terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O lucro dos bancos

por João Luiz Mauad em 11 de dezembro de 2007

Resumo: Os fantásticos lucros dos bancos, no Brasil, são provenientes, além da inegável eficiência empresarial dos mesmos, da existência de uma nefasta interferência do Estado no sistema.

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Fechado o terceiro trimestre do ano, os bancos apresentaram seus balanços e, como já vem acontecendo há vários anos, seus lucros foram recordes. Com exceção dos (como sempre) ineficientes bancos estatais, que, malgrado a prática de serviços, taxas e tarifas muito semelhantes aos da iniciativa privada, mostraram resultados pífios, todos os demais apresentaram rentabilidades ótimas ou muito boas, tendo alguns alcançado a inacreditável marca de 75% sobre o patrimônio líquido.

Antes de mais nada, é bom deixar claro que considero alvissareiro o fato de uma empresa obter lucros. Eles são o combustível do capitalismo e a fonte primária da geração de riquezas. Entretanto, como tudo mais numa economia de mercado modelar, os lucros devem ser lídimos, ou seja, obtidos sem coação de qualquer espécie, sem o auxílio de privilégios espúrios e rigorosamente dentro da lei.

Ora, qualquer um há de convir que os resultados bancários têm estado muito acima dos padrões internacionais, e se transformam numa verdadeira aberração quando confrontados com o desempenho do restante da economia. Logo, nada mais lógico do que investigar se os mesmos satisfazem os requisitos listados no parágrafo anterior.

Evidentemente, ninguém aqui está propondo fazer um trabalho policial, até porque não dá para analisar cada uma das bilhões de operações realizadas pelo sistema financeiro nacional, para averiguar se todas elas são ou foram lícitas. Logo, partiremos do princípio de que o Banco Central tem feito o seu trabalho de fiscalização a contento e que o sistema tem operado dentro da lei. Meu foco será, portanto, em primeiro lugar, tentar compreender as origens da lucratividade do sistema, para, a partir daí, analisar a sua legitimidade à luz da doutrina liberal.

Os chamados economistas desenvolvimentistas, cuja adoração à heterodoxia macroeconômica é proporcional ao desprezo pelos problemas microeconômicos, entendem que o dragão da maldade é a taxa básica de juros (SELIC), sobre a qual o governo remunera os seus títulos, e que seria, segundo eles, mantida artificialmente alta pelo BC "para beneficiar banqueiros e rentistas". Tudo isso, evidentemente, "drenando recursos dos investimentos sociais". Praticamente todos os dias encontramos artigos dos heterodoxos na grande mídia dizendo isso.

O problema dessa teoria é explicar o desenho (na verdade, quase um X) das curvas que representam, no tempo, as taxas SELIC e os lucros dos bancos. Esses últimos têm mantido uma trajetória permanentemente ascendente durante o Governo Lula, enquanto aquelas se mantiveram constantemente decrescentes (real ou nominalmente) no mesmo período (http://www.bcb.gov.br/?INDECO). Portanto, se há uma possível correlação entre estas duas variáveis, ela seria, inequivocamente, negativa. Ou seja, os lucros bancários crescem na medida em que a taxa referencial de juros cai. Não é por acaso que, nos Estados Unidos, um lugar onde a lógica é levada mais a sério do que em Pindorama, sempre que o FED sobe a taxa referencial, as cotações das ações dos bancos caem e vice-versa.

Uma outra corrente prefere apontar suas armas para os famigerados "juros abusivos", pagos por empresas e consumidores. Pelo mesmo motivo acima, já que as taxas de juros cobradas no varejo também estiveram em trajetória descendente nos últimos tempos, esta tese também não prospera.

Portanto, se quisermos encontrar explicações, digamos, menos ilusórias e mais realistas, devemos partir para a análise de fatores outros, que não as taxas de juros. Eu tenho duas suspeitas, ambas atreladas à nefasta interferência do Estado nos assuntos de mercado.

Minha primeira suposição aponta para os festejados empréstimos consignados. De fato, se olharmos com a devida atenção para os dados disponíveis e para os gráficos deles derivados, verificaremos que, a partir da regulamentação desse sistema de crédito, houve um forte crescimento da lucratividade bancária, o que denota forte correlação positiva entre os dois eventos, podendo existir aí uma relação de causalidade.

Para quem não sabe, os empréstimos consignados são operações de crédito pessoal cujos pagamentos são descontados do devedor diretamente pela fonte pagadora e, por isso mesmo, representam um risco muito menor do que os empréstimos normais. Redução do risco de inadimplência ao mínimo é a menina dos olhos de qualquer banqueiro.

Não foi por acaso, portanto, a ocorrência de um lobby ultra-agressivo dos banqueiros à época da promulgação da lei que autorizou este tipo de operação. Até hoje, pairam muitas dúvidas quanto a supostos interesses escusos por trás de todo o processo (http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4489), algumas das quais, inclusive, fazem parte da denúncia oferecida pelo Ministério Público, no Supremo Tribunal Federal, no caso do "Mensalão".

Agora, falemos daquela que é, a meu ver, a principal vilã da estória. Quem quer que analise os balanços bancários com alguma acuidade verificará uma forte tendência de crescimento das receitas provenientes da cobrança de tarifas, notadamente a partir do Plano Real. De fato, desde que a inflação deixou de ser a galinha dos ovos de ouro do setor bancário, as tarifas vêm assumindo papel de destaque.

A vilania das tarifas não está, entretanto, no simples fato da sua existência; afinal, os bancos prestam um serviço e é normal que sejam remunerados por isso. O problema reside no fato de que, ao contrário dos juros, os quais pagamos somente de forma voluntária (tomar um empréstimo é uma ação de livre escolha), as tarifas são quase sempre involuntárias – pelo menos para quem não pode prescindir de uma conta bancária. Tal qual um tributo, portanto, a maioria de nós tem que pagá-las não por opção, mas pela mais absoluta falta dela.

Mas, por que será que as tarifas são, ao mesmo tempo, tão caras e tão uniformes no Brasil? Muito simples, meus amigos: o sistema bancário brasileiro é altamente concentrado e, como quase todo oligopólio, esta concentração está vinculada ao excesso de regulamentação do setor. Sob o argumento de defender o consumidor de eventuais abusos e práticas desleais, além de tentar reduzir os riscos de má gestão e, conseqüentemente, de quebras no sistema, o governo (sempre ele!) acaba criando tantos entraves e normas para a entrada de novos concorrentes no mercado, que ela acaba se tornando quase impossível. A maior prova disso está na inexistência de (pequenos) bancos regionais no país.

Criada a reserva de mercado informal, pela dificuldade de se atender a todos os requisitos legais para o exercício da atividade, torna-se fácil, para os que estão lá dentro, burlar a concorrência e estabelecer um regime de preços, taxas e, principalmente, tarifas. Algo semelhante acontece em outros setores, notadamente naqueles onde a prestação de determinados serviços é tratada pela lei como "concessão do Estado" – esse ranço estatista e regulamentarista que impera por estas plagas desde o tempo da colônia.

Com raras exceções, é assim, por exemplo, com o transporte coletivo urbano e interurbano; com a atividade cartorial; com o sistema de telefonia; com as transmissões de TV aberta; a distribuição de combustíveis; os serviços portuários e aeroportuários; os seguros de saúde e uma infinidade de outros serviços prestados sob a égide das famigeradas "concessões". O mais incrível disso tudo é que quase ninguém discute ou sequer questiona a origem e o porquê da existência (legal) dessas concessões.

Em resumo, penso que os fantásticos lucros dos bancos, no Brasil, são provenientes, além da inegável eficiência empresarial dos mesmos, da existência de uma nefasta interferência do Estado no sistema. Tal interferência, além de proporcionar o enriquecimento desleal de uma penca de empresários, também faz a festa de políticos e burocratas, pois, ao amarrar a atividade empresarial ao nefando beneplácito do Estado, facilita o "rent-seeking", a corrupção, os privilégios, os oligopólios, a ineficiência e a carestia.

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