Mídia Sem Máscara
| 22 Fevereiro 2011
Artigos - Cultura
Goethe nasceu sob o signo do poder, seja do poder terreno dado pelo Estado e pela ciência, seja do poder espiritual naquilo que ele tem de mais negativo e - mundano! Tudo em Goethe formava uma unidade.
Um dos textos mais saborosos escritos por Ortega e Gasset é aquele que escreveu em 1932, por ocasião do centenário da morte de Goethe (Goethe Desde Dentro). Quão belo e quão equívoco! O filósofo espanhol sustenta sua argumentação sobre a vida e a obra do poeta alemão em uma curta frase: "El destino es precisamente o que no se elige". E o que é o destino para uma vida que se realizou, se completou? O conjunto de encontros e desencontros que é a somatório dos fatos da vida inteira. Nada acontece ao acaso. Para lembrar do dito inspirado de um suposto descendente de Goethe, Carl Jung, "As coisas são para mim o que são porque eu sou o que sou". Uma verdade integral contida na sentença.
Ortega insistirá que Goethe fugiu à sua própria vocação porque aceitou integrar a Corte de Weimar e isso o teria desviado daquilo a que foi chamado no essencial de sua vida, ser escritor. Nas palavras do filósofo: "Huye de su vida de escritor para caer em esa triste historia de Weimar - Weimar es el mayor malentendu (no original) de la historia literária alemana, quién sabe si lo que há impedido que sea La alemana laprimera literatura del mundo". O próprio Ortega reconheceu no texto que Goethe, antes do trinta anos, já tinha criado todas as suas grandes obras, ainda que só posteriormente as tenha concluído. O fato cristalino é que Goethe não fugiu à sua vocação: ele a encontrou e a realizou.
O ponto de Ortega é que ele viu o homem Goethe apenas como escritor. Isso seria empobrecê-lo, reduzi-lo a uma única dimensão. Mas Goehte era ao menos dual na sua vocação: uma, que se realizava no exterior - na ciência, na ação de Estado - e outra que se realizava no interior - que tinha sonhos memoráveis, que enxergava além do comum, que traçou uma linha direta com a teleologia da criação, fato que alimentava sua vertiginosa imaginação de poeta. Por isso seu panteísmo agudo, sua mistura entrelaçadora do espírito com a matéria. Não creio que os personagens de Goethe são meras criações literárias e, quando digo isso, estou de olho fixo no Fausto. Há ali representações da Eternidade sob os nomes eternamente conhecidos. Mas Ortega recusava essa vida além da vida, essa perenidade das coisas do espírito, essa realidade transcendente além do mísero concreto apreendido pelo mental. Isso é que empobreceu a própria obra do filósofo espanhol, e não a do alemão. Estranha conclusão a ser retirada do seu texto: uma confissão dos seus próprios fracassos existenciais.
Goethe nasceu sob o signo do poder, seja do poder terreno dado pelo Estado e pela ciência, seja do poder espiritual naquilo que ele tem de mais negativo e - mundano! Tudo em Goethe formava uma unidade. O atalho de fuga que Ortega viu no convite para o Corte de Weimar foi na verdade um encontro com o próprio destino, o caminho mais curto para encontrar-se a si mesmo. Goethe precisava provar do sabor agridoce de torna-se magistrado e exercer o poder. O magma vulcânico cristalizado nos seus versos não teria o convencimento que entrega ao leitor atento e preparado para a leitura sem que ele tivesse aceito o convite, sem que ele abraçasse o seu próprio destino.Weimar foi essencial à personalidade de Goethe e é parte da realização do seu próprio destino. Ortega y Gasset não tinha como entender isso, pois foi ele, e não Goethe, aquele que frustrou a própria vocação ao se esquecer do catolicismo de Dom Quixote e se entregar ao agnosticismo estéril que encontrou em Marburgo.
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