sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Day After

por João Luiz Mauad em 21 de dezembro de 2007

Resumo: Além de satanizar os parlamentares que foram contra a CPFM, a reações da "mídia amiga" ignoram que o voto dos senadores respondeu a um forte apelo da sociedade – já cansada de pagar tantos tributos e receber de volta serviços de péssima qualidade.

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Mal acabou a sessão do senado que confirmou seu caráter provisório e enterrou de vez (se Deus quiser!) a CPMF, a bancada chapa-branca na mídia desandou a inventar explicações para a derrota do governo. De todas, a principal foi de que os senadores da oposição votaram pensando exclusivamente em interesses político-eleitoreiros. Em resumo, a CPMF só caiu porque queriam tirar R$ 40 bilhões das mãos do governo num ano eleitoral.

Tal explicação procura não só satanizar um certo “comportamento mesquinho da oposição”, que teria votado pensando exclusivamente em interesses políticos imediatos, como principalmente escamotear o fato inegável de que o voto dos senadores respondeu a um forte apelo da sociedade – já cansada de pagar tantos tributos e receber de volta serviços de péssima qualidade.

É óbvio que, dentre os votos pelo NÃO, pode ter havido as mais diversas motivações pessoais dos senadores. Alguns votaram para tirar dinheiro das mãos do governo petista num ano eleitoral; outros, talvez, quisessem dar um “cala-boca” na arrogância do presidente Lula e mostrar que, numa democracia de verdade, há equilíbrio entre os poderes. No entanto, é inegável que a causa matriz foi mesmo a de acatar o desejo da sociedade, já cansada de tantos tributos e tão pouco retorno. Desejo esse, aliás, traduzido em diversas pesquisas de opinião, realizadas antes da votação.

A ânsia da tropa de choque petista – coadjuvada pelos seus esbirros da mídia chapa-branca – de defender o governo e atacar a oposição é tremenda. Para tanto, eles têm enfatizado o aspecto político da decisão e recusado sistematicamente o seu enfoque econômico. Ora, é evidente que a motivação dos senadores que votaram contra a prorrogação foi política. A diferença é que a visão deles do que seja POLÍTICA é completamente diferente da definição de um verdadeiro democrata. Esse acredita em representação, debate, sistema de pesos e contrapesos, enquanto para a turba petista política é sinônimo de conchavos, traições e demagogia.

Mas é compreensível e não deveria ser diferente. Eles até hoje só fizeram política da pior espécie. Seus lemas sempre foram “o poder pelo poder”, ou “os fins justificam os meios”. Lula fez isso durante anos, tendo se colocado contra toda e qualquer iniciativa dos governos que o antecederam, independentemente dos méritos das propostas ou do benefício para o país. Agora, como bom bolchevique, acusa seus adversários exatamente de tudo aquilo que sempre fez. Como só conhecem essa forma de fazer política, acham que o modo de agir e pensar de todo mundo é igual.

Outra estratégia posta em prática pelos comentaristas petistas foi focar no aspecto técnico da coisa. Concentram-se na discussão de detalhes, para evitar que se pense no todo. Mesmo após a derrota da CPMF, insistem em querer demonstrar as supostas virtudes daquela contribuição, sempre na tentativa de tirar o foco do debate de cima do verdadeiro problema: o pandemônio fiscal e a altíssima carga tributária que assolam a nação.

Ora, ninguém nega que a CPMF tivesse alguns méritos, dentre os quais a universalidade e a dificuldade de sonegação, ou ainda seu aspecto não-declaratório, que tira do contribuinte a necessidade de arcar com as tais obrigações acessórias, como preenchimento de formulários, guias de recolhimento, arquivo de documentos e mais uma infinidade de procedimentos burocráticos, cujo único objetivo é poupar trabalho à fiscalização e tornar o custo de transação brasileiro um dos mais altos do mundo. Num contexto de reforma tributária mais amplo, portanto, dá até para admitir um imposto similar, mas como estava, não dava para continuar. A hora de dar um basta era agora e talvez não houvesse outra oportunidade tão cedo.

Além disso, o governo vinha empurrando com a barriga a reforma tributária há muito tempo. Com a arrecadação crescendo mais de dez por cento ao ano, todos os anos, o governo vinha navegando em mar de brigadeiro, sem maiores preocupações fiscais, que não o progressivo aumento das despesas. Infelizmente, porém, esse aumento de gastos jamais se traduziu em melhoria da prestação de serviços.

O discurso de Lula – podem reparar – está sempre recheado de muitos bilhões de reais para cá, outros tantos para lá; é PAC disso, PAC daquilo, enfim, o homem tenta nos fazer crer que governar é simplesmente liberar verbas. Aos resultados ninguém presta muita atenção, não é mesmo?

Num país um pouco mais esclarecido, a opinião pública saberia que governar não é só “liberar verbas”. Saberia que é preciso organizar, executar, fiscalizar o que é feito do dinheiro. Em resumo, é preciso trabalhar duro, algo que os agentes públicos muitas vezes não gostam a fazer. Todos os dias, assistimos na TV ou lemos nos jornais que, apesar dos bilhões destinados à saúde e, malgrado a crônica falta de remédios nos hospitais públicos, vira-e-mexe toneladas de medicamentos são jogadas no lixo, porque não foram distribuídas a tempo e perderam o prazo de validade. Ficamos sabendo também que equipamentos moderníssimos encontram-se parados, por falta de manutenção, enquanto doentes morrem nas macas à espera dos técnicos e das peças que nunca chegam. Na educação, embora volumes cada vez maiores de verba pública sejam destinados, todos os meses, aos estados e municípios, as escolas e o ensino em geral continuam péssimos.

Na maioria dos casos, os problemas não decorrem da falta de recursos, mas da sua péssima utilização, da desorganização, da falta de preparo, da corrupção, do desdém com o dinheiro do contribuinte, do excesso de burocracia e das culturas patrimonialista e corporativista que infestam o serviço público tupiniquim.

Muito se discute sobre qual a melhor alternativa para compensar a perda de receita da CPMF e, na maioria dos casos, conclui-se que outros impostos precisam ser criados ou aumentados, quando a única alternativa sensata seria fazer com que o dinheiro que já existe fosse mais bem aplicado, ou seja, que se melhorasse a relação custo x benefício para os contribuintes.

O recado da sociedade, através do senado, foi de que não dá para, simplesmente, ir tirando cada vez mais do contribuinte, sem melhorar a qualidade dos serviços. A maior virtude da decisão, no entanto, foi chamar a atenção para o fato de que precisamos, urgentemente, fazer as reformas tributária e administrativa. Não fosse a extinção da CPMF, tão cedo se discutiria, seja no âmbito do executivo ou do legislativo, tais reformas. Pelo menos, agora, há uma chance de isso acontecer. Que não se perca mais esta oportunidade.

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