quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Egito entre Osiris e Set, esperando por Horus

Mídia Sem Máscara

Armando Ribas | 17 Fevereiro 2011
Internacional - Oriente Médio

Creio que por mais que o Exército tenha tomado o poder, no Egito reina a incerteza.

Os recentes distúrbios que estão tendo lugar no Egito, voltaram a pôr na conversa a confusão existente a respeito da democracia. Esta confusão emana da pretensão de ignorar a demagogia como o caminho do poder, à qual Aristóteles havia se referido com precisão: "Tão rápido como o povo se faz monarca, sacode o jugo da lei e se faz déspota, e desde então os aduladores do povo têm um grande partido". Estas palavras que foram escritas há 2.500 anos parecem revelar a realidade da pretendida democracia majoritária que prevalece conceitualmente em nosso mundo.
Não é que eu queira defender a política e a reeleição deste novo representante dos faraós, o Sr. Hosni Mubarak, que leva 30 anos no poder. Porém, a pergunta pertinente nesse período é: qual era a alternativa, a um governo em que mal lhes pese, e além da pobreza, que conseguiu que a economia egípcia crescesse nesse período ao redor de 6% ao ano? Mais ainda: nos anos da crise de 2008 e 2009 a economia egípcia continuou crescendo e em 2010 cresceu 5,1%.

A pergunta continua pendente: qual é o projeto político que resultaria da queda do regime de Mubarak, em um meio no qual reina popularmente o ódio ao Ocidente e prevalece a mistificação da religião, como pressuposto político? Em outras palavras, o mundo muçulmano, em que mal lhes pese aos europeus, que estava mais adiantado do que a Europa até o século XV, e sucumbira ante os mongóis, não conseguiu superar a Idade Média e separar o Estado da Igreja. Em um recente livro de Orlando Trujillo, "Dos Iluminatis aos Progressistas", o autor afirma que no Oriente Médio ainda se professa o ressentimento pelas Cruzadas. Embora as Cruzadas tenham ocorrido há mais de 800 anos, não posso menos que lembrar que no mesmo século XX se produziu um fato que pode-se assimilar às Cruzadas. Efetivamente, depois da Primeira Guerra Mundial, com a queda do Império Otomano, Inglaterra e França dividiram o Oriente Médio. Tanto é assim que o presidente Wilson abandonou o Tratado de Paris ante a evidência de que o único objetivo da França e da Inglaterra era dividir o Oriente Médio. Lembremos que Churchill conta em suas memórias que à noite pensava em como traçar as fronteiras no Oriente Médio e assim decidiu separar o Kuwait do Iraque.


A justificativa do ódio ao Ocidente não implica reconhecer que no Oriente Médio tenha-se adquirido a noção do significado da liberdade como resultado do respeito pelos direitos individuais à vida, à liberdade, à propriedade privada e à busca da própria felicidade. Como bem assinalou Ayn Rand, esses direitos enquanto tais são desconhecidos pelos próprios europeus. Porém, podemos dizer ainda mais que os Estados Unidos ante os olhos do mundo são os representantes desse Ocidente vilipendiado no Oriente Médio. Ou seja, que em última instância pagam justos por pecadores, não obstante que igualmente os pecadores (europeus) tampouco apreciam o fato de que se não houvesse sido pelos Estados Unidos eles seriam nazistas ou comunistas. E nessa ignorância, tal como mostra Stefan Theil, na "Filosofia Européia do Fracasso", na Alemanha e na França ensinam aos alunos que "o capitalismo é brutal, selvagem, neoliberal e americano".

Esta confusão bastarda do conceito de democracia, que ignora o princípio estabelecido por Jefferson quando disse: "Um despotismo eletivo não é o governo pelo qual lutamos", é a que impera aparentemente no mundo e muito em particular na América Latina. Assim, é politicamente correto valorizar a destituição de Mubarak, enquanto ignoram-se os crimes de Fidel Castro em Cuba. Nesse sentido, o presidente Obama já se manifestou a favor da destituição de Mubarak como o triunfo da democracia, porém parece conforme com a suposta mudança de Raúl Castro. Não creio que os Estados Unidos possam levar a cabo um programa de democratização (não de demoditadura) no resto do mundo. Não é obrigação sua como nação soberana, nem lhe é possível como tal. Nesse sentido, temos o lamentável fracasso de Carter quando colaborou com a queda do Xá do Irã e, até esta data, o que podemos considerar a tentativa falida de Bush no Iraque.

Como bem disse Otto Reich, a política exterior americana não deve se basear em ganhar concurso de popularidade, senão em defender seus interesses. Esse concurso jamais deveria ganhá-lo, pois a liberdade no sentido do "Rule of Law" é ignorada como tal no resto do mundo. Tal como propusera Hamilton, os Estados Unidos devem ser respeitados. E assim devemos ser conscientes de que em nosso continente o acesso ao poder democrático tem uma conditio sine qua non que é o anti-imperialismo. Ou seja, o anti-americanismo. Conseqüentemente, poderia pensar que a maior oposição a Mubarak baseia-se precisamente em que ele foi um ditador amigo dos Estados Unidos.

Por outro lado, como bem assinalou Juan Bautista Alberdi: "A liberdade exterior de uma nação é a obra do mundo inteiro, a liberdade interior é a obra exclusiva de cada nação isoladamente". O problema vigente é que em grande parte do mundo ignoram-se as condições da liberdade interna, cujo caráter apareceu pela primeira vez na história com a Glorious Revolution na Inglaterra em 1688, e continuou nos Estados Unidos com a Constituição de 1787. Porém, estes princípios liminares que mudaram a história do mundo continuam sendo ignorados e confunde-se a democracia com o processo eleitoral. Tanto é assim que em um recente artigo do ex-presidente da Costa Rica, Oscar Arias, publicado em Foreign Affairs, ele reconhece que a queda dos governos militares na América Latina trouxe a democracia ao continente, com exceção de Cuba. O que o Sr. Arias não diz é que, se não fosse por aqueles governos militares, Cuba teria se estendido no continente. E não esqueçamos tampouco que o despotismo eletivo reina na Venezuela, no Equador, na Bolívia e na Nicarágua. Porém, acaso podemos ignorar que na Argentina se violam os direitos individuais e reina a insegurança vital e jurídica. E que o Brasil hoje está nas mãos da guerrilheira Rousseff, e que Lula durante sua presidência pactuou com o Irã, considerava Chávez o melhor presidente da Venezuela e, certamente, era amigo de Castro com quem constituiu o Foro de São Paulo, ainda vigente. No Uruguai prevalece outra figura guerrilheira aparentemente re-convertido e esperemos que assim seja.

Ao finalizar estas linhas caiu o faraó. Segundo Fukuyama, a classe dirigente do Egito reflete uma grande possibilidade de processar um projeto democrático no Egito. Onde estava essa classe dirigente durante todos esse trinta anos? Creio que por mais que o Exército tenha tomado o poder, no Egito reina a incerteza. Dados os antecedentes expostos, creio ser mais possível o acesso de Set, assassino de Osiris, que foi o deus da produção e da civilização. Esperemos então a aparição de Horus "o deus da aurora libertada" e lembremos que para ameaçar a liberdade não é necessário ser islamita, basta Marx. Nem a ETA nem as FARC, e certamente nem Fidel Castro são islamitas, porém certamente Alá e Maomé, seu profeta, podem propiciar o processo totalitário tal como ocorreu no Irã. Certamente tampouco devemos ignorar que um dos pecados de Mubarak, assim como o do Xá, a olhos vistos, foi ser pró Ocidental, ou pior ainda, pró Estados Unidos.


Tradução: Graça Salgueiro

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