terça-feira, 6 de outubro de 2009

JN: O Cirque Du Soleil da notícia

Mídia Sem Máscara

Coube aos apresentadores Willian Bonner e Fátima Bernardes, e com a ajuda do jornalista Carlos de Lannoy, contorcerem-se para tentar desacreditar o que eles mesmos, ao fim, afirmaram, ou seja: que um golpe com vistas a se perpetuar no poder foi tramado e executado de forma desobediente e reincidente por Zelaya.

Haverá um tempo, talvez infelizmente distante, em que as faculdades de jornalismo venham a apresentar a extrema parcialidade da imprensa de hoje como um período lastimável de nossa história. Um tempo em que a verdade havia sido seqüestrada e imolada sob a algozaria ideológica e sob uma estranha instituição denominada concessão pública (Sobre a qual ainda tecerei um artigo a respeito). Até lá, muito trabalho se nos espera.

Como afirmei em um artigo anterior sobre a matéria, o tempo corre a favor de Honduras, pois não é possível manter a verdade sufocada indefinidamente: era vital que as investidas lulo-chavistas tivessem surtido efeito imediatamente, de modo que, quando os cidadãos de todos os países tivessem dado conta de que haviam caído em um engodo de proporções mundiais, já não fosse possível fazer com que a justiça prevalecesse.

Desde então, passados três meses dos fatos que culminaram com a deposição de Manuel Zelaya, um grande desconforto tem crescido nos meios de comunicação: apressados que foram em passar recibo às extravagâncias dos governantes aliados do Foro de São Paulo, em especial Hugo Chávez e Lula, agora têm de recorrer aos mais habilidosos malabarismos, daqueles de fazer inveja aos artistas do famoso Cirque Du Soleil, para justificar as ocultações e distorções produzidas na cobertura dos eventos e se possível, reverter gradativamente a posição adotada sem que pareça que sempre estiveram a manipular a opinião do público.

Um flagrante digno de se tornar um clássico estudo de caso, sem dúvida, foi a matéria divulgada pelo Jornal Nacional na noite de 24/09/2009. Sem ter o que afirmar diante do que é notório, coube aos apresentadores Willian Bonner e Fátima Bernardes, e com a ajuda do jornalista Carlos de Lannoy, contorcerem-se para tentar desacreditar o que eles mesmos, ao fim, afirmaram, ou seja: que um golpe com vistas a se perpetuar no poder foi tramado e executado de forma desobediente e reincidente por Zelaya; que o congresso e a corte suprema daquele país o advertiram e o depuseram conforme a constituição; que cabe àquela corte suprema a competência para dizer o direito e interpretar a constituição; e que os militares somente agiram em obediência aos poderes constituídos, como executores da lei.

A infame matéria, introduzida pelo charmoso casal, anuncia que

"Desde o dia da deposição de Zelaya, o governo que assumiu o poder em Honduras tem dito que a ação foi baseada na Constituição do país, que proíbe qualquer tentativa de reeleição pelo presidente. Em Buenos Aires, o correspondente Carlos de Lannoy ouviu cientistas políticos sobre essa questão."

A frase que aqui foi reproduzida em texto, claro, omite o tom com que foi transmitida verbalmente, quando se é possível denotar um certa expressão de exotismo e incredulidade.

A seguir, com a narração de Carlos de Lannoy, uma sequência explicativa dá início à sua reportagem, nestes termos:

A crise política em Honduras começou quando o presidente Manuel Zelaya tentou fazer uma consulta popular para permitir a convocação de uma Assembléia Constituinte. Por duas vezes, a Justiça considerou ilegal essa consulta.

Opositores de Zelaya dizem que ele queria mudar a Constituição do país para tentar se reeleger. Isso porque a Constituição hondurenha estabelece que o período presidencial é de quatro anos, sem direito à reeleição. O artigo 239 prevê que qualquer governante que faça uma proposta de reformar a Constituição para tentar se reeleger deve perder o mandato de forma imediata e se ficar inelegível por 10 anos.

Mas a Constituição não diz como essas punições devem ser aplicadas, nem tampouco que o proponente deve ser expulso do país, de pijamas, como ocorreu com Zelaya. Um outro artigo, o 42, afirma ainda que quem promover a reeleição do presidente perde a cidadania hondurenha.

Aqui peço a atenção do leitor para o trecho

"Mas a Constituição não diz como essas punições devem ser aplicadas, nem tampouco que o proponente deve ser expulso do país, de pijamas, como ocorreu com Zelaya".

Note que nela não há nada de narrativo, mas trata apenas da opinião pessoal do jornalista, que se insere como uma "penetra" em meio aos fatos, para já de antemão procurar descredenciar as autoridades hondurenhas, em especial a corte suprema, como se Lannoy pudesse arvorar a si próprio ter competência para servir como autoridade revisora daquela instituição - e não com menos razão, Lula e Celso Amorim, logo adiante, para quem ele logo depois levanta a bola.

Agora, por que haveria a Rede Globo de buscar a opinião de "cientistas políticos" em Buenos Aires, tal como dito acima por Fátima Bernardes, quando no próprio Brasil há constitucionalistas às pencas? Ou, por que não ouvir diretamente as autoridades hondurenhas? Isto é algo curioso, ainda que considerada a liberdade que tem a empresa de buscar as suas fontes. Mais: para quê o plural, já que apresentou a opinião de somente um deles, o analista político Rosedo Fraga? Oportunamente, destacamos aqui o seu depoimento:

O analista político Rosedo fraga, que mora em Buenos Aires, afirma que, pela Constituição Hondurenha, se o presidente tenta a reeleição, ele já está cometendo um delito. E que a prisão de Zelaya foi uma decisão da Suprema Corte, que tem o papel de interpretar o que diz a Constituição.

Mas o analista declara que a imagem de um presidente civil sendo preso de pijamas por militares se assemelha à de um golpe de estado, e que às vezes uma imagem pode ter mais peso do que diz a lei.

Observe-se de pronto que o próprio especialista reconhece as razões expostas pelas autoridades hondurenhas como pertinentes, o que poderia sugerir à equipe de jornalismo da Rede Globo que investigasse com mais afinco a sua veridicidade. A frase seguinte, porém, denuncia a falta de honestidade jornalística da emissora carioca: não passa de uma poeira jogada nos olhos do telespectador: é pura prestidigitação, é a jogada retórica possível por parte de quem não poderia simplesmente endossar a tese de golpe de estado sem arriscar gravemente a própria reputação.

Imagine, pois, trocar todos os fatos e a constituição hondurenha pela idéia de uma imagem que venha a ter "mais peso do que diz a lei"? Imagine que um sujeito tenha cometido um crime, i.e., um estupro. A vítima presta queixa, o promotor formula a denúncia, o juiz expede a ordem de prisão, e no final, tudo isto de nada vale, porque a Polícia "Militar" entra na casa do criminoso e o retira de lá rumo à cadeia, de pijamas! Mas, pasmem, é exatamente esta a posição assumida pela Rede Globo, que por isto mesmo se investe de uma flagrante desonestidade jornalística, ainda mais quando usa um cientista político pró-Zelaya para falar por aquele que deveria ser o outro lado da questão. Em suma, com relação aos Zelayistas, ouve-se experts pró-Zelaya, e com relação ao governo interino de Honduras (que até hoje ainda Willian Bonner se refere como "o governo golpista", ouve-se também um expert pró-Zelaya! Parcialidade? Jura?

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