sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Não se transige sobre princípios

Mídia Sem Máscara

16 outubro 2008
Editorias - Cultura, Economia, Estados Unidos, Política

Até o momento, o único sintoma visível da crise é o tombo das bolsas de valores mundo afora. Apesar da forte queda, a maioria da empresas cujas ações são negociadas nas bolsas continua saudável. O revés nos preços dos papeis é reflexo de dois fatores principais: por um lado, traduz uma mudança de expectativa sobre os resultados futuros das respectivas empresas, expectativa esta certamente vinculada à hipótese de uma recessão profunda da economia mundial num futuro próximo, além da incerteza quanto ao grau de exposição ao risco dessas mesmas empresas nos mercados de derivativos e cambial.

O segundo fator é a venda maciça de ativos, numa busca frenética de alguns “players” por liquidez, enquanto esperam pela chegada da cavalaria, digo, do dinheiro salvador do contribuinte. O derretimento dos índices, portanto, reflete a precificação do que os agentes dos mercados de capitais mundo afora pensam sobre o futuro da economia, conjugada com uma certa urgência de liquidez por parte importante do mercado financeiro.

As estimativas e expectativas desses agentes podem vir a se mostrar certas ou erradas. Há pouco mais de um mês, por exemplo, eles achavam que o petróleo iria escassear e o preço do ouro negro chegou a bater na casa dos US$ 145,00. Hoje, parece que as expectativas mudaram completamente, e o preço dessa commodity já está na casa dos US$ 77,00. Como se vê, expectativas nada mais são do que… expectativas. Os agentes do mercado financeiro e de capitais não são melhores nem piores do que qualquer outro indivíduo na hora de prever o futuro. Eles especulam como cada um de nós em nossas decisões acerca do futuro. Além disso, por conta de suas vultosas apostas, costumam ser mais suscetíveis ao pânico do que o restante dos mortais.

E o maldito pânico é o caminho mais fácil para as decisões precipitadas e equivocadas. Tanto isso é verdade, que existem indivíduos e instituições cuja especialidade é espalhar o pânico a fim alcançar os seus objetivos. É assim, por exemplo, que age o famigerado “Greenpeace” e sua recorrente previsão de debacle ambiental, ou o IPCC da ONU no caso do aquecimento global. Lembram-se dos argumentos apocalípticos do governo Lula à época da votação da extinção da CPMF?

Atualmente, a fim de fazer passar esse verdadeiro assalto ao bolso dos contribuintes americanos, foram os poderes executivo e legislativo dos EUA, assessorados pelas instituições multilaterais como FMI e BIRD, que associaram-se na pregação do apocalipse. Em cada um desses casos há pessoas dispostas a deixar a opinião pública muito preocupada, e assim forçá-la a aceitar pagar o preço que eles querem pela solução de problemas aparentemente gravíssimos, mas que, muitas vezes, só existem nas suas imaginações.

Parece insofismável que alguma recessão teremos pela frente, afinal foram vários anos de crescimento vigoroso e ininterrupto. Quem conhece um pouco do que sejam os ciclos econômicos, sabe que a economia global deverá sofrer algum ajuste, mas daí a concluir que estamos prestes a enfrentar algo parecido com a grande depressão dos anos 30 vai uma enorme diferença. Nenhum dos indicadores da maior economia do planeta, e epicentro da crise financeira, corrobora com esta expectativa. Os atuais níveis de desemprego, produção industrial, estoques do comércio ou mesmo os índices de concessão de crédito ao consumidor e à indústria estão longe de demonstrar que a América esteja à beira de uma depressão, e, no entanto, os “especialistas” e a mídia em geral não falam em outra coisa.

O pânico chegou a tal ponto que mesmo alguns analistas liberais aderiram aos famigerados planos de salvamento de bancos, patrocinados por diversos governos mundo afora, especialmente nos EUA e Europa. E ai daqueles sujeitos mais, digamos, ortodoxos, que insistissem em defender a pureza doutrinária. A menor das acusações de que foram vítimas foi a de “radicalismo”.

Durante as últimas semanas, eu mesmo cheguei a ser atacado por alguns parceiros liberais, cujas opiniões muito respeito, pelo motivo singelo de ter permanecido fiel aos princípios e à doutrina, ou seja, contra o uso de dinheiro do contribuinte para financiar os chamados “bailouts”, e a favor das soluções estritamente de mercado.

Confesso que, até poucos dias atrás, eu jamais imaginei ver a palavra “princípio” usada num tom tão depreciativo. O mais cruel de tudo, entretanto, era saber quem estava por trás dos ataques: amigos e colegas que conheci justamente através do movimento liberal. Seu único argumento, na maior parte das vezes era: “alguma coisa precisa ser feita”, caso contrário enfrentaremos uma crise sistêmica, na qual “todo mundo perde”. Enfim, acusaram-me de “idealista”, “utopista”, “ingênuo”, etc. E tudo isso simplesmente porque eu me opus ao plano de resgate aprovado pelo Congresso norte-americano, que transfere dinheiro dos contribuintes para salvar bancos de investimento.

Tentei fazê-los enxergar que a volta da confiança seria bem mais rápida caso os governos simplesmente deixassem que os mercados se depurassem sozinhos. Tentei mostrar que nas crises passadas em que o governo se intrometeu a solução foi muito mais demorada do que naquelas em que simplesmente o mercado cuidou da própria cura. Tudo em vão, pois o pânico falava mais alto.

É por essas e outras que acabamos sendo obrigados a ler, calados, sem nenhuma resposta concreta para dar, coisas como esta, que escreveu o João Ubaldo Ribeiro, em O GLOBO de domingo último:

“Que coisa, não é? O liberalismo, em qualquer das muitas guisas com que tem aparecido ou sido batizado por conveniência através da História, entra periodicamente em parafuso. Depois, aparentemente aprende alguma coisa e se renova, sempre à custa do dinheiro público, ou seja, em flagrante violação dos princípios liberais, quaisquer que sejam os apelidos que estejam usando na ocasião. Depois que o tranco passa e muito dinheiro muda de mão, embora não de classe, ele ressurge vigoroso e arrogante, execra qualquer interferência do governo e passa a de novo se reger exclusivamente por suas ‘leis’.” (grifo meu)

Eu juro que gostaria muito de dar uma resposta a altura ao senhor João Ubaldo Ribeiro. No entanto, que poderia eu, afinal, contrapor ao seu ótimo texto, se até mesmo os meus amigos liberais mostram-se dispostos a jogar os nossos princípios mais caros no lixo, sempre que eles se mostram incômodos ou politicamente inoportunos?

Nenhum comentário: