Mídia Sem Máscara
| 05 Agosto 2010
Artigos - Globalismo
As elites governamentais nunca desistem de tentar obter mais poderes. A proposta de uma moeda global emitida por um banco central global voltou a assombrar o mundo. Trata-se de um plano de longo prazo, com a inconfundível marca de Keynes.
Você certamente não achou que as elites governamentais iriam perder as oportunidades geradas pela atual crise econômica mundial e deixar de criar algum esquema absurdo e ilógico que lhes dará ainda mais poder e controle. Bem, aqui está a encrenca, nada mais que o ressurgimento de uma ideia velha mais de 60 anos: um papel-moeda global, emitido por uma entidade supranacional, com a missão de acabar com todas as nossas enfermidades.
O estudo do FMI que clama pela implementação desta ideia foi feito por Reza Moghadam, do Departamento de Estratégia, Política e Análises, "em colaboração com os Departamentos de Finanças, de Mercados de Capital e Política Monetária, de Direito, e de Pesquisa e Estatística, e com consulta ao Departamento de Áreas". Em outras palavras, esse estudo não deve ser ignorado.
Trata-se de um plano de longo prazo, mas o plano tem a inconfundível marca de Keynes. Logo no início da página 27, o autor já deixa claro que a intenção é homenagear Keynes. Ainda na mesma página, no item 35, lê-se: "Uma moeda global, o bancor, emitida por um banco central global, seria concebida como uma estável reserva de valor que não estaria amarrada exclusivamente às condições de uma economia em particular". Na página 28: "O banco central global poderia servir de emprestador de última instância, fornecendo uma necessária liquidez sistêmica no evento de choques adversos, e de modo mais automático do que no presente."
O termo bancor vem diretamente de Keynes. Ele propôs essa ideia logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, tal ideia foi rejeitada principalmente por razões nacionalistas. Ao invés disso, o mundo ganhou um sistema monetário baseado no dólar, que por sua vez estava ligado ao ouro. Em outras palavras, o mundo ganhou um falso padrão-ouro, o qual estava fadado ao colapso na medida em que os desequilíbrios das reservas de ouro dos países se tornassem insustentáveis - como acabou ocorrendo no final da década de 1960. O que substituiu tal arranjo foi exatamente o nosso atual sistema monetário, em que os papeis-moeda de todos os países flutuam entre si nos mercados de câmbio. (Veja um relato cronológico desses eventos aqui.)
Mas as elites governamentais nunca desistem de tentar obter mais poderes. A proposta de uma moeda global emitida por um banco central global voltou a assombrar o mundo. Qual problema está sendo atacado? O que há de tão desesperadoramente errado no mundo a ponto de o FMI estar testando a ideia de uma moeda única mundial? Em uma só palavra, o problema chama-se 'entesouramento'. O FMI está realmente irritado com o fato de que, "em anos recentes, o acúmulo de reservas internacionais acelerou rapidamente, atingindo 13% do PIB global em 2009 - um aumento de três vezes ao longo de dez anos".
Ou seja, a política monetária não está funcionando como eles gostariam. No mundo idealizado por eles, o banco central imprime dinheiro e, com isso, aumenta as reservas dos bancos. Essas reservas são então emprestadas, o que leva a uma enorme expansão do consumo e do investimento, gerando a felicidade global eterna (não interessa se a hiperinflação e a má alocação - e consequente desperdício - dos bens de capital serão a inevitável consequência). Porém, há um problema com esse plano. O atual sistema monetário funciona em termos nacionais, com cada país adotando sua própria política monetária. Assim sendo, as condições econômicas de um dado país acabam tendo influência sobre o seu mercado de crédito. Se a economia está ruim, não há emprestadores e nem pegadores de empréstimo. O dinheiro fica parado no sistema.
Essa é a história resumida dos EUA dos últimos dois anos, por exemplo. A esta altura, se o Fed tivesse êxito em suas políticas, o país estaria inundado de dinheiro. Porém, as reservas que ele criou ainda estão presas no sistema bancário. É como se toda a população americana repentinamente tivesse sucumbido ao conselho moral: não serás mutuário nem mutuante.
E por quê? Bem, há dois motivos. Os tomadores de empréstimos simplesmente estão um pouco apreensivos quanto às perspectivas de longo prazo. Eles agora estão monitorando seus custos e suas contas diariamente, dominados por um estranho senso de realidade que havia sido jogado pela janela durante o período da expansão econômica artificial. Enquanto isso, os bancos estão avessos ao risco, preferindo manter suas reservas em seus cofres a jogá-las aos ventos do destino incerto e nada auspicioso. Como os examinadores do sistema bancário estão analisando tudo com uma lupa, e fazer empréstimos não ajuda a melhorar a classificação de risco - não com as taxas de juros sendo mantidas em quase zero pelo Fed -, os bancos mantêm-se cautelosos.
Sob essas condições, sim, entesourar parece uma ótima ideia. Mais ainda: todos nós deveríamos estar comemorando essa retração de postura. Afinal, ideia de mergulharmos em outra bolha não é das mais inteligentes.
O FMI, entretanto, tem um problema com essa prática, embora ele não se concentre nela. O problema é que essa prática de manter um alto nível de reservas está arrefecendo o consumo e o investimento, prolongando a recessão. A solução simplória sugerida pelos magnânimos intelectuais do FMI é criar algum sistema, qualquer sistema, que retire o dinheiro dos cofres dos bancos e o coloque nas mãos do público consumidor.
A justificativa para a moeda global e para o banco central global é que, em um sistema globalizado, as reservas sempre encontrariam um mercado. Consequentemente, elas não mais ficariam presas às exigências de um sistema monetário e bancário restrito, de âmbito apenas nacional.
Uma monografia acadêmica pode tergiversar eloquentemente, por centenas de páginas, sobre as vantagens de um sistema global, falando que tal arranjo criaria mais estabilidade e eficiência, e uma menor politização do dinheiro e do crédito. E, de fato, tal raciocínio faz um certo sentido: afinal, um padrão-ouro real sempre tenderá a um sistema monetário global. Diferentes moedas nacionais são apenas diferentes nomes para algo que realiza a mesma função: ser um meio de troca.
Porém, há uma diferença primordial. Sob um padrão-ouro, o metal físico é o limite e o mercado é o supervisor. Sob um sistema global de papel-moeda, o papel não fornece absolutamente nenhum limite à criação de mais dinheiro, e os políticos é que são os supervisores. Assim sendo, não faz sentido algum falar sobre as glórias da globalização no atual contexto. Uma moeda mundial de papel e um banco central mundial iriam intensificar o risco moral e levar a um regime inflacionário global até então nunca visto. Não haveria maneira alguma de fugirmos dos inúmeros controles políticos que inevitavelmente surgiriam sob esse arranjo.
Toda proposta de solução drástica como essa sempre vem acompanhada de um alerta para alguma consequência igualmente drástica que ocorrerá caso tal proposta não seja adotada. No exemplo em questão, o FMI chega a levantar dúvidas sobre a capacidade de sobrevivência do dólar. "Tem havido um prolongado debate especulando sobre a possibilidade de colapso do dólar", diz o estudo. A preocupação é que, se de fato houver uma especulação contra o dólar, os bancos centrais poderiam competir entre si para ver quem seria o primeiro a abandonar o dólar permanentemente.
Porém, como o estudo aponta, muitas pessoas se perguntam se "existem boas alternativas ao dólar". E, por essa razão, o FMI acha que talvez seja uma boa ideia improvisar tal alternativa o mais rápido possível.
Provavelmente há mais verdade nessa afirmação do que a maioria das pessoas quer admitir. Mas a alternativa não está em mais um experimento global, dessa vez ainda mais intenso, envolvendo inflação de papel-moeda. Que Deus não o permita. Se queremos uma alternativa ao dólar, há uma que pode surgir perante nossos olhos - se ao menos deixássemos que isso ocorresse. Corretores de moedas ao redor de todo o mundo poderiam, por conta própria, fazer surgir uma nova moeda lastreada em ouro e comercializada por meios digitais. Em várias ocasiões nos últimos 20 anos tal sistema chegou perto de existir. Porém, adivinhe só? O governo tomou providências severas e interrompeu o processo. As elites governamentais decidiram que só haverá reformas monetárias se estas vierem dos palácios de mármore onde as elites monetárias estão encasteladas.
Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.
Publicado pelo Instituto Ludwig Von Mises Brasil.
Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
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