gente que não se curva à autoridade de políticos, ongueiros, artistas de Hollywood e cientistas da ONU? E gente que ainda não entendeu que o direito de defender a própria vida e a propriedade deve ser submetido ao governo? Ponha a mão na consciência e responda: essa gente merece viver no século XXI?
Nosso amigo do Estadão também considera absurdo um país exigir dos imigrantes o cumprimento da lei local. Querer expulsar pessoas só porque elas estão fora da lei do país que as sustenta com o dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos e imigrantes legalizados, convenhamos, tem cheiro de intolerância.
Quanto ao Obamacare, dizer que ele “obriga” todo americano a ter seguro já explica a oposição dos conservadores: Obama quer forçar os americanos a entregar sua saúde a um gigantesco sistema centralizado no governo federal no qual decisões relativas ao bem-estar do cidadão serão tomadas não por médicos e pacientes, mas por uma rede infindável de burocratas, que não terão a mesma pressa que teriam se fossem eles próprios os doentes, a um custo de não sei quantos bilhões ou trilhões de dólares.
“Mas o que eles abominam acima de tudo é o direito ao aborto, sejam quais forem as circunstâncias, e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. (...) A ironia é que, furiosos antiestatistas, os demais candidatos não se vexam de pregar o intervencionismo do Estado para proibir o aborto e banir o casamento homossexual. Para Rick Santorum, a estrela da prévia de Iowa, isso ainda é pouco. Ele gostaria de revogar o decreto de Obama que autorizou a presença de gays nas Forças Armadas, tornar crime as relações homossexuais - e proibir a venda da pílula e outros contraceptivos”.
Não há ironia em defender a ação do Estado contra o aborto quando os defensores da intervenção entendem que aborto é assassinato. A mesma coisa com o casamento gay: os conservadores o consideram uma ameaça não só ao futuro dos Estados Unidos mas ao de toda a humanidade, por submetê-la na base a uma transformação cujas conseqüências são no mínimo incertas.
Obama não “autorizou” a presença de gays nas Forças Armadas. O que ele fez foi revogar a política do “Don´t Ask Don´t Tell” (não pergunte, não conte), instituída pelo presidente Bill Clinton, que proibia a entrada nas Forças Armadas de indivíduos abertamente homossexuais e a punição a soldados homossexuais que não se expusessem como tais. Para Obama, essa exigência de decoro ainda é uma imposição cruel, e agora os homens que protegem os Estados Unidos no campo de batalha devem conviver com indivíduos que manifestamente sentem desejo sexual por eles. Num debate recente, Rick Santorum chamou a anulação do “Don´t Ask Don´t Tell” de “experimentação social trágica” com as Forças Armadas e disse que, eleito presidente, restauraria essa política.
Esses e outros são os fatos que movem a batalha entre progressistas e conservadores americanos em qualquer tempo e sobretudo durante uma eleição presidencial. Para o editorialista do Estadão, a coisa se resume a uma disputa entre os modernos, que podem fazer o que quiser, e os medievais, que poderiam dar um exemplo de tolerância e sair de cena.
N. do E.: Abaixo, Bruno Pontes comenta a cobertura da Rede Globo das primárias do Partido Republicano, em artigo publicado no jornal O Estado.
“Um tom radical, de direita mesmo.”
Começou o processo de escolha do candidato republicano que enfrentará Barack Obama em novembro. Significa que o Comitê do Partido Democrata para o Brasil (vulgo “escritório da Globo nos Estados Unidos”) tem pela frente grandes oportunidades para desinformar os seus telespectadores e fazê-los acreditar que os direitistas americanos são um bando de idiotas.
Não deixa de ser um avanço. Um ano atrás, os correspondentes da Globo, altamente capacitados no ofício de ler o esquerdista New York Times e repetir a coisa para o público brasileiro, estavam insinuando que certos direitistas lá, além de serem idiotas, incitam o assassinato de adversários políticos. Vocês devem se lembrar da deputada baleada na cabeça por um transtornado mental no estacionamento de um mercantil no Arizona.
Gabrielle Giffords é deputada pelo Partido Democrata. Com base nisso, seus correligionários na imprensa elucidaram o caso em menos de vinte minutos: ela foi vítima de um atentado tramado pela venenosa Sarah Palin, alçada ao posto de líder de um grupo de extremistas determinados a derrubar o governo do santo Obama, a quem se opõem por puro racismo.
O Jornal Nacional foi logo reproduzindo: “Muita gente está acusando o grupo extremamente conservador Tea Party, da ex-candidata a vice-presidente Sarah Palin, por incitar o confronto com os democratas”, comunicou o apresentador. Não foi informado quem era essa “muita gente”. Algumas horas depois, no Jornal da Globo, o correspondente Rodrigo Bocardi reiterou que “o Tea Party, liderado por Sarah Palin, é formado por conservadores extremos”.
É norma da redação: tudo que envolva a direita deve vir acompanhado de adjetivos como "extremista", "radical" e sobretudo "ultraconservador" (este último sempre enfatizado pelos locutores). Já a esquerda nunca leva adjetivo nenhum. Ela nem mesmo é identificada como tal. Na cabeça dos jornalistas, ser de esquerda é apenas ser normal.
Pois bem. Fui ouvir o que a Globo News está falando sobre as primárias republicanas. No Jornal das Dez, um dos apresentadores, ao chamar a correspondente, disse que os candidatos adotam “um tom radical, de direita mesmo” (portanto, não ser de esquerda já é radicalismo). A correspondente, Sandra Coutinho, concordou e ilustrou com uma informação apresentada em discreto tom de reprovação: Rick Perry, governador do Texas, “andou dizendo que a teoria da evolução é só uma teoria, e também disse que não acredita nessa história de aquecimento global”. Bem que me avisaram, esses conservadores são uns imbecis mesmo! Como ousam questionar duas verdades cujas provas de veracidade ainda não apareceram?
Bruno Pontes é jornalista.