Mídia Sem Máscara
| 03 Agosto 2010
Media Watch - Outros
A matéria promove um efeito introdutório e preparador, para que outras inoculações futuras sejam aceitas com mais facilidade pelo público ovino. Aborto não é questão de "saúde pública".
Não me canso em ser didático em meus textos, e o trabalho de media watch exige um tanto a mais deste esforço. Sei o quanto é necessário, mesmo sob o risco de me tornar enfadonho para os meus leitores mais habituais. Todavia, tenho de ter em mente escrever para a facilitar a compreensão daquelas pessoas que se depararão com um artigo meu pela primeira vez.
Atualmente, a apresentação dos programas televisivos sempre tem vindo ao ar com uma forte carga de sugestão ideológica. Em toda a grade, desde os programas de auditório, documentários, jornais e principalmente as novelas, o que os seus produtores têm visado, antes de tudo, é preparar psicologicamente o público para a aceitação dos projetos do governo. Por isto é necessário que denunciemos em detalhes estas manobras.
Quase nunca há uma proposta explícita, e isto por que faz parte da boa técnica dar o ar da isenção ou da coincidência desinteressada. Assim foi ao ar uma matéria do Jornal Nacional que expunha a falta de salas de cinemas em nosso país e dava voz a ditos especialistas que clamavam por investimentos públicos para dotar os municípios com tais benfeitorias. Curiosamente, a reportagem veio ao ar pouco tempo depois da estréia do filme "Lula, o Filho do Brasil". Coincidência?
Recentemente, uma reportagem do programa dominical Fantástico veiculou uma verdadeira propaganda de apoio à lei da palmada, esquivando-se a todo custo de debater com verdadeira imparcialidade sobre o direito dos pais de educarem os filhos e da conveniência ou justiça de o estado intervir no seio familiar. Naquela ocasião, os pais que admitiram dar palmadas foram retratados ou como criminosos, ou como ignorantes, ou ainda como regenerados arrependidos, enquanto os defensores da lei eram, mais uma vez, os "especialistas".
No domingo de 1º de agosto de 2010, o Fantástico traz ao ar a apologia feita de maneira subliminar pela legalização total do aborto, sob a matéria intitulada "Uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez aborto no Brasil - Jornalistas percorreram capitais brasileiras para investigar a prática do aborto em clínicas clandestinas".
Ressalte-se que em nenhum momento a produção houve por sugerir explicitamente a implantação da dita lei. Entretanto, o desenvolvimento da exibição traz pistas contundentes, e a primeira delas é marcada pelo fato de que em nenhum momento as mulheres que praticaram o aborto e/ou que prestaram depoimento foram tratadas como criminosas co-partícipes do ato delituoso, mas antes, como vítimas injustiçadas, com a regalia de terem tido as suas respectivas imagens protegidas por efeitos de distorção ou pela gravação em penumbra, bem ao contrário dos donos e funcionários das clínicas, que foram completamente expostos.
Em determinado momento, a Rede Globo chega ao cúmulo de apresentar as declarações de um advogado da família de uma mulher em Fortaleza que morreu devido às más práticas conduzidas por uma clínica ilegal, a denunciar, com requintes de dissimulação e cinismo, o estado deplorável das instalações, como se a falecida não tivesse se dirigido para lá com suas próprias pernas e contratado o serviço voluntariamente, com seu próprio dinheiro.
O foco central abordado foi apresentar o drama do aborto como uma questão da saúde pública, com a alegação de que as mulheres que sofrem danos devidos às infecções e erros cometidos nestas casas de aborto vêm se socorrer posteriormente no SUS. Não por acaso, esta é a alegação oficial do Sr Ministro da Saúde José Gomes Temporão e ratificada pelo Sr Presidente Luís Inácio da Silva: o aborto é uma questão de saúde pública.
Ora, eu já percorri várias vezes os corredores dos hospitais públicos e me deparei frequentemente com criminosos em macas. Pari passu, deveria ser legalizado o assalto à mão armada por que os meliantes mal-sucedidos vão acabar lá?
Agora prestemos atenção nesta declaração da antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Debora Diniz:
"O que nós sabemos é que uma mulher em cada cinco, aos 40 anos, fez aborto. Significam 5 milhões e 300 mil mulheres em algum momento da vida, já fizeram aborto. Metade delas usou medicamento, nós não sabemos que medicamento é esse; a outra metade, precisou ficar internada pra finalizar o aborto. O que isso significa? Um tremendo impacto na saúde pública brasileira. Quem é essa mulher que faz aborto? Ela é a mulher típica brasileira. Não há nada de particular na mulher que faz aborto".
Vejam como a lógica aqui é um gato escondido com o rabo de fora: sem contestar os números, mas apenas levando-se em conta que, a despeito de quão numeroso que seja o conjunto das mulheres que praticam o aborto, ele alcança, se muito, vinte por cento do universo das mulheres até os quarenta anos, então a mulher típica brasileira é aquela que não pratica o aborto, ou seja: absolutamente o contrário do que a antropóloga afirma. Se tenho razão aqui - e os números, que não são meus, mas dela, não permitem outra conclusão - por que a reportagem em nenhum momento investigou as causas pelas quais estas mulheres, repito, a maioria - não se submeteu à prática criminosa? Por quê devem 80% das mulheres que não cometem aborto ter como padrão de conduta os 20% das que cometem, e não o contrário?
Pode-se também lançar alguma suspeita sobre o resultado de sua pesquisa, sobretudo sobre o método: quais as características das populações pesquisadas? Ora, nos bolsões de miséria, justamente os mais afetados pela intensa propaganda sexista - inclusive e especialmente a proveniente do governo, o abandono dos laços familiares e das noções morais e religiosas do valor à vida, do companheirismo e da responsabilidade, somado às difíceis condições de vida que não geram expectativas de melhor futuro, fazem com que a vinda de uma criança ao mundo seja um fato extremamente indesejado para mulheres solitárias, inseguras e com poucos recursos. Em outras palavras, quem aponta o dedo para elas tem participado em boa parcela para que elas acabassem se encontrando em tal situação, para quem agora oferecem a canoa furada do aborto legalizado nas excelentes instalações dos hospitais públicos. Eis aí a "mulher típica" almejada.
Em resumo, a matéria promove um efeito introdutório e preparador, para que outras inoculações futuras sejam aceitas com mais facilidade pelo público ovino. Sem dizer exatamente quais são as suas intenções, os telespectadores passarão a semana a comentar no ônibus, na fila do supermercado ou no trabalho os fatos com base nas informações que receberam, e assim vão solidificar a convicção de que o aborto é uma questão de saúde pública, quando antes, na verdade, é a consequência da incúria por atitudes irresponsáveis.
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