segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Mentindo sobre a CPMF

por José Nivaldo Cordeiro em 17 de dezembro de 2007

Resumo: A Folha de São Paulo e a Veja transformam a derrota política do PT na votação da CPMF num episódio sem importância, em prejuízo dos leitores.

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O desfecho da tramitação da emenda constitucional de prorrogação da CPMF é em si um fato histórico da maior relevância porque: 1- Foi a maior derrota do governo Lula, que praticamente governava sem oposição visível até então; 2- É a primeira vez em muitos anos que a curva da carga tributária muda se sentido, aliviando o peso sobre os contribuintes; 3- Vimos a formação de uma sólida minoria no Senado, capaz de frear qualquer aventura do PT. A estabilidade institucional está assegurada por essa via; 4- A redução da despesa vai obrigar o Executivo a comprimir despesas, de uma forma ou de outra. Não haverá mais excedente de arrecadação para bancar a rédea solta que tem sido o governo Lula, a praticar o populismo mais radical em matéria de gastos.

Ao ler a revista Veja que chegou às bancas parece que não foi bem assim que aconteceu. A revista quase que disse que a vitória da oposição seria como se fosse uma vitória de Lula. Usaram eufemismos de todos os tipos, até a capa tem um quê de infantil, como se passasse a mensagem de que teria sido um mero acontecimento corriqueiro. “O Executivo decidiu tratar com realismo a queda da CPMF e suas conseqüências, a súbita retirada de 40 bilhões de reais das previsões de arrecadação, cerca de 7% da receita fiscal para 2008. O que isso significa? Significa que a frustração de receitas precisa ser compensada em 2008 com cortes nas despesas e com formas de arrecadação menos ruinosas do que a CPMF. Em uma sentença: o Brasil amadureceu”. Perceberam? Não foi o PT que perdeu, mas “o Brasil que amadureceu”. Uma ova! O que vimos na verdade foram ameaças de todos os lados, do próprio Lula, de Guido Mantega e de outros ministros, todos fazendo terrorismo e ameaçando executar um choque tributário, “para compensar”. Lula chegou a afirmar que a decisão foi tomada pelos que não usam o SUS, como se ele próprio usasse.

O governo falou pouco sobre a derrota porque nada tinha para falar, exceto que ela foi gigante e que ameaça o futuro político do projeto do PT. Sou assinante da revista e notei que ela demorou para chegar em minha residência. Estranhei. Terá havido algum motivo extra, alguma pressão governamental para tanto? Nunca saberei. Foi estranho também que o comentário assinado sobre o episódio, único na edição, foi escrito por Maílson da Nóbrega, um notório chapa-branca. Seu texto vai também na direção de minimizar o acontecido e transformar a derrota do PT em seu contrário. Não se fez de rogado: “Logo na manhã seguinte à derrota, a Casa Civil promoveu reunião de emergência para discutir como lidar com a situação. Primeira providência: acalmar os mercados financeiros. Em entrevista coletiva, o ministro da Fazenda afirmou que a perda da receita da CPMF não abalaria o compromisso do governo com a meta de superávit primário. Em poucos dias, medidas seriam anunciadas para tornar crível a promessa. A mudança é enorme. No passado, ele e outros companheiros diziam que o superávit era uma ação neoliberal para atender a interesses de banqueiros.

Viram como o PT é bonzinho? Ainda durante essa semana um dos seus quadros mais notáveis, o atual presidente do BNDES, fez as mais ridículas declarações sobre a duração da jornada de trabalho e ninguém se lembrou de levar em conta isso ao falar da suposta “maturidade” do PT. É vergonhoso como a revista e o seu comentarista contratado fizeram a desinformação da população brasileira. Nem sublinhar a relevância histórica dos fatos nos termos corretos fizeram.

A Folha de São Paulo de hoje, em editorial, usou do mesmo tom laudatório: “Vitoriosos e vencidos agora disputam que versão dos fatos haverá de prevalecer na opinião pública: se foi feita justiça ao contribuinte ou se foi punido o cidadão de baixa renda.
Colocado nesses termos, o dilema é apenas retórico. Uma real reforma tributária pode ao mesmo tempo reduzir a carga fiscal e corrigir sua iniqüidade do ponto de vista distributivo. Encerrada a refrega da CPMF, o país parece emergir um pouco mais maduro para essa discussão
”. Os vencidos supostamente estão do lado do cidadão de baixa renda, a dar crédito ao editorialista, e não aqueles que reduziram o roubo estatal que destrói empregos, que tira a competitividade das exportações, que remunera uma burocracia numerosa e inútil, é ela própria expressão da injustiça distributiva.

Os leitores de ambas as publicações ficaram no prejuízo de saber que estamos, de fato, diante de um acontecimento maiúsculo, talvez o mais relevante de todo o governo Lula. Escondem o mais óbvio de tudo: que o PT amargou uma duríssima derrota e que a oposição finalmente se reagrupou, tornando-se capaz de dar combate aos agentes do “socialismo do século XXI”. Nossa grande imprensa é de dar nojo, nem grande é, é minúscula.

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