terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Desarmamento - comentando notícias recentes 2

por Peter Hof em 18 de dezembro de 2007

Resumo: Mais do que nunca, é preciso um olhar muito crítico e uma mente aberta para poder interpretar o que realmente escreve ou informa a chamada "grande imprensa".

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Jovens matam a pedradas guarda municipal no Paraná – esse era o título de matéria da página 11 de O Globo de 26/10/2007. O guarda municipal Lourival Bezerra Filho, 50 anos, casado, foi assassinado a pedradas por um bando de adolescentes. A selvageria foi tamanha que Lourival teve o rosto completamente esmagado por pedradas, ficando irreconhecível. Ele havia tentado parar um grupo de adolescentes que depredava uma estação de ônibus no Conjunto Nossa Senhora da Luz, umas das regiões mais violentas de Curitiba. Ainda segundo O Globo, o guarda estava desarmado. E aí vem a pergunta: como se manda alguém desarmado patrulhar à noite uma área sabidamente violenta? Isso é conseqüência imediata da mentalidade de desarmar todo mundo que se implantou neste país nos últimos vinte anos e que culminou com este monstrengo que é a lei 10.826 de 23/12/2003.

Aliás, é bom relembrar que a idiotice que atende pelo nome de Estatuto do Desarmamento – piada de mau gosto, já que no Rio de Janeiro bandido que se preza não quer mais saber do velho trezoitão, e o que se vê nas fotos de jornais são FAL, AK-47, AR-15, pistolas 9mm e .40. – começou a fazer suas primeiras vítimas cinco semanas depois de sua promulgação. Em 28/1/2004, três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e o motorista que dirigia o veículo foram assassinados na manhã daquele dia na cidade de Unaí, no noroeste de Minas Gerais. Os fiscais faziam uma inspeção em fazendas da região contra trabalho escravo. Eles foram abordados por vários homens, que atiraram contra o carro em que estavam.

Mesmo ao maior dos idiotas soaria estranho mandar quatro homens desarmados e sem escolta investigar a existência de trabalho escravo numa região onde disputas e questões são prioritariamente resolvidas pelo uso de armas. Pistoleiros a serviço de fazendeiros podem ter sido as mãos que executaram o crime, mas aqueles que mandaram esses pobres homens em uma missão suicida merecem estar sentados juntos no banco dos réus. Num país como o Brasil, mandar alguém desarmado patrulhar áreas desertas e perigosas deveria ser considerado homicídio doloso.

Reforma em imóveis a R$ 485 mil – esse foi o título de matéria publicada na página cinco de O Globo de 9/7/2007 e se refere a gastos com a reforma de residências usadas por Suas Excelências, os Senadores da República. Até aí nenhuma novidade, esse pessoal desperdiça o dinheiro dos cidadãos sem nenhum pudor. O que interessa ao nosso tema é o que vem a seguir e que transcrevo na íntegra: Apesar de dispor de uma polícia própria, o Senado paga R$ 152 mil mensais para uma empresa manter seguranças armados nas residências oficiais. E destinou R$ 181 mil à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal para "Policiamento ostensivo nas áreas do Senado". Esse era o ponto em que eu queria chegar: essa cambada de inúteis, reunida em um misto de clubinho exclusivo e balcão de negócios, além de se auto-outorgar todo tipo de benesses e certamente preocupada com o julgamento que a população faz dela, gasta essa dinheirama toda em sua (deles) segurança. E FOI ESSA MESMA SÚCIA QUE APROVOU O ESTATUTO DO DESARMAMENTO, uma lei imbecil que cria toda série de empecilhos ao direito de autodefesa do cidadão decente e que em nada contribuiu para tirar armas das mãos dos marginais. Mostra de forma inequívoca que a escória que tomou de assalto este pobre país busca para si um tratamento diferenciado daquele que, através de leis estapafúrdias, impõe ao infeliz cidadão que paga uma das mais altas cargas tributárias do planeta e nada recebe de retorno.

Senador vai deixar residência oficial – essa é a chamada para a matéria de O Globo de 16/10/2007, página 8, sobre a perda de benefícios que sofreria o senador Renan Calheiros por ter se licenciado da Presidência do Senado. Além do carro, jatinhos da FAB, da casa, comida e roupa lavada, as repórteres Isabel Braga e Cristiane Jungblut informavam que o senador Calheiros perderia também a proteção de seguranças, fato que acontecia quando exercia a Presidência do Senado. Os seguranças agora passariam a dar proteção ao novo presidente, senador Tião Viana.

Claro que todo mundo sabe, mas vale relembrar: o senador Calheiros e Márcio Thomaz Bastos, ex-Ministro da Justiça, foram os sumo sacerdotes da Campanha do Desarmamento. Como alguém que se cercava de oito seguranças tinha a cara de pau de dizer aos cidadãos de bem que deveriam entregar suas armas e ficar à mercê da bandidagem, contando apenas com a proteção de uma polícia completamente desprovida dos mínimos meios de exercer sua função? Fatos posteriores e que até hoje continuam a pipocar na imprensa explicam perfeitamente quem é o senador Renan Calheiros.

ONU: São Paulo teve 1% dos homicídios do mundo – Essa foi a chamada que ocupava quase toda a largura da página 13 do dia 2/10/2007. O corpo da matéria informava que apesar de ter apenas 0,17% da população do mundo, São Paulo foi responsável por 1% dos homicídios ocorridos em 2006, de acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Urbanos. O fervor antiarmas do jornal dos Marinho levou logo os autores da matéria a trombetear que, no Brasil, morrem cem pessoas por dia vítimas de armas de fogo, e por aí foram alardeando as mazelas do Rio e de São Paulo, mazelas essas devidamente chanceladas pelo absolutamente inquestionável relatório da ONU. O embuste, no entanto, não durou muito. A revista VEJA, em sua edição 1029 de 10/10/2007, sustenta que a afirmação é puro chute e prova o porquê: o "especialista" da ONU não tem o número total de homicídios no mundo e, além do mais, recolheu os dados sobre São Paulo do jornal argentino La Nación, que publicou índices de homicídios de 2002. O erro é, de certa forma, justificável: com certeza o autor da besteira acredita que a capital do Brasil é Buenos Aires... Entre outras agressões aos métodos científicos de pesquisa, o autor da sesquipedal asneira cometeu um erro primário – daqueles capazes de expulsar da faculdade um aluno do primeiro ano de Ciências Estatísticas: usou os dados de Recife, a capital de estado mais violenta do Brasil, para projetar a situação do país. O resultado é que o número real era 100 vezes menor. E pensar que esse energúmeno recebe uma fortuna em dólares, livre de qualquer imposto!

Essa não é a primeira vez que os patetas bem pagos da ONU e seus filhotes escrevem grosseiras inverdades ou suspeitíssimas distorções de fatos sobre o problema da segurança do cidadão no Brasil. Dois anos atrás, mais precisamente em 5/9/2005, este site publicava um artigo meu intitulado DESARMAMENTO: OS ANTIARMAS E O MALABARISMO DOS NÚMEROS. Lá eu mostrava as toscas artimanhas cometidas por esses profissionais da empulhação.

O Secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi foi destacado pelo governo para acompanhar a investigação do assassinato de Valmir Mota de Oliveira – um militante do MST – durante a ocupação de uma fazenda pertencente à multinacional Syngenta Seeds. Oliveira foi morto com dois tiros por seguranças contratados pela empresa. Essa é a notícia da coluna Panorama Político de O Globo de 3/11/2007.

Até aí, tudo bem; o governo parece empenhado em resolver o assassinato de um líder do MST, um importante parceiro, que invadia uma propriedade privada. Gostaria de perguntar se algum leitor sabe o andamento do processo da morte do soldado Luís Pereira da Silva. Para quem não sabe ou não lembra, no dia 06/02/2005 o soldado Pereira da Silva foi brutalmente espancado, posto de joelhos e executado com dois tiros na nuca. E, num verdadeiro festival de selvageria, continuou a ser espancado mesmo depois de morto. O crime ocorreu no assentamento Bananeiras do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, em Pernambuco.

É nojento ver como nossas autoridades agem de formas tão diferentes em casos como o da irmã Dorothy ou de Valmir Mota de Oliveira e do soldado Pereira da Silva.

Em 14,1% das cidades já há guarda municipal – é o título da matéria de O Globo de 27/10/2007, página 12. A matéria faz uma análise dos municípios (786) que constituíram a guarda municipal, sendo que dessas 127 (16%) permitem que os guardas usem armas de fogo. O sociólogo Michel Misse, diretor do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ discorda da idéia: “Com arma de fogo, a guarda municipal acaba virando mais uma polícia. Cidades de São Paulo adotaram o modelo, mas a duplicação das polícias não é um bom caminho.”

Mais uma vez, o fervor antiarmas faz com que se chegue a uma conclusão errada: basta ler a longa reportagem intitulada “GCMs aprimoram-se no uso de armas de fogo”, publicada no número 100 da Revista Magnum, página 16 e seguintes. Ali, conta-se a história da iniciativa da prefeitura de Indaiatuba, em conjunto com outras 16 prefeituras paulistas e o Centro de Treinamento Tático da Companhia Brasileira de Cartuchos, de dar um treinamento adequado aos guardas municipais que passariam então a portar armas de fogo. Contrariando a opinião do senhor Misse, a idéia encontrou entusiasmado apoio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), órgão do Ministério da Justiça. Digo entusiasmado, pois o SENASP está arcando com 80% (oitenta por cento) do custo do treinamento, que dura três meses. Pelos menos esses guardas terão a chance de se defender de um bando de assassinos juvenis, chance essa que não foi dada ao infeliz guarda morto a pedradas.

Quanto a, na opinião do senhor Misse, não ser esse um bom caminho, eu dou testemunho contrário com base em minha vivência. Em Atlanta, Geórgia, onde morei por muitos anos, tínhamos a polícia da cidade de Atlanta, a polícia do estado da Geórgia e a polícia do condado de Fulton, onde fica localizada parte da cidade de Atlanta. Além disso, havia também a polícia do MARTA, o metrô de Atlanta. É isso mesmo, o metrô mantém uma guarda armada, não só nas dependências do metrô como também nas áreas próximas. Era bastante comum ver carros Ford Crown Victória, com a luz azul na capota, similares aos da polícia "comum", percorrendo as ruas e avenidas próximas ao metrô, em especial nas áreas adjacentes às estações. Além disso, em crimes federais (assalto a bancos e seqüestro, entre outros), existe também a colaboração do FBI. E ninguém venha me dizer que Atlanta, uma metrópole de 4,9 milhões de habitantes, tem mais crimes, em números absolutos ou mesmo por cem mil habitantes, do que o Rio de Janeiro.

O problema não reside em uma ou mais forças policiais atuantes na mesma área, e sim no fraco treinamento das forças policiais, combinado com viaturas inadequadas e em mau estado de conservação, isso somado ao baixo número de policiais por cem mil habitantes. Ainda de acordo com a reportagem, apenas 25,4% das cidades treinam periodicamente os guardas. As equipes das SWATs norte-americanas têm todo ano um campeonato nacional, em que se submetem a diversas provas simulando situações que enfrentam no dia a dia. Segundo um amigo meu, policial aposentado da cidade de Los Angeles (LAPD), além do treinamento normal, quando mudaram o armamento do revolver calibre .38 para a pistola 9mm, foram obrigados a se submeter a uma reciclagem que incluía dar 500 tiros com a nova arma.

Cariocas aprovam ações policiais em favelas – chamada para matéria publicada na página 33 de O Globo de 2/12/07. A matéria trata de pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS) que revela que 69% (sessenta e nove por cento) dos entrevistados aprovam a maneira como as operações da polícia têm sido conduzidas nas favelas e apenas 18,3% dos entrevistados desaprovam. Não vamos nos estender mais sobre a interessante pesquisa. Apenas chamar a atenção do leitor que, toda vez que a população é chamada a opinar, ela é frontalmente contra aquilo que políticos, ONGs (Via Rio, Sou da Paz, etc.), ONU, UNESCO, cientistas sociais e outros "especialistas" têm a exprimir nos generosos espaços que a eles dedicam O Globo e a chamada “grande imprensa”. Foi assim no referendo sobre a venda de armas, tem sido assim na seção de cartas de O Globo sobre as bobagens e trapalhadas cometidas pelo senhor Philip Alston e tem sido assim em todas as pesquisas em que a população que paga altos impostos tem a oportunidade de se manifestar. Quero aproveitar para deixar aqui uma sugestão, para que a opinião dos "especialistas" afinal coincida com a da população: façam suas pesquisas somente entre integrantes do Viva Rio, Sou da Paz, ISER e similares. Mas examinem bem os resultados antes de publicá-los. Nunca se sabe o que pode sair se a pesquisa for por questionário escrito e respondente não identificado..

Mais do que nunca, é preciso um olhar muito crítico e uma mente aberta para poder interpretar o que realmente escreve ou informa a chamada "grande imprensa".

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