sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Irmãos siameses - 1a. Parte

por João Luiz Mauad em 14 de dezembro de 2007

Resumo: O totalitarismo mais eficaz não foi aquele que fez o Mal em nome do Mal, mas o que faz o Mal em nome do Bem.

© 2007 MidiaSemMascara.org


Dia desses, tive o desprazer de assistir a trechos da propaganda gratuita do PCdoB na TV. No papel principal, atuava a bela deputada gaúcha Manuela D’Ávila. Abjurava o capitalismo, o neoliberalismo, a globalização e cantava loas ao modelo socialista – o único, segundo ela, capaz de promover a justiça social, o fim das desigualdades e blablablá. Nenhuma menção, evidentemente, aos inumeráveis crimes, atrocidades e mazelas econômicas que seu venerado sistema de organização social produziu mundo afora, durante todo o século XX.

Enquanto ouvia aquela jovem mulher gritar o indefectível festival de clichês e jargões, minha mente viajava pelo passado, numa torrente de memórias e pensamentos dispersos. Lembrei-me então, com saudade, do brilhante escritor francês Jean-François Revel, que num de seus últimos livros – A Grande Parada – traçou o mais completo paralelo que conheço entre os dois modelos totalitários que mais produziram cadáveres e mutilações em toda a história, e explicou por que, enquanto o nazismo segue sendo, com inteira justiça, demonizado por todos os homens de bem, o comunismo, que comprovadamente produziu muito mais vítimas, permanece idolatrado por uma multidão de ignorantes, ingênuos e outros tantos hipócritas.

Revel demonstrou, num trabalho magnífico de pesquisa histórica e jornalística, temperado por sua verve direta e implacável, como o revisionismo comunista encontra-se disseminado na literatura, na história, na mídia e na política, especialmente depois da queda do muro de Berlim. Além disso, mostrou de forma cruel como os próceres da esquerda – sejam filósofos, políticos, historiadores, jornalistas e intelectuais em geral – agem para criar um sem-número de teorias escapatórias para as atrocidades comunistas, a grande maioria delas propondo-se a tentar desvincular os indeléveis crimes do passado – e do presente – daquilo que apelidaram de “ideal socialista”.

Em sua magnífica obra, Revel desmonta cada um dos inúmeros sofismas e falácias da esquerda, além de demonstrar cabalmente que, malgrado a retórica rebuscada dos seus ideólogos, a realidade é que “nenhuma das justificativas apresentadas, desde 1917, a favor do comunismo, resistiu à sua aplicação; nenhum dos objetivos que ele se propunha atingir foi atingido; nem a liberdade, nem a prosperidade, nem a igualdade, nem a justiça, nem a paz”. E, no entanto, essa erva daninha talvez nunca tenha sido tão ferozmente protegida, por tantos implacáveis defensores, como após o naufrágio soviético.

“Se alguém quiser estudar um sistema mental que funcione inteiramente dissociado dos fatos e elimine imediatamente qualquer informação que contrarie sua visão de mundo”, escreve Revel, “deve estudar a mente dos comunistas. São laboratórios insuperáveis”. Alguns podem até reconhecer a existência de uns poucos fatos abomináveis, mas sempre enfatizando que tais fatos não guardam qualquer relação com a essência do comunismo. Seriam, no máximo, uma perversão do sistema, mas jamais uma decorrência dele.

A repressão em campos de concentração ou em cárceres diversos, os processos sumários e fraudulentos, os expurgos assassinos, as ondas de fome provocadas por programas estupidamente planejados e pavorosamente executados acompanharam todos os regimes socialistas, sem exceção, ao longo da história. “Seria fortuita esta associação?” – questiona o velho Revel. “Será que a verdadeira essência do comunismo reside no que jamais foi, ou nunca produziu? Que sistema é esse, que dizem ser o melhor, porém dotado dessa propriedade sobrenatural de nunca conseguir colocar em prática senão o contrário do que prega? Que linda cerejeira será essa, na qual, por um acaso incompreensível, só brotam cogumelos venenosos?”

É inútil tentar descobrir qual dos regimes totalitários do século XX foi o mais bárbaro, porque ambos impuseram a tirania, o pensamento unificado e deixaram como herança uma montanha de cadáveres. O parentesco do comunismo com o nazismo é, para a esquerda em geral, um tema sempre delicado e, como qualquer tabu, sabiamente escamoteado. Por exemplo, quando um ideólogo marxista, como Stalin, se comporta como um carrasco nazista, a explicação é simples: a culpa é do personagem e de seu caráter perverso, nunca do sistema. Stalin seria então um verdadeiro nazista, apenas fantasiado de comunista.

Para que se tenha uma idéia de como pode ser dramática a inversão de valores produzida pelos sofistas da esquerda, quase sempre valendo-se da verborragia “politicamente correta”, basta lembrar que, aos olhos da maioria do público mundo afora, os grandes vilões da atualidade, estigmatizados e vitimados pelos mais sórdidos preconceitos, somos justamente nós, os malvados anticomunistas – alguns raros e teimosos abnegados, que ainda insistem na luta para desmascarar os verdugos da liberdade e fulminar seus sórdidos subterfúgios.

Enquanto isso, do outro lado, os anjinhos comunistas desfilam sua utopia pelos palanques, pelas salas de aula, pelas redações dos jornais e pelos púlpitos das igrejas sem que quase ninguém veja aí qualquer problema. Não importa que o comunismo, com seu amontoado de trapaças ideológicas, continue matando pessoas no Tibete, na Coréia do Norte, na China ou em Cuba. Não importa tampouco que ele continue sendo uma importantíssima ferramenta nas mãos de tiranos, sempre dispostos a instalar regimes de opressão em nome da defesa dos oprimidos – como ocorre amiúde em diversos países latino-americanos.

Embora seja indelével a identidade e a afinidade, em essência, entre o comunismo e o nazismo, existe uma diferença importante a distinguir nos dois modelos. Como muito bem lembrado por Revel, “Hitler desde sempre demonstrou sua hostilidade à democracia, à liberdade de expressão e de cultura, ao pluralismo político e sindical. Além disso, nunca escondeu sua ideologia racista e (...) anti-semita. Por conseguinte, partidários e adversários do nazismo situavam-se, desde o começo, de um lado ou de outro de uma linha divisória traçada nitidamente”. Em resumo, não houve decepções com o nazismo, já que seu líder cumpriu fielmente o que prometera.

Já o comunismo é diferente, “pois emprega a dissimulação ideológica, veiculada pela utopia. Promete a abundância e provoca miséria; promete a liberdade, mas impõe a servidão; promete a igualdade e leva à mais desigual das sociedades – com a nomenklatura, classe privilegiada a tal ponto como jamais se conheceu, nem mesmo nas comunidades feudais. Ele promete ainda respeito à vida humana, mas realiza execuções em massa; promete o acesso de todos à cultura, mas leva ao embrutecimento generalizado; promete o “novo homem”, mas o fossiliza”.

O nazismo, portanto, abriu o jogo desde o início. Já o comunismo é insidioso e sempre se escondeu atrás da utopia. “Isso lhe permite satisfazer o apetite pela dominação e pela servidão sob o disfarce da generosidade e do amor à liberdade, perpetrar a desigualdade sob o manto do igualitarismo. O totalitarismo mais eficaz, portanto”, fulmina Jean-François, “... não foi aquele que fez o Mal em nome do Mal, mas o que faz o Mal em nome do Bem”.

Nenhum comentário: