Mídia Sem Máscara
Heitor De Paola | 27 Maio 2010
Internacional - Oriente Médio
É preciso muita ignorância da grande estratégia envolvida ou má fé para considerar que houve desprezo e que Lula bancou o palhaço. Vale lembrar que nem na Índia e nem em sites antiterroristas israelenses a postura de Lula foi considerada gafe ou besteira.
A maioria dos articulistas de oposição comete um grave equívoco ao considerar o acordo Brasil-Turquia-Irã sobre material nuclear como uma gafe da diplomacia brasileira. São comentários míopes, que só enxergam de perto, o curto prazo, enquanto o núcleo do poder petista exerce uma diplomacia visando o longo prazo e objetivos maiores. Como já demonstrei antes Marco Aurélio Garcia, o verdadeiro artífice da diplomacia brasileira não é qualquer bocó. Além disto, outros fatores não têm sido levados em consideração.
Um deles é a avaliação errada da posição de Obama. Poucos entenderam, e menos ainda admitiram, que sua eleição representou a guinada para o enfraquecimento dos EUA e seu desarmamento unilateral. A idéia de um mundo 'multipolar', abdicando da posição hegemônica americana, não é uma balela: é o leitmotiv da nova diplomacia americana. Desde o governo Carter, passando por Clinton, que os liberais da esquerda Democrata, o shadow party, tentam fazer a inversão entre amigos e inimigos. Nunca é demais relembrar que foi exatamente com o Irã, além da Nicarágua, que Carter inaugurou esta política suicida, patrocinando a queda do Xá e a Revolução Islâmica dos Aiatolás. Seguindo seus passos, Obama, ainda candidato, anunciou que sua política para este país seria de abertura e diálogo. A truculência de Ahmadinejad impediu uma aproximação direta. Nada mais razoável do que usar a disposição do Brasil para assumir papel de liderança mundial, instigado por Moscou: segundo a Agência Reuters, o presidente Barack Obama escreveu para Lula: "Uma decisão do Irã de enviar 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para fora do país geraria confiança e diminuiria as tensões regionais por meio da redução do estoque iraniano". Para salvar a face e enfrentar a enorme oposição interna, que inclui membros mais conservadores de seu próprio partido, acrescentou: "Nós observamos o Irã dar sinais de flexibilidade ao senhor e outros, mas, formalmente, reiterar uma posição inaceitável pelos canais oficiais da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica)".
Outro ponto, praticamente desconhecido pela mídia mesmo a de oposição, é o interesse da Rússia em vencer o cabo-de-guerra com os EUA na questão. O Presidente russo, Dmitri Medvedev praticamente montou o acordo nos últimos encontros com Lula e Erdogan. Há pouco mais de um mês ele discutiu a proposta em Brasília e Ankara, após uma escala em Damasco, um dos maiores aliados de Teerã. Medvedev insistiu com Teerã para aceitar a iniciativa turco-brasileira, dizendo ser esta a última chance antes das sanções do Conselho de Segurança. Logo depois Lula estava em Moscou de onde voou para Teerã. Obama percebeu os ganhos de Moscou e, por esta razão, acionou os demais membros do CS para discutir as sanções. É preciso muita ignorância da grande estratégia envolvida ou má fé para considerar que houve desprezo e que Lula bancou o palhaço. Vale lembrar que nem na Índia nem em sites antiterroristas israelenses a postura de Lula foi considerada gafe ou besteira. Charles Krauthammer considera que o acordo revela que 'potências em ascensão, aliados tradicionais dos EUA, observando a administração Obama em ação, decidiram que não custava nada alinhar-se com os maiores inimigos da América e não com com um Presidente dado a desculpas e apaziguamentos'.
Como bem o disse Garcia, o Brasil não é moça de recados e utilizou os interesses de Obama para implementar os seus. Só não vê quem não quer que o Brasil também planeja desenvolver artefatos nucleares. Produz urânio, assim como sua aliada Bolívia, já construiu suas próprias centrífugas em Aramar (*), onde funcionam o Laboratório de Enriquecimento Isotópico e a Usina de Demonstração de Enriquecimento (USIDE), destinados ao futuro submarino nuclear. Tendo assinado o Tratado de Não-Proliferação está com as mãos amarradas pela AIEA. Imaginemos - acredito que certa dose de imaginação deva fazer parte de avaliações políticas - que o Brasil queira usar o Irã para enriquecer seu próprio urânio. Além de fornecer quantidades que o Irã precisa para preencher a quota de 1.200 kg, ainda pode enriquecer o seu por lá.
Isto poderia explicar, também, o porque da escolha de uma candidata tão fraca para a Presidência: Dilma fez parte da equipe que elaborou o plano energético do Lula já em 2002 e foi Ministra das Minas e Energia.
(*) Depois deste artigo ter sido escrito tive acesso à notícia publicada pelo Diario las Américas: Brasil estará preparado para completar ciclo de uranio este año, dice militar, o que corrobora minhas idéias.
Artigo para publicação no Jornal Inconfidência, Belo Horizonte, MG
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