segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O que Alfonso Cano disse

Mídia Sem Máscara

Eduardo Mackenzie analisa a mensagem de Alfonso Cano, líder das Farc, decifra o real sentido de suas indiretas, dos elogios esclarecedores para a Justiça colombiana, e comenta as inversões e distorções presentes no discurso do narcoterrorista revolucionário.

É preciso ouvir Alfonso Cano, porém sem se deixar hipnotizar por sua linguagem paradoxal. É necessário decifrar sua mensagem real, resgatar sua essência, sem cair nas tramóias do subliminar, da lógica da mentira que se oferece como verdade.

Quando ele intitula seu vídeo de propaganda de "conversações com a guerrilheirada", ele utiliza uma fórmula paternalista, coloquial e até amável. Quer criar um ambiente: o de alguém que dialoga com outro ante um grupo de crianças exploradoras. Essa mensagem, onde, na realidade, não há diálogo, é outra coisa: uma série de instruções verticais do chefe terrorista das FARC a seus aparatos secretos e visíveis, no campo e na cidade, em especial a suas aguerridas milícias e a seus hábeis aparatos civis, legais e ilegais, nas cidades. Há também uma mensagem que aponta à classe política colombiana e, em particular, ao governo que se inicia.

A primeira coisa a fazer é ver os anúncios velados. Cano diz que a guerra jurídica se incrementará contra o alto governo que sai, e que para isso as FARC utilizarão suas alavancas dentro da justiça colombiana e seus cúmplices na justiça internacional.

Outro anuncio que Cano faz: o papel de seus agentes dentro da Corte Suprema de Justiça, nessa atividade conspirativa contra as instituições e contra os líderes e as personalidades políticas do país, deve se consolidar. Seu alcance deve ser ampliado. Cano faz um elogio explícito à CSJ (Corte Suprema de Justiça). Esse elemento é talvez o mais revelador dessa mensagem. Cano saúda "o que a CSJ faz", a felicita por "vincular por crimes de lesa-humanidade um grupo muito seleto dos chamados para-políticos". Os magistrados honestos da CSJ deveriam se preocupar, se perguntar, ao menos, o que há por trás da enigmática frase do chefe terrorista.

Nessa frase Cano fixa uma meta e designa um método: a meta é enquadrar judicialmente ao maior número de personalidades do sistema, dos partidos e das Forças Armadas. O método: mediante acusações e inculpações sobre todo tipo de crimes, inclusive os de lesa-humanidade. Acusações falsificadas, é claro, que possam acabar em absolvições, porém que durante anos podem paralisar e desmoralizar seus adversários, sobretudo destruir sua credibilidade e sua autoridade moral e política.

Ante a ordem de Alfonso Cano é bom lembrar o que disse, em 25 de maio de 2010, o ministro colombiano da Defesa, Gabriel Silva: "Desde a Venezuela coordena-se um plano de inteligência para desprestigiar o presidente Álvaro Uribe, utilizando todo tipo de artimanhas".

Por isso Cano sugere isto ao novo governo: "recompor o regime", quer dizer, trair os ideais e os programas do uribismo e da Segurança Democrática. Alfonso Cano diz isso sem dissimular nada: "recompor o regime político pois [esse] está empapado de ilegitimidade", etc. O resto dos epítetos que ele emprega são sem importância.

Cano trata de inverter a ordem natural das coisas, trata de pôr o mundo para andar com a cabeça quando diz que as FARC são "opositores políticos", e que os "terroristas" são o Estado e o governo. Cano apela para o velho truque de brincar com a realidade quando diz que a Segurança Democrática "não é uma arma contra a guerrilha revolucionária", senão "a oposição política e até contra os indiferentes".

Entretanto, Cano faz silêncio a respeito do estado de suas forças. Isso diz muito. Não diz, por exemplo, que a Segurança Democrática fortaleceu as FARC. Não o diz, embora pudesse dizê-lo, lançado como está à tarefa de converter o preto em branco. Não se atreve, talvez, a dizê-lo. É evidente que as FARC estão, em boa parte, aniquiladas, que sobrevivem graças a que se refugiaram na Venezuela, a que uma parte de seus chefes está fora do território colombiano. Cano não admite, porém ele mesmo se vê emaciado e fatigado. Cano está vestido de civil, como alguém que está em fuga constante. Não dá a impressão de ser um chefe militar que discursa desde um terreno seguro ou semi-estável. Ele lançou seu discurso do exterior? Por isso seu interesse em dar a impressão de que está rodeado de combatentes uniformizados e armados?

A outra mensagem que Cano envia é a do diálogo político. Ante esse ponto capital, Cano pede a sua gente, e ao governo, não só que acredite que o branco é preto, mas que diga que o branco é preto e que esqueçam que algum dia acreditaram no contrário.

Cano espera que no novo governo, cujas declarações a respeito das FARC e do narco-terrorismo são de combate resolvido, haverá ao menos um elo fraco, disposto a escutar o velho canto de sereias.

Essa proposta é absurda. Ao mesmo tempo que qualifica o governo de "criminoso", o chefe de um movimento terrorista em debandada supõe que esse mesmo governo aceitará procurar com ele um "ponto de confluência" para "identificar as dificuldades" e chegar à paz.

Quer dizer, ele propõe que a força que domina o terreno jurídico, político e militar, o Estado colombiano, se submeta aos caprichos da força derrotada. Cano anuncia que o campo subversivo, que trata de destruir a democracia e a economia desde há 50 anos, mediante o terrorismo e a barbárie, está disposto agora a "construir um sistema democrático" com a detestada "oligarquia".

O resto do discurso de Cano é rotineiro. É a verborréia habitual, os clichês requentados, as falsificações habituais sobre o sistema colombiano que cunharam nos anos 50 e 60 os Gilberto Vieira e os Jacobo Arenas.

Tradução: Graça Salgueiro

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