sexta-feira, 23 de abril de 2010

Universidade pública e o fundamento do capitalismo

Mídia Sem Máscara

Não é somente a gratuidade do serviço de ensino superior a que deveria ser abolida, mas a prestação de todo o ensino público, ou de todos os serviços públicos, com as correspondentes deduções na carga tributária.

Escrevo este texto com vistas a oferecer uma argumentação mais aprofundada ao meu artigo intitulado "Como a proposta do candidato Mário Oliveira de extinguir o ensino superior gratuito pode ajudar todos os brasileiros" que no site Mídia sem Máscara foi publicada com o título de "Mario de Oliveira e o fim do ensino superior gratuito".

Como era de se esperar, a mera proposta de um candidato de extinguir a gratuidade do ensino público de nível superior (e não o ensino público superior em si) houve por despertar a inconformidade de muitos leitores que se posicionam politicamente como sendo "de direita", sinal claro de como é sedutor o discurso socialista, bastando-se por suas falaciosas proposições.

De fato, apelos tais como o de que vários países só se tornaram desenvolvidos após terem investido maciçamente em educação têm sido recorrentes. Outros ainda se servem da má qualidade do serviço prestado pelas atuais instituições particulares de ensino superior para constatar, com exclusão de quaisquer outros fatores, que o serviço privado não tem se saído melhor do que o público.

Vamos começar a desenovelar o assunto ao tratarmos, preliminarmente, da prestação do serviço de ensino superior público como uma espécie do gênero "serviço público". A rigor, não existe uma teoria, seja econômica ou da ciência jurídica, do que venha a ser um "serviço público". Em uma gama variada de países, os serviços que são prestados em um deles pelo estado o são em outros pela iniciativa privada, isto quando não competem em paralelo.

Desta forma, a escolha pelo serviço público obedece antes a critérios políticos, estes quase nunca conectados a critérios objetivos de eficácia e eficiência. Como disse Hans-Hermann Hoppe, "a arte do empresário é ajudar as pessoas a conquistarem a realização dos seus projetos, enquanto que a do político é conquistar a ajuda das pessoas para realizarem o projeto dele". Isto explica a existência de diversos campus universitários no Brasil em regiões tão remotas que dificilmente atrairiam a iniciativa privada, em harmonia com outro raciocínio do mesmo filósofo alemão, que diz: "é verdade que muitas vezes o serviço público vem a oferecer seus préstimos onde a iniciativa privada se faz ausente. Entretanto, isto não significa dizer, estritamente, que tais serviços deveriam ser prestados".

Relembrando, os serviços públicos são prestados onde nem sempre deveriam existir, bem como também ninguém sabe dizer ao certo se a execução destes serviços está sendo executada sob a forma mais eficiente possível, e isto tanto econômica quanto intelectualmente.

Universidades públicas funcionam sob o regime de orçamento, enquanto as privadas, a princípio, são patrocinadas pelo dinheiro dos próprios estudantes. Não há verdadeiramente nada de objetivo que conecte o orçamento de um órgão público às necessidades da população, de modo que a oferta de vagas, comumente, excede ou falta ao demandado pelo mercado.

Muitas pessoas de boa fé - mesmo as que, a princípio, se declaram anti-socialistas - defendem as universidades públicas alentadas pela notícia de que lá se desenvolve a pesquisa e os trabalhos de extensão. Há um grande mito nesta propaganda. Em Manaus, as empresas do Pólo Industrial se viram diante da necessidade de criar um Pólo de Tecnologia para suprir as demandas mercadológicas, porque os professores e cientistas das universidades públicas negam-se "a prostituir-se ao capital" (embora não se dêem conta daqueles que se prostituem para pagar os seus salários), de modo que vivem olimpicamente torrando verbas para pesquisar as coisas mais extravagantes. Os serviços de extensão, por sua vez, somente são realizados dentro do modelo de funcionamento estatal, isto é, sob esquemas de orçamento para fomentar formas socialistas de organização social (mutirões, trabalhos comunitários, ong's e semelhantes).

Pode-se afirmar com certo grau de acerto que as instituições privadas de ensino no Brasil são verdadeiras fábricas de diplomas. Isto porém, não é suficiente para contrapor a prestação do serviço privado ao serviço público, porque a prestação do serviço privado se dá sob características de forte influência estatal.

Basta considerarmos como programas como o Prouni financiam boa parte do orçamento destas instituições, de modo que, quanto mais presentes na fatia de suas receitas, mais se vêem desobrigadas a atender às expectativas do mercado ou dos alunos; a ordem é "embrulhar e mandar". A par disto, segue a formação das grades curriculares, praticamente toda ela imposta pelo Ministério da Educação. Finalmente, a legislação trabalhista faz o resto do trabalho, ao impor aos empresários que contratem determinadas categorias profissionais pelo só fato de exercerem esta ou aquela atividade, ou possuírem determinado número de empregados. Desta forma, pode-se perceber o caráter essencialmente pró-forma do diploma e do emprego.

Por outro lado, a grande massa destas instituições não precisa mesmo formar cientistas de alto calibre, já que, de qualquer forma, lhes faltariam campos de trabalho. A pesquisa de ponta sempre será uma área especial e circunscrita em relação ao total dos pares que atende ao grosso da população. Exigir o contrário é o mesmo que estabelecer que todas as pessoas deveriam comprar rolls-royces quando se lhes prestam muito bem os carros de série, os populares, as motocicletas ou alternativas ainda mais acessíveis de transporte.

Em uma sociedade plenamente livre, ou plenamente capitalista, muitos dos cursos superiores possivelmente nem sequer existiriam, ou se existissem, seriam em número significativamente menor. O normal seria que os jovens começassem a trabalhar em idade mais precoce, e fariam cursos paulatinamente, à medida das necessidades de suas atividades, pelo resto da vida profissional. Um ingrediente deveras importante na formação seria a experiência conquistada ao lado de profissionais mais competentes.

De acordo com o esperado no modelo acima, que não é teórico, mas plenamente real, porque era assim que, enfim, acontecia, há uma sintonia fina entre a necessidade do conhecimento e a sua aplicação prática, bem como entre o gasto do investimento e o grau e a temporalidade do retorno. Muitas vezes, os patrões espontaneamente patrocinam os estudos dos seus melhores empregados, com vistas justamente à melhoria da produção.

O importante aqui a considerar é que os cursos universitários não seriam de uma vez extintos, mas certamente exerceriam seu papel em função do real conhecimento e diferencial que viessem a oferecer, ao invés de existirem meramente para a emissão de diplomas para preenchimento de vagas de empregos obrigatórios.

Estas universidades elaborariam a grade curricular que mais se adequasse ao exigido pelos estudantes ou pelo mercado, seus financiadores de direito e de fato, e não aquelas que empurram goela abaixo do corpo discente, que visam prioritariamente ao interesse do estado.

Um fator importante não deve ser negligenciado aqui: a propagação de teorias motivadas pelo objetivo de doutrinação ideológica praticamente não teria lugar, pois os destinatários seriam pessoas muito conectadas com a realidade, e certamente não apostariam pagar ou perder tempo por quimeras.

Em determinados cursos, de tal forma a intervenção estatal se faz presente que nem mais sequer é possível caracterizar a finalidade mercadológica dos mesmos. O que faz um contador, ou um administrador, ou um economista ou ainda, um advogado? Contadores deveriam diagnosticar o patrimônio das empresas para com isto subsidiarem tomadas de decisão, mas hoje o significado da Contabilidade e a maior parcela de tempo gasta pelos profissionais da área relaciona-se com o pagamento de impostos. Os administradores deveriam aprender a empreender, mas na realidade atual o que aprendem é a preencher formulários e cumprir portarias dos governos. Os economistas deveriam estudar os fenômenos naturais das trocas nas sociedades livres, para com o conhecimento obtido aprimorar-lhes a eficiência e maximizarem os contratos, mas a grade curricular, quase que absolutamente keynesiana-marxista, só lhes incute na cabeça a elaboração de políticas públicas baseadas em cálculos tão complicados quanto inúteis e hipotéticos de construção de preços, juros e demandas em sistemas de competição restrita. Os advogados, por sua vez, poderiam se concentrar nos direitos dos contratos, resguardando a lisura e a correta aplicação dos mesmos (inclusive, com muitos lucros), mas o Direito Privado mal ocupa 5% do total da grade curricular, quase toda ela formada com disciplinas de Direito Público.

Quem aposta no ensino público superior por considerá-lo estratégico olvida que o discurso socialista considera muitas outras coisas estratégicas, tais como o fornecimento de saúde, de energia, de telefonia, de estradas, de petróleo, de mineração e de correios, para ficar no mínimo. Em todas estas áreas, todavia, o serviço privado tem se mostrado mais eficiente, produzindo melhor, mais barato e para cada vez mais pessoas. Por quê haveria de ser diferente com o ensino?

Uma sociedade que adotasse um modelo de ensino totalmente privado, e mais do que isto, totalmente livre, economizaria uma quantidade incomensurável de recursos, liberando-os para a produção mais eficientes de bens e serviços (inclusive serviços de ensino privado!), e com isto gerando empregos com maiores salários, muito mais produtivos do que aqueles pelos quais toda a população paga quando o governo obriga as empresas a contratar por mera formalidade.

É muito comum aos que defendem o ensino superior gratuito que o pobre não teria acesso ao ensino sob outra forma. Pois bem, seria com esta soma gigantesca e inimaginável de recursos que estas pessoas poderiam ter acesso ao ensino. Isto não é mera teoria. Os Estados Unidos nasceram assim, e durante o tempo em que o ensino foi uma atividade total ou predominantemente privada, houve a maior explosão de inventos e melhorias que este mundo já conheceu, bem como houve a maior proliferação de livres-pensadores e cientistas de todos os tipos.

Concluindo, não é somente a gratuidade do serviço de ensino superior a que deveria ser abolida, mas a prestação de todo o ensino público, ou de todos os serviços públicos, com as correspondentes deduções na carga tributária. A proposta de Mario Oliveira pode e deve ser defendida como um passo em direção a uma sociedade plenamente livre e capitalista, e só ela já significaria um bom enxugamento de recursos públicos, no tanto em que estimulasse as pessoas a fazer um balanço responsável da relação custo-benefício antes de se matricularem, ao mesmo tempo em que liberaria bilhões de reais para o ensino fundamental, bem mais essencial e muito mais negligenciado no Brasil, ou para outras áreas sensíveis, como a segurança e a saúde.

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