Mídia Sem Máscara
| 21 Março 2011
Artigos - Cultura
"Traz prazer dor, dor prazer traz".
Goethe, em verso posto à boca de Mefistófeles
Em artigo anterior (A catástrofe no Japão) alguns leitores acharam que sou contra aquilo que se chama de progresso, o acúmulo de conhecimentos que tem permitido aos homens uma vida mais segura, confortável e longeva. Nada mais distante de mim, que acredito firmemente que a centelha de razão que possuímos é um bem precioso que precisa ser usado. A impressão que deu essa falsa imagem foi a crítica que fiz ao uso da energia nuclear como é feito no Japão. O uso da energia nuclear é de extremo perigo, pois a letalidade dos potenciais acidentes não pode ser subestimada. Países como o Brasil, por exemplo, não têm motivo para investir nessa fonte, pois além de ter sol abundante, que reduz o uso de energia para aquecimento e iluminação, tem potencial hidroelétrico ainda não esgotado. Quis Deus também que aqui jazesse uma grande quantidade de petróleo ainda não explorada.
Usina nuclear aqui só deveria existir para efeito de pesquisa e domínio da tecnologia e eventualmente para fins militares.
Quero comentar dois artigos que hoje li para reforçar o meu ponto de vista. O primeiro, publicado na Folha de São Paulo (Projeto de Fukushima esconde uma bomba-relógio dupla). A reportagem sumarizou o tamanho do perigo contido no acidente nuclear japonês:
"Além de três reatores que estão com núcleo esquentando, a piscina que guarda o chamado combustível gasto do reator 4 está secando. E o combustível gasto dos reatores 5 e 6 está mais de duas vezes mais quente. Isso pode gerar uma explosão com efeitos trágicos, já que esse material -uma mistura de urânio, plutônio e outros elementos letais- é 1 milhão de vezes mais radioativo do que o combustível novo. Depois de queimadas no núcleo do reator, as varetas que abrigam esse material ficam em água, tanto para resfriar o combustível quanto para "blindar" a radiação."
Eu desconhecia esses detalhes técnicos, mas bem se vê que a mão humana novamente falhou e criou uma situação de extremo perigo.
Em posição oposta, de confiança cega na tecnologia, temos o artigo assinado por Francis Sorin, no Estadão (A causa do acidente em Fukushima foi banal).
"O acidente nuclear na usina de Fukushima, no Japão, e o consequente risco de um desastre ambiental e humano comparável apenas à explosão da usina de Chernobyl, em 1986, foi causado pela combinação de dois fatores prosaicos: falta de luz e falta de água."
Sorin é especialista da Sociedade Francesa de Energia Nuclear e obviamente está minimizando o trágico acontecimento japonês. Sorin concluiu:
"Os riscos existem. Mas se você analisar o que aconteceu nos últimos 50 anos, tempo no qual produzimos energia, hoje com 440 reatores em 30 países, você percebe que é extremamente segura. Não houve ameaça ao meio ambiente e ao homem nos países que usam tecnologia nuclear ocidental. Se você comparar entre os danos causados por outros meios de produção de energia, como gás, carbono, petróleo, vai concluir que o nuclear é o que causa menos danos. O nuclear tem esse paradoxo: é a mais temida pela opinião pública, mas é a menos danosa."
Obviamente Francis Sorin está interessado em manter e fazer prosperar a indústria de engenhos nucleares da França e não releva os óbvios perigos inerentes ao uso desse combustível. Não bastou o que houve em Chernobyl. A energia nuclear colocou para os homens a Caixa de Pandora aberta para saírem todos os demônios dos infernos. Fazer o que Sorin fez, de associar o medo a energia nuclear ao medo de voar de avião é sofisma primário: um avião, por pior que seja a tragédia que provoque, terá seus efeitos esgotados no próprio acidente. O que estamos a ver é que em Fukushima, como em Chernobyl, o que podemos ter é a morte para a humanidade de uma larga extensão de terra, se não coisa ainda pior, comprometendo as futuras gerações.
A manipulação da energia nuclear é algo sério demais para ser deixado na mão apenas dos físicos e técnicos envolvidos com essa indústria. A prazer do conforto gerado pela energia nuclear pode causar enorme dor.
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