quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Propostas alucinantes

Mídia Sem Máscara

Eduardo Mackenzie | 25 Agosto 2010
Notícias Faltantes - Foro de São Paulo

O co-governo nos estados "bi-nacionais" introduzirá a ruína e o caos total em uma quarta parte da Colômbia. É isso o que talvez pretendam os países da ALBA e do Foro de São Paulo, pois a idéia vem de Caracas.

Vimos nestes dias as agitadas carreiras de Amando Benedetti em Caracas. Após o encontro em Santa Marta entre os presidentes Juan Manuel Santos e Hugo Chávez, o presidente do novo Senado colombiano precipitou-se à sede de poder na Venezuela para discutir (e negociar?) com as altas esferas do país irmão e lançar dali mensagens otimistas e até as mais estranhas propostas.

Desse périplo, para o qual não recebeu mandato do Senado, Benedetti regressou convencido de que as relações diplomáticas com a Venezuela estão, agora sim, por um bom caminho e que até encontramos, subitamente, a solução da quadratura do círculo que o governo do presidente Álvaro Uribe não havia sequer imaginado: para que as relações entre a Colômbia e o regime autoritário de Hugo Chávez sejam ótimas, só basta uma coisa: "não falar mais das FARC na Venezuela". Benedetti reiterou: "[Bogotá] estuda que (sic) o tema das FARC seja excluído das relações exteriores com a essa nação [Venezuela]".

Em outras palavras, o tema mais grave de segurança nacional que a Colômbia tem há mais de dez anos, o terrorismo das FARC e do ELN, e os apoios que essas organizações recebem da Venezuela e de seus aliados, pode ser solucionado por arte de mágica. Isso é o que o doutor Benedetti quer que aceitemos. Porém, a Colômbia não é um país de avestruzes. Não falar das FARC e do ELN não evaporará o problema. Essa atitude ajudará, pelo contrário, a que as FARC e o ELN se "santuarizem" ainda mais nesse país. E isso conduzirá a novas atrocidades.

De suas conversações com Hugo Chávez, Benedetti disse: "Não posso contar muitas coisas". Não contou nada, na realidade. Entretanto, o que foi tratado por ele em Caracas é vital para o país. Por exemplo, os dois governos conformarão, disse, uma "comissão de defesa e segurança". Que objetivos, que conteúdo e que alcance teria essa comissão? A Colômbia não sabe nada até agora. Mas deveria saber. A opacidade a respeito ajuda exclusivamente ao camaleônico e imprevisível chefe do regime venezuelano.

Em Caracas, um jornalista do El Nacional perguntou a Benedetti: "O Congresso da Colômbia tratará da demanda de Uribe contra o presidente Chávez?". A resposta de Benedetti foi de arrepiar: (...) "Foi levada à Corte Penal Internacional. Não é uma demanda do Estado, é uma demanda do anterior presidente da República".

Não é uma demanda do Estado? De um canetaço, Armando Benedetti, sem autorização de ninguém, pretende abolir o esforço da luta do Estado colombiano contra as FARC e seus apoios à Venezuela.

Quem mandou Benedetti para que comprometesse dessa gravíssima maneira a política do Estado colombiano? A política exterior da Colômbia não é atribuição do Poder Executivo?

Em sua inesperada futilidade chavista, Benedetti foi ainda mais longe. Para "gerar confiança" entre os dois governos, disse, poderiam ser criados "municípios bi-nacionais" na fronteira com o país vizinho. Essa idéia conta, assegurou, com o aval de Cilia Flores, a presidente do Congresso venezuelano.

Na realidade, tampouco sabe-se o que Benedetti quis dizer com isso, pois ele lançou a coisa sem dar detalhes. A imprensa colombiana acreditou que ele havia falado de "municípios bi-nacionais". Porém, a imprensa venezuelana (Globovisióne AFP) acreditou ouvir falar de algo mais amplo: de "estados bi-nacionais" entre Colômbia e Venezuela.

Quer sejam municípios ou estados (departamentos, na nomenclatura colombiana), a idéia anunciada por Benedetti é surpreendente: não há antecedentes aos quais alguém possa recorrer para examinar a coisa. O conceito de municípios ou estados "bi-nacionais" só remete, no atual estado do debate, a uma coisa: a municípios ou estados que ficariam sob a autoridade de dois governos. Quer dizer, estados ou municípios co-governados por dois poderes nacionais diferentes.

Em que países há ou houve algo parecido?

O mais estranho é que no seu retorno à Bogotá a imprensa não se atreveu a fazer uma só pergunta a respeito a Benedetti.

Todavia, as mídias dos dois países haviam registrado esse curioso enunciando: não era um erro de comunicação. Benedetti, com efeito, falou de "estados bi-nacionais". Porém, ante o silêncio que guardou, e ante o vazio conceitual que deixou, a única coisa que resta é dar voltas ao assunto para saber a quê teremos que nos ater.

Imaginemos por um instante o que significaria a adoção dessa proposta. Sete estados colombianos fazem fronteira com a Venezuela: Guajira, Cesar, Norte de Santander, Boyacá, Arauca, Vichada e Guainía. Nesse conjunto, que recobre uma superfície de 284.898 km2, encontram-se os jazimentos petrolíferos colombianos, sem falar de outras riquezas. Ademais, segundo o censo de 2005, vivem ali 4.407.360 colombianos. Se esses estados forem declarados "bi-nacionais", quer dizer, abertos a uma projeção do poder político, militar e econômico da Venezuela, a Colômbia perderia a soberania (ou teria que compartilhá-la) em 25% de seu território. E tal ingerência afetaria diretamente a dez por cento da população colombiana!

O co-governo nos estados "bi-nacionais" introduzirá a ruína e o caos total em uma quarta parte da Colômbia. É isso o que talvez pretendam os países da ALBA e do Foro de São Paulo, pois a idéia vem de Caracas. O que é aterrador é que esses planos inauditos tenham encontrado eco, de alguma maneira, e não um claro rechaço, no presidente do Senado colombiano.

Não se pode esquecer o que ocorreu em 1952. Uma declaração irresponsável de Alfredo Vásquez Carrizosa, ministro colombiano de Relações Exteriores da época, foi aproveitada pela Venezuela para ocupar as ilhas rochosas colombianas de Los Monjes com o pretexto de instalar um farol para a navegação. Esse ato ilegal violou a Carta das Nações Unidas, a carta da OEA e, sobretudo, o tratado de 1939 entre os dois países. Porém, violando por sua vez a norma constitucional que proíbe a variação do território sem a aprovação prévia do Congresso, o governo de Roberto Urdaneta Arbeláez acabou cedendo essas ilhas à Venezuela.

Ninguém esquece essa traição e os problemas que isso gerou e gera até hoje nas relações entre os dois países.

O caso dos estados "binacionais" é uma iniciativa da Caracas chavista que poderia ter repercussões mil vezes superiores ao de Los Monjes, contra os interesses da Colômbia, pois o presidente do Senado colombiano não teve uma atitude clara de rechaço a essa extravagante proposta.

Uma série de municípios ou estados "binacionais" na fronteira com a Venezuela equivale a dotar as FARC e o ELN de uma nova zona "despejada", seis vezes maior que a cedida pela administração Pastrana em 1999 às FARC.

Por isso é que Hugo Chávez exige silêncio total sobre as FARC na Venezuela? Armando Benedetti deve explicar ao país o que exatamente negociou com Hugo Chávez e deve rechaçar pública e explicitamente toda idéia de que a Colômbia tenha municípios ou estados, ou qualquer outra entidade político-geográfica, compartilhados com o regime militarista e comunista da Venezuela.

Tradução: Graça Salgueiro

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