Mídia Sem Máscara
| 01 Março 2011
Artigos - Direito
Assim, a fórmula da representação política da atualidade consiste em tornar determinados grupos representáveis e juridificar seus objetivos culturais. Um Parlamento a serviço de grupos. O Direito como servo de grupos de interesses.
Historicamente, existem inúmeros tipos de representação política. Na Idade Média, por exemplo, a representação política era baseada no mandato, de modo que o representante vinculava-se ao representado mediante um pacto. Nos sistemas políticos modernos, as tipologias são variadas. Desde a representação da vontade, típica da fórmula rousseauniana, até a teoria utilitarista da representação dos interesses, o problema insolúvel do objeto da representação política fora sempre uma pedra no sapato dos pensadores políticos. Até mesmo durante o século XX, as tipologias da representação política ganharam corpo mais amadurecido: tanto a definição de representação da opinião, própria da democracia de massas, quanto a teoria da representação centrada na verdade expressada nos símbolos da ordem, tese de Eric Voegelin, apareceram como teses sofisticadas no que diz respeito ao problema do vínculo entre representantes e representados.
A teoria da representação política, assim, foi sempre o "tendão de Aquiles" da ciência política. Sua vertente institucionalista, expressada na belíssima teoria de Maurice Hauriou, ampliou consideravelmente o debate acerca do problema, pois o tirou do âmbito meramente ideal para colocá-lo dentro do arcabouço burocrático e institucional, aspectos caros ao Estado de Direito. Em suma, com Hauriou e a Escola francesa de Direito Constitucional, a representação política passou a ser encarada como ponto nevrálgico do direito constitucional, como elo entre o político e o jurídico na constante busca pela ordem.
Hoje, porém, a representação política não é mais tema de discussão como há alguns anos. Há, na verdade, um consenso geral de que a representação política representa algo, e que esse "algo" são os interesses de grupos de pressão e de interesses. E existe, ainda, um consenso sobre a formatação da representação: representantes devem representar a "opinião pública", o senso comum.Com base nisso, infelizmente, hoje, a representação política em muitas democracias ou em regimes disformes, como é o caso do Brasil, cultua um objeto novo, trazido para dentro do cenário político desde fora, isto é, desde a máquina dos mass media e dos agentes culturais: trata-se do "politicamente correto", uma espécie de senso comum fabricado. Então, a representação política, nos moldes colocados pela nova visão, cinge-se a dizer que o eleito deve fazer valer o apoio de seus grupos que, em última análise, formam a opinião pública. Por isso, a legitimação da representação estaria em corresponder, ipsis litteris, aos anseios desses grupos que tanto apóiam suas candidaturas como também despejam milhões de cifras na cultura de massas. Resultado: uma cultura formada de cima para baixo, representada e tornada "política" mediante a aprovação de leis e atos normativos. Assim, a fórmula da representação política da atualidade consiste em tornar determinados grupos representáveis e juridificar seus objetivos culturais. Um Parlamento a serviço de grupos. O Direito como servo de grupos de interesses. O eleitor como um homo videns, na expressão de Giovanni Sartori.
Tema candente nessa perspectiva é o caso do aborto. Representantes, financiados por grupos abortistas, fazem a vontade dos mesmos e, maior amplitude, a vontade da "vox populi", formada a partir de um senso comum engendrado que torna o aborto matéria supostamente pacificada na opinião pública.
Portanto, podemos dizer que, através da nova fórmula de representação política, o Poder Público e a comunidade política estão sendo repartidos por grupos que, no final das contas, tornam em normas jurídicas suas predileções perversas.
É necessário notar, diante disso, que a ciência política e o direito constitucional terão muito trabalho pela frente para descrever esse estado de coisas, articular seus resultados e, bebendo na fonte da filosofia política, demonstrar os erros e absurdos dessa nova fisionomia da representação política.
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