quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Liberalismo e violência: o "ópio dos intelectuais"!

Mídia Sem Máscara

Casimiro De Pina | 24 Fevereiro 2010
Artigos - Cultura

A Tradição da Liberdade sempre pensou de forma diferente: acredita que o progresso social só acontece numa sociedade forte, com instituições saudáveis, protecção das liberdades fundamentais, Estado de direito, transparência (imprensa livre, etc.) e um espaço largo para que a criatividade se exerça e, pela via da inovação, resolva o problema milenar da pobreza e da carestia.

Nos últimos dias, vários artigos de opinião dados à estampa nos jornais domésticos incidiram num ponto fulcral: a responsabilidade das "teorias liberais" na propagação da violência (maxime, delinquência juvenil) em Cabo Verde.

Em si, este ataque ideológico não é novo. Aliás: é velho e bafiento. E faz parte do DNA das teses marxistas. Os marxistas sempre viram a Tradição da Liberdade como uma espécie de "cancro social", a extirpar a todo o custo, o quanto antes.

A liberdade individual seria apenas uma "falsa consciência", escondendo, atrás de si, a ânsia de dominação, se não de "exploração do homem pelo homem".

É uma tese com cerca de 200 anos. E não tem a mínima consistência, nem teórica, nem prática.

Do ponto de vista teórico, basta ler os Textos Fundadores do liberalismo moderno. De Adam Smith aos Federalist Papers, passando por John Locke ou Immanuel Kant, nenhum deles comporta o mais pequeno vestígio de violência (ou apologia da violência).

Os profetas antiliberais e "pós-modernistas" laboram, pois, num terrível equívoco.

Pelo contrário, muito pelo contrário, o liberalismo político é a doutrina mais pacífica e civilizada que se pode encontrar.

Os seus tópicos principais são e sempre foram estes: defesa incondicional da dignidade humana; respeito pela diferença (e, logo, pelo pluralismo: político, cultural e ideológico); liberdade; tolerância; progresso social; generosidade; excelência humana; Estado de direito; legalidade e transparência, etc..

Foi Locke quem escreveu, no séc. XVII, a famosa "Carta sobre a Tolerância", numa época marcada pela violência sectária e pelas guerras religiosas. Voltaire, o filósofo francês, viria a ser profundamente influenciado por estas ideias liberais e humanistas.

Associar o liberalismo à intolerância, ou ao desrespeito pela pessoa humana, é desconhecer, in totum, as suas bases teóricas e morais. Mais do que isso: é mentir descaradamente, falseando incrivelmente a realidade.

A mentira parte, essencialmente, de duas fontes: ignorância ou má-fé. E há, aqui, um fenómeno curioso.

Os intelectuais antiliberais, confiantes na "dialéctica", apostaram quase tudo na experiência, isto é, na história. A prática seria, para eles, o grande critério da verdade. Ora, o que nos diz a história? Que Karl Marx estava completamente errado. Que o socialismo falhou clamorosamente, gerando, de Cuba à Coréia do Norte, a mais lamentável pobreza e opressão política.

O socialismo, em vez de edificar o "paraíso na terra", inaugurou a Era do Genocídio e do extermínio em massa, a maior violência que a humanidade conheceu até hoje.

Muito do ressentimento dos intelectuais tem, pois, origem neste fenómeno de longo alcance: o falhanço do socialismo e das suas teses económicas e políticas.

Ai daqueles cujas crenças não se concretizam! Formou-se um como que "vazio metafísico", que muitos, lamentavelmente, não conseguem ultrapassar.

As "viúvas de Moscovo", herdeiras de uma utopia generosa que terminou em distopia, vivem numa espécie de cisma permanente.

A história provou que o melhor sistema político é aquele que reconhece a liberdade da pessoa humana e os seus direitos naturais, "sob o único governo de Deus e das leis", como diria, numa síntese primorosa, Alexis de Tocqueville.

Ninguém disse que a tradição liberal é o sinónimo da perfeição.

O liberalismo, apesar dos seus inegáveis contributos na afirmação da dignidade humana e do progresso material, é apenas um sistema político e económico. Tem as suas falhas, como qualquer outra criação humana. Mas é o melhor sistema inventado até hoje.

Arrancou milhões de pessoas da miséria (vide a China) e, a partir da Revolução Industrial, criou uma situação geral de conforto inimaginável nos séculos anteriores. Graças a isso, uma pessoa comum possui, hoje, um conjunto de vantagens que um nobre ou monarca não tinha na época medieval ou no século XVIII.

A esperança de vida aumentou de forma notável e a labuta quotidiana tornou-se inquestionavelmente mais fácil, mercê do "salto tecnológico" e da inovação que a economia de mercado normalmente proporciona.

O computador e a Internet que os "investigadores" utilizam para pesquisar e, com frequência, denegrir as teses liberais são, ainda, um produto das sociedades liberais e não dos pruridos fantasmagóricos de um Fidel Castro ou Paulo Freire.

Voltemos ao nosso país. Nardi Sousa volta a dar voz à confusão e ao ressentimento.

Escrevendo no jornal A Semana (de 19/2/2010, p. 12), o sociólogo afirma que "Cabo Verde importou na década de 1990 um modelo inspirado em teorias liberais", o qual iria, vejam só!, "complicar ainda mais a situação social dos pobres"! Inacreditável...

O que o Nardi não sabe, ou finge ignorar, é que a situação social dos pobres já estava bastante "complicada", por causa das políticas desastrosas do Partido Único. Quando este regime ruiu, a situação social era, de facto, explosiva em Cabo Verde.

Dizer que um modelo é "importado" não significa rigorosamente nada.

Cabo Verde, ao longo da sua história, sempre importou modelos1.

E isto em si não é mau: as boas práticas e os bons exemplos devem ser imitados, seja nas Artes, na Filosofia ou nas Ciências em geral. É esta, aliás, a condição do progresso civilizacional e humano. Karl Popper escreveu páginas definitivas a este respeito, em termos de Metodologia Científica.

Se apagarmos tudo e resolvermos, estribados num nacionalismo atávico, construir o nosso mundo "a partir do zero", o mais provável é, num ápice, regressarmos à barbárie e à caverna primitiva!

A tabula rasa é a filosofia do atraso e da decadência civilizacional.

A questão não é essa. A questão de fundo é: ver as consequências do modelo importado.

Por exemplo, ver as consequências morais, económicas, religiosas, políticas, etc., do modelo totalitário do partido único. Ver até que ponto empobreceu, em todos os aspectos, a sociedade cabo-verdiana. Um diagnóstico social sério não pode ignorar este ponto fundamental.

Como se pode afirmar, como faz irresponsavelmente o Nardi, que o modelo da década de 90 "complicou ainda mais a situação dos pobres" se foi, nessa época, que a pobreza conheceu uma diminuição acentuada?

Definitivamente: a afirmação nardiana é um cliché, um assomo de ressentimento ideológico (o "ópio dos intelectuais" de que falava Raymond Aron), sem qualquer fundamento ou base factual.

O Nardi, docente universitário, devia deixar essa conversa frouxa, jungle food, aos palpiteiros da JPAI.

A pobreza diminuiu na década de 90; e graças às políticas liberais, que o Nardi tanto abomina, a situação social dos pobres melhorou significativamente. Basta consultar os relatórios do PNUD acerca do índice de Desenvolvimento Humano na década de 90.

O (re)lançamento do sector privado e a atracção do investimento externo foram factores positivos que impulsionaram o crescimento económico e fizeram diminuir o desemprego em Cabo Verde. Um investigador sério não pode ignorar esta realidade.

Além disso, há um dado curioso que normalmente aparece em certas análises: a atribuição das culpas todas à sociedade. A "sociedade" aparece como uma espécie de "entidade ciclotímica" e misteriosa que fabrica delinquentes e marginais.

O indivíduo pode ter cometido os actos mais bárbaros e condenáveis, mas (coitadinho!) é "vítima" da situação social, do "sistema" e, em última instância, da...sociedade! Ora, trata-se de um perigoso fenómeno de desresponsabilização, que urge denunciar e combater.

A pessoa humana (o indivíduo que age) não é uma folha levada pelo vento ou guiada pela "sociedade". Nada disso. O Homem é um ser livre e responsável. Antes de agir, pensa e antecipa as consequências da sua acção.

Não é a "sociedade" que o leva a praticar crimes ou incivilidades: é a sua consciência.

A decisão é pessoal e irrenunciável. O sr. A pode, na verdade, ser pobre, mas só pratica crimes se quiser. Há uma decisão interior, um acto volitivo inquestionável.

As teorias que atribuem as culpas da violência à "sociedade" são, pois, profundamente desumanizantes, porque negam, liminarmente, a Condição Humana e um dos seus aspectos constitutivos: a responsabilidade.

A Tradição da Liberdade sempre pensou de forma diferente: acredita que o progresso social só acontece numa sociedade forte, com instituições saudáveis, protecção das liberdades fundamentais, Estado de direito, transparência (imprensa livre, etc.) e um espaço largo para que a criatividade se exerça e, pela via da inovação, resolva o problema milenar da pobreza e da carestia.

Uma sociedade onde o crime é justificado, e não combatido, está condenada ao fracasso e ao subdesenvolvimento.

Não há Liberdade sem Responsabilidade.

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