quarta-feira, 23 de março de 2011

Cultura sem limites: entrevista com Martim Vasques da Cunha

Mídia Sem Máscara

Nota introdutória de Nivaldo Cordeiro:

Amigos leitores do MSM,

A entrevista abaixo, concedida com Martim Vasques da Cunha a Bruno Garschagen, é uma fato jornalístico e educacional da maior relevância, uma prova concreta de que nem tudo está perdido em nosso país. Existem focos de resistência cultural no meio de jovens talentosos, como esses dois - o entrevistador e o entrevistado - pessoas que estão seriamente comprometidas com a alta cultura e os mais caros valores ocidentais.

Eu acompanhei de muito pertos os acontecimentos narrados, pois sou amigo do Martim de muitos anos e fui seu confidente dos acontecimentos. E também era professor do Instituto Internacional de Ciências Sociais, quando tudo aconteceu. O mencionado suposto ato ecumênico, com representantes islamitas, aconteceu no dia da minha última aula do curso sobre o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Esta que é uma obra católica por excelência e que mostra o islamismo como o inimigo espiritual do Ocidente na sua plenitude, que deve ser combatido.

Meus alunos, os que chegaram mais cedo, puderam ver o início das apresentações islamitas. Durante a aula me comentaram, comparando o que ouviram com nosso estudo sobre Dom Quixote. Naquele dia falávamos da parte final da obra, do comovente personagem Ricote e da relação do islamismo com o cristianismo. Uma instituição católica não poderia abrir as portas para seu grande inimigo espiritual e, no mesmo dia, fechá-las para um jovem católico de grande valor, que é Martim Vasques da Cunha. Algo de muito errado e lamentável aconteceu.

Acompanhei Martim nesse novo projeto, ao qual dei imediato e incondicional apoio. Vai dar certo porque está no caminho certo e procura saciar a fome das pessoas que estão em busca de alta cultura, de nossas raízes ocidentais mais profundas, desse tesouro literário e filosófico que, por mal ensinado e mal administrado, acaba sendo negado aos brasileiros. Prevejo um grande sucesso no empreendimento.

Cultura sem limites: entrevista com Martim Vasques da Cunha

Bruno Garschagen


Quando soube que o Martim Vasques da Cunha, editor da excelente revista Dicta&Contradicta, a melhor revista cultural do país e uma das melhores do mundo, havia saído do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) lamentei o fim de um departamento que primava pelas escolhas acertadas dos temas e adequada dos professores dos cursos que realizava.

Felizmente, Martim, que muitos leitores deste blog já conhecem, é, além de um homem devotado ao conhecimento, um empreendedor nato. Agora atua como diretor-executivo do Cultura Sem Limites, um ciclo de cursos feito em parceria com a Livraria Cultura do Conjunto Nacional, tradicionalmente localizada na Av. Paulista esquina com a Rua Augusta. A programação, que pode ser conferida aqui, manteve o padrão de qualidade.

Jornalista de formação, mestre em filosofia da religião com uma tese sobre utopia e doutorando em filosofia política pela Universidade de São Paulo, Martim concedeu-me gentilmente a entrevista abaixo, feita por e-mail, e na qual explica a saída do IICS e de que forma os cursos foram concebidos isentos de qualquer forma de otimismo cultural, que reduz o amor pelo conhecimento a uma função meramente utilitária.

Garschagen - Para começar: sua saída do IICS causou muita surpresa porque a qualidade e a grande procura pelos cursos que você montou parecia mostrar uma parceria bem-sucedida com o Instituto. O que, afinal, aconteceu?

Martim - A única coisa possível a se fazer nestes assuntos é nada mais nada menos contar a verdade e não ter medo de fazer isso. O que aconteceu foi uma avaliação errada da administração do IICS. Os cursos de Humanidades estavam com a média de 25 a 30 alunos - sem uma divulgação sofisticada, tudo feito na marra, no esquema "guerrilha". Não davam lucro, mas começavam-se a pagar. Um belo dia, me chamaram e disseram que o departamento de Humanidades prejudicava os outros departamentos e que eles tinham de investir em um novo prédio. Disse que entendia perfeitamente os motivos, mas no fundo estava aliviado. Não queria trabalhar mais lá depois que aconteceram dois fatos: 1) soube que convidaram um jornalista que se regozijava de ter descoberto a Bruna Surfistinha para dar aulas no departamento de Jornalismo e 2) depois que vi um simpósio de defesa do islamismo disfarçado de "simpósio ecumênico e multiculturalista" onde, de brinde, vendiam-se exemplares do Corão e biografias de Maomé. Detalhe: a instituição onde trabalhei era católica. Na minha última conversa com o diretor, perguntei se os organizadores do tal simpósio deixariam vender a Bíblia em uma de suas mesquitas. Ele não soube me responder.

Garschagen - Você se tornou um empreendedor cultural. Depois da experiência no IICS e da publicação bem sucedida da revista Dicta&Contradicta, junto com o Instituto que vc criou, o IFE, você também montou o Cultura sem Limites em parceria com a Livraria Cultura, que começa na próxima semana com o curso "Modernidade atormentada: Dostoiévski e os irmãos Karamázov", ministrado pelo professor Élcio Verçosa. Além deste, já tem programados mais seis cursos, reunindo gente como Nivaldo Cordeiro, Luiz Felipe Pondé, Leandro Oliveira, Laís Bodanzky, Bráulio Mantovani, César Charlone e Daniel Rezende e Nancy Silva. Minha pergunta é a seguinte: você é um otimista cultural ou está em busca de riqueza, fama, poder, glória etc.?

Martim - Não sou um otimista, muito menos acho que este é um projeto que vai me dar dinheiro. Na verdade, a única coisa que sai é o meu próprio dinheiro, conquistado com sangue, suor e lágrimas. Mas o desafio para mim é continuar com a comunidade que se criou no IICS, não perder o contato com os a lunos e os professores e não deixar que uma decisão de gabinete destrua três anos de trabalho com uma canetada só. A diferença é que agora sou meu próprio patrão. Se der certo ou se der errado, eu vou assumir as conseqüências do sucesso e do fracasso.

Garschagen - Quais foram os critérios de escolha desse grupo que vai ministrar os cursos e como os temas foram escolhidos? Houve alguma preocupação para que os assuntos se complementassem ou tivesse alguma identidade substancial?

Martim - O programa já estava pronto desde Setembro de 2010. Como o IICS não aprovou pelos motivos acima e sequer teve conhecimento dela, logo a programação se tornou minha. A única coisa que fiz foi fazer uma adaptação ou outra. O critério é exclusivamente o meu bom gosto, sobre o qual eu tenho extrema confiança.

Garschagen - Por que vale a pena realizar esse tipo de curso? Gostaria que você considerasse na sua resposta, primeiro, o aspecto educativo e, em segundo lugar, o de mercado.

Martim - A razão para fazer estes cursos não é o mercado, muito menos há uma intenção educativa. É simplesmente a chance que você tem de encontrar pessoas que estão perturbadas com o sentido de suas próprias vidas e descobrir que você, afinal de contas, não estava tão sozinho assim. A educação vem com a amizade - e o mercado não compensa um churrasco onde você participa com todos os amigos feitos nestes cursos, mesmo quando tudo dá a impressão de estar errado.

Garschagen - O que você diria para um interessado de forma a convencê-lo a se matricular num dos cursos do "Cultura sem Limites" e não num curso dos concorrentes?

Martim - Que você não vai ter a sua inteligência insultada. Se acontecer isso - e me provar como uma pessoa adulta -, devolvo o seu dinheiro na hora.

Garschagen - Você é um leitor empolgado, como eu, do filósofo político Eric Voegelin. Podemos esperar um curso sobre alguma parte de sua obra?

Martim - Provavelmente, não. Voegelin é um filósofo muito sofisticado para o público brasileiro. Não estamos preparados para entendê-lo corretamente. Mas também posso garantir que não teremos cursos sobre Foucault, Marx, Nietzsche, Marques de Sade e tutti quanti. O que posso garantir é que, se o projeto der certo, um dos meus sonhos é promover cursos sobre Raymond Chandler, sobre Henry Miller e sobre Walter Hugo Khouri.

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