sábado, 5 de março de 2011

A vaguidão, meus senhores, a vaguidão

Mídia Sem Máscara

Quando a ministra da Cultura de um país passa a se expressar como uma adolescente deslumbrada (para sermos benevolentes...) é porque a podridão já tomou conta de todo o reino da Dinamarca.


Então, dizia eu que, nos dias de hoje, as pessoas estão se comunicando de maneira muito vaga, e lembrei aqui de alguns grandes oradores brasileiros, como Carlos Lacerda e Rui Barbosa, e outros nem tão "privilegiados" assim, como a Dilma e o Lula. Outro dia li um artigo do professor Olavo de Carvalho que, de certo modo, preencheu-me a alma e levou-me a escrever este. Disse o professor:

"A destruição da cultura superior evidencia-se não somente na desaparição dos espíritos criadores, mas na inversão da escala de julgamentos; na ausência de qualquer grandeza à vista, a pequenez torna-se a medida da máxima grandeza concebível".
Acontece que um dos sintomas da estupidez generalizada é a decomposição do idioma pátrio, outrora tão bem empregado por Machado de Assis e Camilo Castelo Branco. A corrupção da alta cultura deságua fétida e inevitavelmente na linguagem oral, que, nos últimos 40 anos, vem sendo usada como depositório de gírias ginasiais, cacoetes da moda, expressões "das ruas" e todo tipo de macaquice.

Vejamos um exemplo sintomático. Há algumas semanas, um "artista pop brasileiro", decidido a tentar uma boquinha no governo, resolveu fazer um retrato da presidente. A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, um tanto quanto desocupada, julgou, então, que a "obra" deveria ser entregue pessoalmente à chefe, e agendou um encontro entre a Dilma e o tal artista. No final do encontro, a ministra disse o seguinte a dezenas de jornalistas que a aguardavam ansiosamente - sim, no Brasil, besteira rende: "Nossa presidenta ela conheceu seu trabalho no Hospital da Mulher, né Romero [o tal artista], ficou encantada. Tava contando isso, e aí ele apresentou várias propostas de trabalho, e eu vou deixá (sic) o Romero contá (sic), acho que foi um assunto direto com ele, mas eu sou testemunha de que ela ficou apaixonada, o trabalho dele é muito alegre, muito colorido, muito, algumas marcas que são muito a cara do Brasil, essa coisa jovem, essa coisa cheia de energia, cheia de ideia, cheia de colorido, e umas ideias muito boas que ela gostou demais, né Romero? Então fala aí para eles", à medida que passava os microfones para o tal Romero.

Releiam a fala da ministra, e, agora, perguntem-se: o que diabos fizeram com os períodos orais longos, articulados e com começo, meio e fim? Quando a ministra da Cultura de um país passa a se expressar como uma adolescente deslumbrada (para sermos benevolentes...) é porque a podridão já tomou conta de todo o reino da Dinamarca. Semana passada, ao ler o artigo do jornalista Clark Whelton, a fala da tal Ana de Hollanda veio-me à tona. No texto, Whelton, um experiente redator de discursos políticos, questiona: "O caráter de vaguidão da linguagem representa uma absurda descida rumo ao nada? Será a vaguidão um meio para driblar as imposições do politicamente correto? A vaguidão seria uma técnica para camuflar a falta de conhecimento?". O fato é que estão transformando a fala em um mero conjunto de códigos primitivos cujos sinais levam todos para lugar algum. Refiro-me à falta de rigor oral que favorece a idiotice, a picaretagem, a mistificação, o erro e a proliferação da macaquice. A vaguidão, meus senhores, a vaguidão.



Publicado no jornal O Estado.

Rodolfo Oliveira é jornalista.

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