Mídia Sem Máscara
Guy Sorman | 06 Dezembro 2010
Artigos - Economia
A economia mundial cresce quando os Estados Unidos crescem - mesmo quando eles desaceleram, mas não muito. A crise de Wall Street de 2007-2009 destruiu bancos, poupanças e empregos, mas em nenhum momento abalou os fundamentos do mercado mundial.
Afirmar que em 2011 os países "emergentes" vão emergir é uma profecia sem risco. Partindo de muito baixo, dispondo de reservas de mão de obra barata, tendo acesso a tecnologias testadas no Ocidente e no mercado internacional, o Brasil, a Índia ou a China perseguiram a sua ascensão. Isso é motivo de alegria, porque multidões inteiras, condenadas à miséria até recentemente, de agora em diante esperam levar uma vida mais digna.
A trajetória desses países deverá perdurar enquanto seus governos, com todos os partidos misturados, mantiverem a estratégia que os fez sair do buraco: liberdade para o empreendedorismo, respeito à propriedade, moeda estável, fronteiras abertas. O consenso sobre essa receita liberal não deverá ser abalado durante muito tempo, já que os seus resultados são tangíveis.
Não bastam, entretanto, boas receitas. Para crescer no mercado internacional, e graças a ele, é importante que, no alto da pirâmide econômica, a inovação continue e que os consumidores consumam. Em nosso mundo, da maneira como ele será em 2011, os Estados Unidos vão sempre ocupar esse topo.
Imaginemos o contrário, um desastre duplo que atingisse os Estados Unidos: o governo norte-americano proibindo as compras no Walmart e os laboratórios norte-americanos entrando em crise de imaginação. Se os norte-americanos escolhessem poupar ou boicotar os produtos made in China que dominam o consumo em massa nos Estados Unidos, no dia seguinte, mil fábricas seriam fechadas na província de Cantão.
O cenário é idêntico para os produtos de alto padrão: se a Apple não tivesse inventado nem o iPhone nem o iPad, a indústria eletrônica na Ásia certamente seria menos próspera. Um iPad, lançado nos Estados Unidos em 2009 (num país em crise!), entre o seu criador californiano e o seu consumidor final, passa pelas mãos de engenheiros e operários japoneses, taiwaneses, sul-coreanos e chineses.
Em resumo, a economia mundial cresce quando os Estados Unidos crescem - mesmo quando eles desaceleram, mas não muito. A crise de Wall Street de 2007-2009 destruiu bancos, poupanças e empregos, mas em nenhum momento abalou os fundamentos do mercado mundial. O crescimento norte-americano só foi interrompido por 18 meses - e ele nunca recuou a ponto de colocar em risco a rede de fornecedores internacionais. Alguns orçamentos de pesquisas privadas e públicas foram cortados, sim, mas somente durante dois anos.
Os Estados Unidos de 2011 estarão tão completamente de volta à velha forma, que será como se eles nunca a tivessem perdido. A percepção da crise, desde 2008, terá sido sem dúvida mais dramática do que a crise em si mesma, por motivos ideológicos e políticos: os inimigos do capitalismo norte-americano - numerosos nos Estados Unidos e em outros países - esperaram em vão que a recessão iniciasse uma nova era pós-capitalista.
Essa crise, a rigor, não era a Crise anunciada por Marx e por Keynes? Barack Obama sugeriu isso para ser eleito em 2008. Mas, contra ele, os adversários republicanos repetiram essa música e o derrotaram em 2010. Em resumo, a Grande Crise não aconteceu e a reforma do capitalismo não será mais realizada. Obama, em minoria, está de mãos atadas, os Estados Unidos capitalistas estão de volta e seu salto é bastante provável.
Após dois anos, de fato, as empresas e os bancos norte-americanos têm bem poucos investimentos. Assim, está acumulada nos Estados Unidos uma massa gigantesca de capital à procura de inovações. Essas inovações existem e só estão esperando serem transformadas em produtos de consumo de massa.
Uma retomada dos investimentos é totalmente provável, pois Obama não tem mais condições de aumentar impostos nem de universalizar o seguro saúde - o que é lamentável para os militantes da justiça social, mas que retira as incertezas que paralisam as empresas. Aliás, o banco central dos Estados Unidos está engajado há muito tempo em manter uma abundância de dólares, com taxas baixas.
Podemos apostar, então, em alguns avanços prováveis: a produção massiva de gasolina a partir do xisto nos Estados Unidos vai reduzir o preço da energia; a medicina do genoma, a longo prazo, substituirá os tratamentos tradicionais; os organismos geneticamente modificados serão comercializados em massa, sendo adaptáveis a qualquer clima; a nanotecnologia, aplicada à indústria, provocará uma reindustrialização dos Estados Unidos (pois com a nanotecnologia, o custo da mão de obra se torna marginal); novos objetos portáteis deverão unificar todas as formas de comunicação, da telefonia à televisão.
Há muitos produtos e serviços que existem em estado experimental e só estão esperando serem explorados. A fabricação e o consumo deles serão necessariamente globalizados, o que vai confirmar o papel de motor da economia norte-americana. Os países emergentes inseridos no mercado global obterão vantagem com isso.
Esse salto norte-americano não será aproveitado por todos. Os países ausentes do mercado internacional (Oriente Próximo, África) sofrerão, por estarem marginalizados. Entre as economias europeias, as que não têm vantagem comparativa, sem especialização, vão permanecer paralisadas. Só uma ressurreição do espírito empreendedor poderá tirá-las do endividamento.
Nos próprios Estados Unidos, o salto não será suficiente para eliminar os bolsões de pobreza e de desemprego que a crise revelou mais do que produziu. O crescimento baseado na inovação reduz o acesso ao mercado de trabalho para os candidatos não especializados. Os mais ameaçados estão entre os imigrantes não qualificados e os diplomados. O novo desafio norte-americano é o da educação, mais do que o do crescimento.
Enfim, o salto norte-americano decepciona os políticos, tecnocratas e utopistas que desejavam refazer o mundo de uma forma menos aleatória que o capitalismo norte-americano. O ano de 2011 deverá ser ruim para aqueles que sonham com um mundo perfeito; contudo, será tranquilo para quem se contentar com um mundo melhor.
Guy Sorman é economista e escritor francês, autor de O Estado Mínimo e A Solução Liberal.
Tradução: Rodrigo Garcia
Publicado no Diário do Comércio.
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