Mídia Sem Máscara
| 22 Julho 2010
Artigos - Direito
E quanto aos diversos planos telefônicos? Não estamos a falar aqui de consumação mínima também? E aos planos médicos e odontológicos? E aos programas de tevê de canal fechado?
Ainda no dia em que escrevo este texto, tenho por lido uma queixa de uma leitora, que me pergunta a quem recorrer nestes tempos em que tudo parece estar perdido. Se posso ajudar de alguma forma, ouso confortar-lhe que, em primeiro lugar, não há mal que dure para sempre, e principalmente, que há muitas e muitas pessoas que têm uma noção, pelo menos intuitiva, de que as coisas estão fora do lugar.
Para ilustrar esta situação, causada por um domínio maciço dos meios de comunicação e dos recintos estudantis, eu recorro a um filme da década de 80, intitulado "The Day After". Naquela película, após a eclosão de uma hecatombe nuclear, a primeira iniciativa dos sobreviventes é procurarem uns aos outros. Na verdade, existem muitos deles, mas estão ilhados e sem comunicação, de modo que cada um pensa ser o único.
Assim estamos nós, mas agora, graças a Deus, no meio de um trabalho formiguinha que já tem conseguido aglutinar muitas almas amigas. Frente a um inimigo que conta com recursos poderosíssimos, temos nos esforçado e, com a verdade ao nosso lado, já demos mostras de ter incomodado um tanto.
A esta pessoa aflita, digo que prevejo um momento futuro de reversão da opinião pública, mais ou menos segundo uma poderosa reação em cadeia, para me utilizar de um conceito de comparação utilizado pelo escritor Alain Peyrefitte em sua obra "A Sociedade de Confiança". Não sei quando ocorrerá, até porque, quanto mais perto de acontecer, maior será a velocidade da reversão desta opinião que não digo coletiva, mas majoritária.
Somente com este ânimo e compreensão majoritários por parte da população é que poderemos reverter o atual estado de estatolatria em que vivemos, com todas as suas consequências. Somente os conceitos de liberdade e responsabilidade individuais bem assimilados pelas pessoas poderão fazer com que repudiem e reajam às tentativas de concentração de poder e intervenção sobre a vida privada que, infelizmente, jamais deixarão de existir.
Desta vez, venho trazer mais um lamentável caso em que se demonstra que o senso de propriedade privada no seio de nossa gente ainda é plenamente desconhecido. No Diário do Pará, leio a seguinte matéria:
O promotor militar Armando Teixeira entrou em contato com o comando da Polícia Militar em Salinópolis para que a polícia proíba a prática abusiva de consumação mínima nas barracas da praia do Atalaia, em Salinópolis, nordeste do Pará, um dos principais destinos turísticos do Pará. A prática abusiva aplicada pelas barracas varia de R$ 50,00 até absurdos R$ 150,00.
De acordo com o promotor, a prática é criminosa e fere a relação de consumo, prevista no Código de Defesa do Consumidor, com pena prevista de dois a cinco anos de reclusão. A ordem é para que os barraqueiros sejam presos em flagrante caso insistam na cobrança.
"Esses barraqueiros ocupam um espaço público da União de maneira irregular e ainda cometem outro crime contra o consumidor", vaticina o promotor.
Ora, que é o comércio, senão a troca de títulos de propriedade privada? No regular funcionamento de uma sociedade livre, as pessoas ajudam umas às outras trocando propriedade, e a condição da consumação pode ser um meio de tornar estas trocas possíveis, de modo que, para uma delas, não se torne anti-econômica e portanto, inviável, o que traria um decréscimo do padrão de vida para todos.
Em nossa sociedade, são inúmeros os casos de consumação mínima, sem que as pessoas menos atentas se dêem conta: por exemplo, para o vendedor ou o garçom, o mínimo a receber no fim do mês é o salário mínimo, mesmo que suas comissões não alcancem o valor estipulado por ele. É ou não um caso de consumação mínima?
E quanto aos diversos planos telefônicos? Não estamos a falar aqui de consumação mínima também? E aos planos médicos e odontológicos? E aos programas de tevê de canal fechado? Contratamos, por acaso, cada um dos canais, individualmente? E aos pacotes turísticos? Será que posso estabelecer, para um determinado plano de estada, ficar apenas dois dias em Bariloche, ao invés de cinco?
Os exemplos fornecidos aqui dão uma mostra rápida da função da consumação. No caso das malocas de praias - e estamos falando da alta estação - há inúmeros consumidores que enrolam o dia inteiro com um copo de cerveja na mão, desfrutando do usufruto das instalações que custaram significativamente ao empreendedor investir.
Com a repressão aos barraqueiros, o que poderá acontecer é que os produtos simplesmente terão de ficar mais caros, ou então, que eles passarão a cobrar pelo "aluguel" das mesas e pelo uso dos banheiros. De qualquer jeito, ficará mais caro por unidade de produto consumida. Em última instância, se nada puderem fazer, simplesmente abandonarão a atividade.
Qualquer pessoa, de posse de sua propriedade privada guardada na carteira - isto é, seu dinheiro - pode aceitar ou não entrar em uma daquelas barracas. O que qualquer pessoa também pode fazer é trazer o seu isopor e o seu guarda-sol, e isto é justamente o que muitos outros cidadãos preferem - inclusive, eu e imagino, representamos a maioria - sem ameaçar os barraqueiros.
Porém, isto não é tudo: a matéria ainda traz um flagrante ainda mais grave do abuso de poder. Chamo a atenção do leitor para a citação do promotor, que investe contra os barraqueiros, acusando-os de ocupação irregular de terreno da União. Ora, se há irregularidade na ocupação, o que ele deveria fazer como promotor público seria agir para retirar os barraqueiros de lá, e não reclamar da forma como eles praticam sua atividade.
Imagine um guarda rodoviário que constata que o motorista trafega em um carro roubado, mas que decide apenas lhe multar por uma lanterna queimada! Não seria esdrúxulo? Desta forma, a ocupação irregular se torna um pretexto de legitimação da perseguição contra a propriedade privada, ao modo como tanto acontece todos os dias contra quem abra uma porta de comércio, já de antemão enquadrado por uma longa lista de irregularidades que estão lá para conceder ao seu dono um status precário de legalidade, ou melhor dizendo, uma concessão.
Função Apriorística da Propriedade Privada! Eis o que falta aos brasileiros conhecerem e entenderem para então termos uma sociedade mais livre e justa. Dentro dos meus esforços pessoais, tenho estado muito desanimado com a classe empresarial, que teima em não entender a importância da divulgação deste conceito, antes preferindo agir como ovelhas a balir coisas estapafúrdias como "responsabilidade social". Preferem patrocinar antes quem planeja lhes destruir do que quem lhes alerta para o perigo e mostra o caminho correto. Mudarão quando as pessoas em geral adotarem estes conceitos, mas até lá... que custo!
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