terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Excesso de democracia

Mídia Sem Máscara

Alejandro Peña Esclusa sabe que já se pode considerar moralmente vitorioso sobre um poltrão abjeto que só se notabilizou pela constância com que enfia o rabo entre as pernas sempre que é desafiado cara a cara.

Faz seis meses que Alejandro Peña Esclusa está preso na Venezuela. Pesa contra ele o testemunho de Francisco Chávez Abarca - de acordo com as autoridades venezuelanas, um perigosíssimo terrorista salvadorenho, que o teria apontado como seu contato local.

Não se sabe exatamente o que significa "ser um contato". Um agente de viagens, por exemplo, é um contato. Um carregador de malas no aeroporto não o é menos. Pareceu irrelevante aos acusadores de Peña Esclusa o detalhe de que jamais tenha se comprovado, entre ele e a testemunha, alguma ligação tão íntima quanto, por exemplo, a de um turista com um carregador de malas.

A periculosidade apocalíptica de Chávez Abarca pode-se medir pelo único crime que ele comprovadamente cometeu: roubo de carros. A confiabilidade do seu testemunho avalia-se pela circunstância de que, preso ao desembarcar na Venezuela, foi rapidamente interrogado e em seguida enviado a Cuba, tornando-se invisível e inacessível, não só aos advogados de defesa como ao próprio juiz do processo.

A idoneidade deste último, por sua vez, torna-se evidente pelos sucessivos e furibundos ataques públicos que desferiu contra o réu, praticamente anunciando a sentença antes do julgamento.

Tudo isso é a prova inequívoca de que o nosso presidente tinha toda a razão ao declarar que a Venezuela padece de um excesso de democracia: diante de tão sábias palavras de um amigo e conselheiro, o governo Chávez decidiu eliminar a excrescência, mandando à prisão um dos mais destacados líderes democráticos do país e limitando, portanto, o exercício da democracia às proporções compatíveis com a ditadura.

Afinal, não é democrático discriminar uma proposta política só porque é ditatorial. A democracia perfeita exige dosar igualitariamente as pretensões de ambos os tipos de regimes, assegurando ao cidadão, ao mesmo tempo, a liberdade de expressão e a certeza de ir para o cárcere no caso de vir a exercê-la.

Peña Esclusa alimentou essa certeza desde a ascensão do chavismo.Quando, em março de 2010, nos encontramos nos Estados Unidos, no estado do Alabama, cuja Assembleia Legislativa lhe prestava as homenagens devidas a um campeão da democracia na América Latina (ver em http://fuerzasolidaria.org/?p=3006), ele já me anunciou que seus dias de liberdade estavam contados. Sugeri que pedisse asilo político nos EUA, mas ele preferiu aguardar que se cumprisse aquilo que lhe parecia ser, mais dia, menos dia, o destino de todos os combatentes pela liberdade no seu país.

Segundo informações da família, ele está resistindo bem ao tratamento carcerário. Fisicamente vigoroso (ele é um ex-campeão venezuelano de caratê), esse homem de uma calma imperturbável sabe que já se pode considerar moralmente vitorioso sobre um poltrão abjeto que só se notabilizou pela constância com que enfia o rabo entre as pernas sempre que é desafiado cara a cara.

Se essa vitória moral pode se transmutar em triunfo político, somente o tempo dirá. Mas uma das condições para isso é não permitir que uma das farsas processuais mais patentes da história jurídica latino-americana venha a ser esquecida, somando ao encarceramento injusto a penalidade ainda mais injusta do silêncio cúmplice.

Posso um dia esquecer tudo o que Alejandro Peña Esclusa fez pela democracia no continente, mas jamais esquecerei o que ele não fez contra ela: ele está tão comprometido com o terrorismo quanto eu com a campanha pela beatificação de São Lula.

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