Mídia Sem Máscara
| 30 Junho 2010
Artigos - Cultura
Depois, da escola gratuita, da merenda gratuita, do transporte gratuito, da mochila e do material didático gratuito, do uniforme gratuito, e das cotas para as faculdades, constatamos que a coisa não anda. Por quê? Porque nossas crianças não têm visão de futuro.
Das minhas viagens pela marinha mercante, recordo-me das vezes em que visitei a Coréia do Sul. Conheci, entre outros lugares, Gwangyang, Pohang, Pusan e Ulsan. Naveguei nos anos 90, em um tempo em que o Brasil era um país extremamente fechado: vivíamos a hiperinflação; os brasileiros ainda não tinham cartões de crédito internacionais; e vigorava uma severa política de substituição de importações.
Não seria à toa que um jovem oficial de máquinas de uma nação atrasada e pobre ficasse deslumbrado com países tão mais evoluídos: carros maravilhosos, jet-skis, computadores, quinquilharias de fibras óticas, eletrodomésticos que não conhecíamos - entre eles, o forno de microondas - telefones bonitos e multifuncionais e os celulares já faziam parte da paisagem cotidiana. Tal era o caso da Coréia do Sul, um pequeno oásis em meio à extrema miséria e ao sofrimento dos regimes comunistas chineses, vietnamitas e norte-coreanos.
Eu preciso dizer isto para confessar um pecado mortal: se em algum dia, especialmente durante a juventude, eu sofri de um acesso de socialistite, esta foi bastante efêmera. Nasci com um senso agudo de amor à liberdade e de admiração com o progresso. Contemplar as indústrias, os portos, o trânsito movimentado, o comércio pujante - enfim - um povo ativo, em todos os sentidos - sempre me aguçou muito mais a simpatia do que contentar-me com o olhar sem brilho e o ócio prisioneiro dos residentes em países comunistas, tal como tive a oportunidade de testemunhar quando conheci a Iugoslavia, antes da guerra que a repartiu em mil pedacinhos.
Sim, a Coréia do Sul! Foi uma experiência singular testemunhar alguns relances curiosos de um povo que já estava bem de vida, mas ainda em estado de evolução mental de um passado pobre para um status de nação superiormente desenvolvida. Notava isto nos modos ainda meio toscos dos populares, típicos de terceiro mundo, quando comparados com os japoneses, que compõe um povo que há mais tempo se tornou mais requintado. Por favor, coreanos e seus descendentes, não tomem isto como uma ofensa.
Entre as fotografias gravadas na minha mente, uma imagem muito comum - e significativa - era ver crianças nas calçadas, sentadas em banquinhos ou até mesmo em caixas de papelão, a fazer algo que entendi serem as tarefas escolares. Também as via comumente nas casas de comércio, a preencherem com bolinhas e tracinhos - os caracteres mais comuns da escrita coreana - os seus cadernos de pautas quadriculadas, e possivelmente também aprendiam, pelo convívio, os ofícios paternos. Elas não eram crianças de rua: estavam ali sob o olhar vigilante dos seus pais, estudando, em meio ao trânsito e ao trabalho que seus progenitores desempenhavam.
Impressionam-me ainda hoje tais recordações pelo que traduzem: um povo livre, sério, ativo, trabalhador e dinâmico. Um povo, direi, aqui, com "visão de futuro". Guardem esta expressão: eu disse "visão de futuro". Adiante...
Perdoem-me os leitores se demoro a chegar aonde quero, mas preciso transportar-vos àquele ambiente, da maneira que posso. Preciso relatar-lhes a atmosfera e o significado. Hoje é sabido que a educação coreana é tida como a melhor do mundo, senão pelo menos uma das melhores, e isto não se reflete somente na tecnologia de ponta - já falei aqui da internet a 50 Giga, só para dar um exemplo fortuito.
Muita gente metida a intelectual e mesmo hordas de políticos tupiniquins já visitaram aquele país peninsular, e voltaram tagarelando como papagaios sobre a educação como fator de desenvolvimento. Eu disse, "como papagaios", justamente para destacar aquele bicho que fala sem saber o que as palavras significam. Mais claramente, voltaram de lá receitando mais investimento em educação, mas desconheceram por completo - ou fingiram propositalmente ignorar - que o processo de educação lá se deu de mãos dadas com o capitalismo, com a liberdade dos pais de educarem seus filhos e com o amplo confronto das idéias - coisas que o projeto de doutrinação ideológica em franco progresso em nossa terra jamais admitiria.
Depois, da escola gratuita, da merenda gratuita, do transporte gratuito, da mochila e do material didático gratuito, do uniforme gratuito, e das cotas para as faculdades, estamos constatando notoriamente que a coisa não anda. Por quê? Eu digo: porque as nossas crianças não têm exemplos. Porque nossas crianças não têm visão de futuro. Porque elas estão sendo preparadas para serem iguais, e na pobreza em que vivem, já se sentem iguais umas às outras. Missão cumprida.
Hoje, deparo-me com a notícia divulgada pelo "portal do governo do estado do Pará" que um programa chamado de bolsa-trabalho tem como meta distribuir uma mesada de setenta reais mensais, por até dois anos, para cerca de dez mil jovens.
Pode haver algo mais paradoxal do que uma "bolsa-trabalho"? Senão vejamos: paga-se uma quantia a fulano para que ele procure um emprego? Ou, paga-se uma quantia a fulano para que ele faça um curso profissionalizante, e depois procure um emprego? Tentemos transportar o mesmo raciocínio a outras instâncias da vida: que tal oferecer uma linguiça a um cão para que ele se interesse por comida? Que tal oferecer um prêmio a um atleta para que ele se interesse em competir?
Dei uma olhada no regulamento: repleto de boas intenções, estabelece condições para o usufruto do benefício, tal como, por exemplo, manter um nível mínimo de 75% de frequência em curso profissionalizante oferecido pelo programa. Mais interessante é a exigência de o beneficiário estar desempregado há pelo menos seis meses, o que reflete de imediato o desestímulo imposto àquele que procurou emprego por conta própria. O dito benefício ainda guarda outras pérolas, tais como preparar os jovens para a economia solidária - uma quimera socialista que só faz confundir-lhes mais ainda as cabecinhas - apagando de vez qualquer resquício de incentivo ao estudo e à produtividade.
Se é que conheço um pouco a juventude do nosso povão, boa parte desses rapazes e moças passa o período das aulas refestelados sobre a grama das praças públicas dividindo bebidas alcoólicas misturadas a refrigerantes. Daí a prever que os setenta reais serão muito bem aplicados no "Tremendão Tupinambá" (um famoso grupo de som regional), em bebidas, cigarros e mesmo drogas, é mera conclusão lógica irrefutável.
A verdade é que o nosso povão não tem nenhuma visão de futuro. Os melhores exemplos que lhes vêm à mente são de jogadores de futebol ou dançarinas que rebolam sobre garrafas. Daí não se interessarem por nada. Desde a mais tenra idade, são ensinados a cumprir com os desígnios do estado, e não os seus próprios projetos. Desde pequenos, são doutrinados a conseguirem as coisas por meios políticos, antes do que pelo trabalho suado. Curtir o ócio tornou-se mais barato que trabalhar. Eles sabem que, depois do "bolsa-trabalho" haverá qualquer outra bolsa, e assim vão levando a vida, sabendo que isto é melhor que sofrer por salários diminutos.
Para terminar, vale ainda ser repetitivo, não vale? Pagamos, todos nós, não apenas o benefício dos setenta reais. Na composição, entram também os tais cursos, os agentes públicos com gordos DAS para administrar o programa, a propaganda eleitoreira da governadora Ana Júlia Carepa e puxa vida, a corrupção que grassa vicejante em solo tão adubado. Triste, não?
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