Mídia Sem Máscara
Bruno Garschagen | 12 Julho 2010
Artigos - Cultura
Quando o liberalismo é convertido numa ideia perfeita, capaz de responder a todas as perguntas com uma única resposta correta, transforma-se numa ideologia utópica similar às outras a que deveria combater ou servir de contraponto. O utopismo revolucionário não é uma exclusividade de socialistas e comunistas.
O liberalismo é uma ideologia ou um conjunto de ideias úteis para lidar com questões sociais, políticas e econômicas? Ou o liberalismo é a conjugação de ambos?
Os liberais brasileiros estão inaugurando a segunda fase do liberalismo dos anos 2000. Primeiro, foi a descoberta das ideias. Agora, a tentativa de enquadrar-se em alguma derivação: liberalismo clássico, liberalismo austríaco, anarco-capitalismo etc.. Desenvolve-se neste momento, quase que exclusivamente pela internet, um debate no qual o interesse e a boa vontade muitas vezes são suplantados pela ausência de sensatez e pela falta de estudo dos temas em questão.
Pelas listas privadas de discussão, redes sociais, sites de organizações e blogs, os liberais têm lidado com o conjunto de ideias como se fosse um brinquedo novo que ainda não se aprendeu a usar, seja por falta de leitura do manual, seja por uma certeza ligeira de que se compreendeu a parte substantiva do pensamento e se podem construir certezas inabaláveis desde assuntos mais simples às questões mais complexas.
Quando o liberalismo é convertido numa ideia perfeita, capaz de responder a todas as perguntas com uma única resposta correta, transforma-se numa ideologia utópica similar às outras a que deveria combater ou servir de contraponto. Qual a diferença entre uma ideologia que confere ao indivíduo ou ao mercado o estatuto de infalibilidade e perfeição, e uma outra que confere a mesma infalibilidade ao partido, ao líder ou ao proletariado?
Se o mercado é conduzido pelos indivíduos, só se depositam todas as fichas no funcionamento ideal do mercado se se acredita na atuação perfeita dos seres humanos. O entendimento de que o ser humano agirá sempre de forma ordenada e eficiente desde que livre da intervenção de terceiros (pelo estado ou qualquer poder centralizado) advém da certeza de que o indivíduo é perfeito e só não age plenamente porque constrangido ou coagido. A questão de fundo é uma ideia de perfeição que conduz a soluções fáceis e igualmente inaplicáveis. Fico sempre impressionado com a quantidade de gênios que aparecem publicamente expondo a chave da compreensão humana e social.
É legítimo compreender e defender o liberalismo como um conjunto de ideais que oferecem respostas adequadas (e não uma única resposta) a determinados problemas. É perigoso e estúpido defender as ideias liberais como uma ideologia capaz de salvar todos os seres humanos ou, pior, capaz de aperfeiçoá-los segundo um plano ideal de sociedade ou de modo de vida.
O utopismo revolucionário não é uma exclusividade de socialistas e comunistas. A certeza de que basta destruir o que existe (estado, instituições etc.) para florescer uma nova sociedade é uma estrada rumo ao cinismo ou ao caos. Por ser a diferença um traço distintivo dos seres humanos, é impossível ignorar a diversidade e apresentar uma solução absoluta, que terá, necessariamente, de ser imposta. A história do século XX é um exemplo concreto e recente dos resultados de décadas de fermentação ideológica revolucionária.
Quais são as implicações de pensar e de aplicar o pensamento liberal de acordo com um receituário ideológico ou segundo um conjunto de ideias úteis para lidar com questões políticas e econômicas? É a discussão que pretendo desenvolver nos próximos ensaios.
Bruno Garschagen, é jornalista e mestre em ciência política na Universidade Católica Portuguesa.
Publicado no site Ordem Livre com o título O liberalismo como ideologia ou como conjunto de ideais.
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