Mídia Sem Máscara
Klauber Cristofen Pires | 27 Abril 2010
Artigos - Economia
O que vem a ser a lei que impõe o salário-mínimo? A resposta é simples: nada mais do que a proibição de contratar alguém abaixo de determinado preço.
Embora eu já tenha feito alguns comentários sobre o salário mínimo, percebi que não consagrei ainda um artigo inteiro ao desenvolvimento do tema. Faço-o agora, para tentar esclarecer a confusão reinante na cabeça da maioria dos brasileiros, no que incluo mesmo muitos economistas...
Como nasceu a idéia do salário mínimo? Sua origem reside na furada teoria marxista do "salário vital", segundo a qual um trabalhador deveria receber por ser trabalho pelo menos um mínimo suficiente para o sustento de si e da sua família. Segundo tal crença, um salário que não obedecesse a tal critério configuraria um roubo que o empregador estaria cometendo contra o seu funcionário.
Porém, temos aqui dois complicados problemas para resolvermos: primeiro, quanto "mede" o poder de compra de uma determinada unidade de qualquer moeda? Segundo, o que pode ser considerado suficiente?
O dinheiro não é algo como o metro ou o quilo, que se referem a unidades fixas de medições. Como um meio de troca, seu valor é relativizado em função de uma série de fatores, mormente as flutuações de oferta e demanda dos milhões de bens e serviços existentes, mas pode ser valor dependente até mesmo em função da própria credibilidade da sua eficiência no papel que exerce. Logo, uma mesma quantidade de dinheiro não pode garantir que um indivíduo compre as mesmas coisas. Eventos tais como secas ou enchentes podem encarecer os alimentos, e um empregador não pode ser responsabilizado por isto. Por outro lado, se, usamos o argumento de que um salário considerado em determinado momento como insuficiente configura um roubo do trabalhador pelo empresário, então igualmente poderemos usá-lo para denunciar um roubo do empresário pelo empregado, em uma situação de bonança e prosperidade tal que o poder de compra aumente.
Vamos ao segundo raciocínio. O que pode dizer um americano, um brasileiro e um africano sobre o que cada um pensa ser um salário mínimo - um salário fundamental - que lhes supra minimamente as condições de vida? Parece muito certo que teremos respostas decrescentes em termos de exigências, de modo que é absolutamente impossível atribuir ao salário mínimo um conceito terminante. Mesmo estes três cidadãos, em diferentes épocas, farão exigências diferentes no espaço de uma geração para outra. Hoje, a grande maioria dos brasileiros que recebe algo em torno de um salário mínimo tem luz em casa (com tevê), usa (boas) roupas e calçados industrializados e come carne, coisas impensáveis para a maioria da população de cinquenta anos atrás. Naquele tempo, um homem de classe média nem em sonho imaginava dirigir um carro, ir a um restaurante todo fim de semana, possuir uma tevê ou telefone e ter os seus filhos em escolas particulares. A vida era bem mais modesta.
Peço agora a licença para convidar o leitor a refletir se a natureza tem a oferecer ao homem algo que naturalmente possa ser considerado um salário vital. Será certo que, se eu jogar a rede ao mar, terei direito a uma quantidade mínima de peixes? Será certo que, se eu plantar e cuidar com zelo da plantação, a natureza vai se encarregar de me proteger das intempéries ou das pragas de tal modo que me garanta uma mínima percentagem na hora da minha colheita?
Ora, ora, a natureza sempre foi muito cruel, e somente a colaboração entre os homens foi capaz de vencer os desafios que apresenta. Um homem que ganha salário mínimo no Brasil pode ser considerado uma pessoa mais pobre em relação ao restante da população, mas o atual valor do mesmo garante-lhe uma vida muito mais confortável do que a que teria se tivesse de se virar sozinho, plantando, tecendo, construindo seu próprio telhado, protegendo-se das feras e medicando-se. Some-se a isto que certos serviços no Brasil são fornecidos pelo estado, pagos em grande parte por contribuintes de maior poder aquisitivo: educação, saúde, segurança, transporte e lazer. Agora, prestem muita atenção: não estou dizendo aqui que o salário mínimo brasileiro é bom, e muito menos estou defendendo a eficiência da prestação estatal dos serviços públicos - estou apenas constatando fatos.
Agora, o que vem a ser a lei que impõe o salário-mínimo? A resposta é simples: nada mais do que a proibição de contratar alguém abaixo de determinado preço. Agora, preste atenção, Sr leitor: eu disse aqui uma "proibição", não uma "garantia". O salário mínimo não tem o condão de "garantir" que todas as pessoas sejam contratadas por pelo menos o seu valor - mas, muito pelo contrário, funciona justamente impedindo-as de serem contratadas. A maior prova disto são os altos índices de desemprego nos países que o adotam. Nos EUA, o mercado se encarrega de mascarar esta realidade, porque o SM lá é muito baixo em relação ao que o mercado normalmente paga a qualquer pessoa menos qualificada. Entretanto, na Europa os índices de desemprego são significativos, e isto porque os políticos de lá, tão demagogos quanto os daqui, imaginam que uma elevação do mínimo enriquecerá a população em geral, como se, com uma canetada, à moda de uma varinha de condão, eu pudesse fazer o trigo crescer sem a lavoura, a vaca dar leite sem a ração ou o carro sair da fábrica sozinho sem o fornecimento das peças e do processo produtivo.
Neste ponto, é de se perguntar: então, o quê aconteceria se o salário mínimo fosse extinto? A maior parte das pessoas, viciadas no pensamento de que este instituto garanta os proventos das pessoas que se encontram na base da pirâmide social, possivelmente responderão que uma fração considerável terá o seu salário diminuído por seus patrões. Sinceramente, não descarto que isto possa acontecer com algumas delas - é uma possibilidade real - mas duvido que aconteça com a grande maioria, por uma razão simples: se elas já estão ganhando isto, é porque elas valem isto! Em outras palavras, o trabalho que desempenham já garante uma produção econômica que paga - de forma sustentada - o que recebem.
Precisamos, portanto, tentar nos antecipar à sequência deste fenômeno: muitas pessoas seriam contratadas por um valor que deverá variar entre o zero e à atual cifra legal. Isto seria necessariamente ruim? Um caso concreto pode responder a esta questão: certa vez, eu perdi uma empregada doméstica. A razão, apresentada pela mesma, é a de que no interior, embora ela vivesse com salários inferiores ao mínimo legal - na verdade, cerca de metade - ela tinha à sua disposição várias facilidades, tais como moradia, a roça, a pesca, e outras, de modo que o que ela precisava de dinheiro se destinava mais à compra de produtos de higiene e remédios. Casos assim são muito comuns não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, e em qualquer proporção. Hoje em dia já se vê um movimento de êxodo de grandes centros urbanos como São Paulo, em direção ás cidades circunvizinhas do interior, em que as pessoas, mesmo as de classe média e alta se mudam em buscas de menores custos de operação e vida, ainda que em troca de salários mais baixos.
Adiante, vem a parte mais interessante: suponhamos que, devido à extinção do salário mínimo, um contingente enorme de pessoas passaram a ter emprego, claro, por um valor abaixo do que antes estipulava o governo. Com uma taxa de desemprego tão baixa - na verdade, tendendo a zero - como se comportariam os salários daqueles mais próximos deste ponto de inflexão? Será que eles aceitariam trabalhar pelo mesmo valor que vem sendo praticado desde que o mínimo legal foi extinto? E o mercado? Será que, em busca de novos empregados, não estaria disposto a pagar um pouquinho mais desta vez?
Estamos, logicamente, falando da velha lei da oferta e da procura, funcionando aqui de um jeito mais perto do seu ótimo (não um ótimo ideal, porque outras burocracias ainda existem). Espere, mas temos um outro ingrediente para esta receita: como mercado livre para contratar, a produção e a produtividade aumentariam gradativamente, porque os salários são contratados em função da real contribuição que os trabalhadores têm a dar ao processo produtivo. Em consequência, com mais pessoas empregadas, também cresce a demanda por produtos e serviços, impulsionada por um contingente crescente dotado de um poder aquisitivo que também se eleva paulatinamente.
Não seria surpresa, pois, que, ao fim deste processo - ou melhor, quando encontrado um estado de relativo equilíbrio, não encontrássemos uma sociedade com um índice reduzido de desemprego e pasmem, com um salário mínimo (um salário mínimo natural, estabelecido pelo mercado), mais alto (ou com um poder de compra mais alto) do que os anteriormente estipulados pelo governo.
O desenvolvimento de que trato nos parágrafos acima não constitui um wishfull thinking. Basta constatar a história do sucesso liberalismo, no mínimo em que foi empreendido. Nos EUA, as teorias marxistas tiveram pouco efeito sobre a mente da população porque a realidade sempre estava muito adiante das suas falácias: muito antes que as leis obrigassem a pagar salários mínimos, que eram sempre revistos pra cima, os salários reais cresciam muito mais rápido, enquanto os preços dos bens e serviços caíam em velocidade também notável; muitos antes que leis trabalhistas delimitassem cargas horárias, ou estabelecessem condições físicas consideradas mínimas, as fábricas norte-americanas já tinham melhorado significativamente suas instalações, tirado as crianças do trabalho (porque seus pais, recebendo mais, decidiram colocá-las na escola) e criado sistemas de férias a título de prêmios por produtividade. Sem nenhuma lei, sem nenhuma lei.
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