terça-feira, 19 de julho de 2011

A felicidade, a ética e o direito

Mídia Sem Máscara

O "direito à felicidade", como justificação para as engenharias sociais que têm a ilusória pretensão de alterar a natureza humana, é uma das maiores fraudes éticas, ideológicas e políticas da modernidade, perpetradas pelo movimento revolucionário (neognosticismo).

A Itália acaba de rechaçar a lei esquerdista da eutanásia, depois de França, a Bulgária e a Polónia terem feito o mesmo. Alegadamente, os proponentes da lei da eutanásia fazem-no em nome da liberdade do indivíduo e, paradoxalmente, em nome do direito individual à felicidade - ou seja, não podendo o indivíduo ser feliz, terá, então, o direito a exigir da sociedade o seu aniquilamento.

Um fenómeno semelhante passou-se com o "casamento" homossexual e com guerra cultural subversiva pelos novos "direitos" dos gays. Talvez o argumento mais propalado pelo gayzismo e acolhido na opinião pública foi o de que "todos têm o direito à sua felicidade".

Eu sou a favor da valorização da opinião pública nas decisões políticas. Pior do que a opinião pública é corrermos o risco de cairmos em uma ditadura de sábios. G. K. Chesterton escreveu: "Without education, we are in a horrible and deadly danger of taking educated people seriously." (sem a educação, corremos um horrível e mortífero perigo de levar a sério as pessoas educadas). Porém, se perguntarmos a uma pessoa (qualquer que seja) o que é a felicidade, ela não saberá dizer o que é. A felicidade não tem definição: nem colectiva, nem individual.

O "direito à felicidade", como justificação para as engenharias sociais que têm a ilusória pretensão de alterar a natureza humana, é uma das maiores fraudes éticas, ideológicas e políticas da modernidade, perpetradas pelo movimento revolucionário (neognosticismo). Toda a ética que inclui na sua teoria o "direito à felicidade" (seja a felicidade individual, seja colectiva), é uma ética falsa e absurda. E toda lei positiva que preveja o "direito à felicidade" como seu fundamento, é um contra-senso que tem a sua origem em um sistema ético absurdo.

Santo Agostinho observou (e bem!) que todos os homens desejam ser felizes, e a felicidade define-se pela obtenção do maior prazer. Porém, a diversidade de objectos que os homens têm em vista no sentido de atingirem a mais elevada satisfação, revela bem que este desejo existe sem que o seu verdadeiro objecto, útil, utilitarista e prático [de felicidade], lhe seja claramente dado: "Todos querem ser felizes, mas nem todos procuram viver do único modo que permite viver feliz" através do amor a Deus: "quem sabe amar-se, ama a Deus".

Kant pegou nesta ideia de Santo Agostinho e desenvolveu-a com requinte.

1. O desejo humano em relação aos objectos do mundo (o tal "direito à felicidade" que implica uma conduta interessada) não é compatível com a ética e com a moral, a não ser por puro acidente - se for uma motivação sensível (o desejo) a comandar o estabelecimento de uma norma (lei positiva ou regra moral), então qualquer mudança no objecto de desejo e de satisfação implica ipso facto uma reviravolta da conduta.

2. O "direito à felicidade" não se pode traduzir em uma lei prática ou regra moral. A ideia que cada ser humano tem de "felicidade" é uma ideia absoluta - que satisfaz em sumo grau o máximo de inclinações no decurso de uma duração indeterminada. Porém, o que acontece na realidade concreta, é que a experiência humana da satisfação das inclinações individuais, é fragmentária, contingente e parcial. Logo, existe uma contradição entre a exigência de felicidade, por um lado, e a experiência humana concreta relativamente ao conhecimento dos elementos que a produzem, por outro lado. Ou seja: para que o homem pudesse ser feliz, teria que ter ao seu dispor exactamente o oposto do conhecimento empírico e contingente dos meios para satisfazer a exigência de felicidade: o ser humano teria, neste caso, que ser Deus - o que é uma impossibilidade objectiva.

Os homens querem ser felizes, mas não sabem exactamente o que querem para ser felizes - Kant corrobora Santo Agostinho -, exigência que apenas a religião, mesmo nos limites da razão, pode satisfazer.

Uma vez que a ética deve ser universal (a ética é para todos), e que o direito não deve reduzir a norma ao facto, o "direito à felicidade" de cada um não pode fundamentar uma regra moral (ou parte dela) nem uma lei positiva. O "direito à felicidade" é um ideal de imaginação (de cada indivíduo), e não um ideal da razão. O "direito à felicidade da sociedade" é uma ficção. Uma regra moral é apenas objectivamente válida na ordem prática - da mesma forma que uma lei positiva é válida na ordem teórica - na medida em que uma regra moral se impõe sem condições contingentes e subjectivas (ou seja, uma regra moral, sendo universal, não pode depender da experiência isolada, das ficções e dos ideias de imaginação dos indivíduos).

O que está a acontecer na sociedade europeia (e não só) é uma tentativa de destruição do Estado de Direito através da pulverização das normas legais, reduzindo-as aos factos. E é sobretudo uma tentativa de destruição da ética através de uma atomização da sociedade, traduzida na recusa da universalidade da ética sob pretexto de que "cada indivíduo tem o direito" de ver o seu "direito à felicidade" traduzido nas regras morais, transformando a ética exactamente no seu contrário. E quem está por detrás desta tentativa da destruição do direito e da ética, são os promotores dos novos totalitarismos que se anunciam.

Primeiro, o movimento revolucionário mais radical atomiza a sociedade; depois, com o pretexto de unir a sociedade, impõe um totalitarismo. É uma política de terra queimada em que o "direito à felicidade" é apenas um slogan dos mais sórdidos e perversos.


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