quinta-feira, 8 de abril de 2010

Mario de Oliveira e o fim do ensino superior gratuito

Mídia Sem Máscara

Klauber Cristofen Pires | 07 Abril 2010
Artigos - Educação

A gastança no ensino superior é paga no Brasil com a penúria do ensino básico, em contramão flagrante com os melhores casos de sucesso nos países mais desenvolvidos. Sobram doutores, especialmente para as especialidades mais esdrúxulas.

Dentre as propostas do candidato Mario de Oliveira, do PT do B, duas das mais controversas envolvem a implantação da pena capital e a extinção das universidades públicas federais. Peço licença para concentrar o foco na questão da universidade pública gratuita para defender a proposta de sua extinção, já que tem suscitado o questionamento por alguns leitores, denunciando com isto o reflexo de como possa estar sendo mal compreendida no seio da maior parte dos jovens, e deixar o tema da pena de morte para uma próxima oportunidade.

Desde há algum tempo uma argumentação tem prevalecido neste ramo segundo a qual os alunos das faculdades públicas são normalmente os egressos das escolas de nível fundamental e médio privadas. Tal fenômeno, por assim dizer, constituiria uma injustiça para o estudante oriundo da escola pública, vez que o estudante da escola privada tem acesso a um ensino de melhor qualidade. É preciso salientar que este apelo tem sido defendido inclusive pelos próprios donos de instituições privadas de ensino superior, e claro, esmaeceu, depois da criação de programas de subsídios públicos, de forma que muitas faculdades têm hoje expressiva renda daí proveniente. De qualquer forma, em função deste raciocínio, o vestibular foi substituído, pelo menos em parte, por formas alternativas de seleção, hoje sabidamente fracassadas, ao que atualmente se sobrepõem as políticas de cotas, para compensar, digamos assim, "na marra", a eterna ineficiência da escola pública.

A afirmação de que os alunos da rede privada tem melhor desempenho não chega a ser totalmente falsa no campo dos fatos, embora, como demonstrado, o impacto tenha sido diluído com a criação de programas de subsídios e de formas alternativas de seleção, inclusive as cotas, de tal maneira que é indubitável que hoje a maior parte da população universitária seja composta por estudantes das classes sociais menos abastadas. Entretanto, ao contrário do que pensam os seus advogados, não traduz nenhuma questão de justiça, vez que os estudantes de escolas privadas são brasileiros como quaisquer outros.

O tratamento que devemos dar à questão da gratuidade do ensino superior gratuito, portanto, não reside em considerações derivadas de confronto entre classes sociais, mas sim quanto ao melhor uso que deva fazer o estado do dinheiro público, e do próprio papel a ele atribuído.

Quando eu era aluno da Escola de Oficiais da Marinha Mercante, houve de uma certa feita uma espécie de mini-escândalo dentro da instituição: em revista aos alojamentos dos alunos, foi encontrada uma quantidade exorbitante de remédios nos armários. Alguns alunos tinham verdadeiras farmácias particulares. Estes remédios não foram roubados. Foram entregues gratuitamente, dentro das normas vigentes de atendimento médico. Desde então, uma nova norma foi implementada: os alunos doravante teriam de participar com cinquenta por cento do valor dos mesmos. O problema foi resolvido, mesmo considerando que o preço que pagavam não era o praticado pelo comércio varejista. Dali por diante, pôde-se verificar que os custos com a manutenção da farmácia diminuíram sensivelmente; a falta crônica de remédios, uma queixa constante dos alunos e que justamente provocou esta investigação, desapareceu, e a própria saúde deles melhorou, isto é, se consideradas as quantidades reduzidas de licenças médicas...

A lição que trago no parágrafo superior permaneceu guardada em mim pelo resto da vida. O que vem de graça inescapavelmente passa a ser tratado com desprezo, gerando o mal-uso dos recursos, desperdícios e corrupção. No caso, há de se levar em conta, pelo menos em hipótese, que alguns alunos estivessem vendendo os medicamentos para terceiros. Embora um caso assim não tenha sido comprovado, o mero cenário enseja uma suspeita neste sentido.

Trazendo o exemplo apresentado ao caso em tela, identifica-se o mau-uso dos recursos pela oferta excessiva de cursos de nível superior em áreas que o mercado desnecessita, pari passu a uma deficiência de aplicação alhures - em especial - nos empobrecidos e falidos ensinos fundamental e médio. Por outro lado, a oferta gratuita destes cursos tende a gerar falsas expectativas nos candidatos, que investem pelo menos o precioso tempo da juventude em uma jornada que à maioria restará infrutífera. Muito diferentemente, o estudante da universidade privada elabora um criterioso planejamento para a sua vida, estipulado em termos de confronto entre os custos e os benefícios. Ao menos em tese, tende também a ser mais estudioso, já que, custeando seu próprio ensino, é estimulado a valorizar o seu dinheiro. A gastança no ensino superior é paga no Brasil com a penúria do ensino básico, em contramão flagrante com os melhores casos de sucesso nos países mais desenvolvidos. Sobram doutores, especialmente para as especialidades mais esdrúxulas, enquanto faltam profissionais qualificados de nível técnico e auxiliar.

Falemos agora de desperdícios: imagina o leitor quantos bilhões de reais são gastos nesta desastrosa empreitada? Pasme, caro leitor, mas uma vez eu li que o orçamento da Universidade Federal do Pará perde somente para os orçamentos do estado do Pará e do Município de Belém! Considere que tamanha dinheirama revertesse aos cidadãos, na forma de uma desoneração tributária, ao menos parcial. Investimentos em áreas realmente produtivas gerariam empregos com maiores salários - inclusive mais empregos de nível superior! Os próprios cidadãos poderiam desde cedo começar a poupar para pagar a faculdade de seus filhos no futuro. Há uma piada corrente em Cuba em que uma mulher diz a outra: "- meu marido é médico, mas diz a todos que trabalha como garçom...". Precisa explicar?

Consideremos ainda o grosso contingente de estudantes que não se formam, ou que se formam aos tropeços, trancando suas matrículas e matriculando-se repetidamente, ou ainda os estudantes que desistem de um curso aqui para matricularem-se ali, ou ainda aqueles eternos colecionadores de diplomas, verdadeiros ratos de faculdade. Quantas pessoas, em vista da gratuidade do ensino superior gratuito, não o freqüentam tendo por meta um mero desejo de satisfação pessoal? Será que todos nós temos de pagar por tais conveniências?

Somente por não ter à mão um caso concreto, vou aqui me abster de elaborar um arrazoado mais profundo sobre a questão da corrupção. Todavia, registro aqui o comentário de um amigo meu, que é Analista de Finanças e Controle (servidor que trabalha na Controladoria Geral da União, exercendo a auditoria das contas de órgãos públicos), que me disse serem as faculdades públicas os maiores buracos negros de todo o serviço público...

Concluindo, vamos refletir sobre a missão que devemos consagrar ao estado. Ainda que, como um liberal, eu defenda abertamente a privatização de toda cadeia estudantil, desde o ensino básico, bem como até mesmo a sua desregulamentação e a legalidade do homeschooling, somente para raciocinar dentro do cenário político vigente, é vital esclarecer que o estado deve ter por meta socorrer ou auxiliar os cidadãos mais necessitados naquilo que é básico ou essencial, de modo que o supérfluo ou o complementar evidencie a prestação de alguma forma de privilégio.

Curiosamente, as academias militares não oferecem o ensino superior incondicionalmente gratuito. Ao oficial que não prestar serviço no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica por um determinado período de tempo (creio que sejam cinco anos, salvo engano), é dele cobrado o custo com a sua formação (presumo que o mesmo ocorra com as escolas de sargentos). Em termos, pode-se dizer que o militar paga os seus estudos com o seu trabalho. Tal configuração vem exemplarmente da tradição liberal da Monarquia.

Um exemplo pode ser dado pelo SUS. Qualquer cidadão pode requerer um par de óculos, e o receberá gratuitamente, mas ninguém receberá um modelo com recursos de anti-reflexo, ou foto-cromático, ou ainda com uma armação descolada. Da mesma forma, um curso de nível superior configura aquele plus que somente pode ser dado a um cidadão na medida em que é negado a muitos outros, pobres ou ricos. Seria o mesmo que oferecer um carro novo, ou uma casa nova. A obrigação do estado está cumprida quando forma o cidadão no curso fundamental, de modo que deve aplicar o que sobra de seus recursos em outras áreas também sensíveis, tais como a segurança pública, a saúde e muito oportunamente, no saneamento básico.

Com visão aguçada de experiente administrador, eu aprovo a proposta do Dr. Mario de Oliveira de extinguir o ensino superior gratuito, segundo as breves considerações acima explanadas.

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