quarta-feira, 2 de junho de 2010

O fim da social-democracia?

Mídia Sem Máscara

Nivaldo Cordeiro | 02 Junho 2010
Artigos - Movimento Revolucionário

Neoliberalismo é apenas mais uma variação estabilizadora da social-democracia, esta mesma que está a morrer pela crise atual. A falência está inteiramente explícita na inviabilidade dos modelos de previdência social e no inchaço incomensurável do funcionalismo público.

Em 1974, em um majestoso texto publicado na revista "The Review of Politics" (Vol 36, nº 4), intitulado "Liberalism and its history", Eric Voegelin demonstrou que a doutrina liberal faz parte do movimento revolucionário, desde a origem. É ela própria que inaugura a modernidade em todos os campos, do direito à ciência política, passando pela filosofia, economia e demais ciência sociais. Não ao acaso Voegelin foi buscar no termo gnose a expressão para designar esses movimentos revolucionários, similares aos movimentos religiosos do início da Era Cristã.

O essencial da modernidade é a recusa da percepção do elemento transcendente como a condição do real, colocando em seu lugar a pura vontade (razão) humana.

O liberalismo, no início, estava na linha de frente da revolução, contra a tradição aristotélica na filosofia e contra os valores cristãos herdados nos costumes. O esforço de gente como Maquiavel, Hobbes, Hume e Locke era para desacreditar Aristóteles, pondo no seu lugar o historicismo fundado na filosofia grega do período helenístico. É bem verdade que as mudanças no interior do cristianismo vinham desde pelo menos o século XII e ganharam relevo com o surgimento do nominalismo. De certa forma, o irracionalismo moderno deriva em linha direta dessa visão deformada do cristianismo, que irá afetar sobretudo o campo do direito e da ciência política. Será pela Escola de Salamanca que sua doutrina formatará a modernidade.

O encontro do humanismo renascentista com as idéias da decadência filosófica cristã emergirá com toda força e será o pano de fundo das três grandes revoluções: a Reforma religiosa, a Revolução Francesa e a Revolução russa. Voegelin mostrou que o elemento radical do momento revolucionário inicial será seguido de um momento de "restauração" dentro do próprio movimento revolucionário. O que passará a se chamar conservador nada mais é do que esse elemento estabilizador, mas ele próprio é integrante da revolução. [A ortodoxia greco-cristã jamais foi restaurada]. Isso acontece porque não é possível que a dinâmica revolucionária aguda tome todo o tempo histórico, pois o princípio de realidade não pode ser inteiramente negado, sob pena de comprometer a sobrevivência humana.

O conceito de revolução permanente, cunhado por Trotsky, não é outro que não essa dinâmica. Afinal, a revolução se propõe objetivos inalcançáveis e seu sentido é o movimento contínuo, rumo ao nada. O repouso jamais poderá ser alcançado. Mas os momentos de febre precisam ser seguidos de momentos de relativa estabilização, sob pena de a vida prática ficar inviável.

O liberalismo dito clássico, nos momentos subseqüentes ao movimento revolucionário do século XVII, em paradoxo, passou a compor o contrapeso aos delírios revolucionários jacobinos. Voegelin fecha o texto com a seguinte afirmação:

"In the light of these considerations we can say that, on the one hand, liberalism decidedly has a voice in the political situation of our time; on the other hand, however, today the ideas of autonomous, immanent reason and the autonomous subject of economics are scarcely alive and fruitful; thus, the classical liberalism of the secularist and bourgeois-capitalist stamp may be pronounced dead."

Voegelin foi certeiro no seu diagnóstico. Passadas mais de três décadas dessa constatação podemos dizer que a forma resultante de estabilização do movimento revolucionários na segunda metade do século XX foi o que se chamou de neoliberalismo, essa simbiose entre os frutos da ciência econômica liberal com as crenças coletivistas no plano político. O neoliberalismo virou a plataforma de todas as agremiações políticas no poder, desde o fim da II Grande Guerra. É o que se chama de social-liberalismo ou liberalismo-social. Numa única expressão, social-democracia.

Neoliberalismo é apenas mais uma variação estabilizadora da social-democracia, esta mesma que está a morrer pela crise atual. Vê-se que a variante neoliberal não pode ser mais o elemento racionalizador e estabilizador do exercício do poder real nesse estágio avançado. O modelo esgotou-se, fruto de sua entropia intrínseca. O distributivismo proposto pela social-democracia dependia da contínua expansão da carga tributária e da emissão de moeda, que já bateram seu limite superior. A falência está inteiramente explícita na inviabilidade dos modelos de previdência social e no inchaço incomensurável do funcionalismo público. O mundo ocidental está em um beco sem saída, inclusive nos EUA.

O que virá no lugar? Ninguém sabe. Uma guinada conservadora? Um novo espasmo revolucionário? Seja o que vier não se fará com pouca violência. Os sintomas estão por toda parte, as tensões brotam dia a dia. Os próximos anos serão sombrios.

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