Quarta-feira, 27 de Agosto de 2008
Demarcação viciada.
Coturno Noturno
Do STF:
Irregularidades no laudo antropológico que serviu de base para edição da Portaria 534/2005, do Ministério da Justiça, que demarcou a área da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e violação do princípio federativo com a ocupação de terras devolutas de Roraima pela União. Estes foram os principais argumentos utilizados na sustentação oral que os advogados dos autores da Petição (PET) 3388, que contesta a demarcação daquela área, do próprio estado de Roraima e dos produtores instalados em área englobada pela portaria demarcatória fizeram nesta terça-feira (27) de manhã, no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), onde a PET começou a ser julgada hoje.
O advogado Antônio Glaucius de Morais, que fez sustentação oral em favor dos autores da PET, senadores Augusto Botelho (PT-RR) e Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), reafirmou os pontos já apresentados na inicial. Dentre eles, os principais são vícios no procedimento administrativo que levou à portaria demarcatória e violação do artigo 231 da Constituição Federal (CF), por ter ela demarcado como terra indígena área que não era imemorial, nem historicamente ocupada por nações indígenas.
O advogado sustentou, ademais, que a portaria viola, também, o mesmo artigo porque coloca cinco etnias indígenas diferentes, algumas delas rivais entre si, numa mesma base territorial, com riscos de conflitos e ameaça às suas tradições, sua cultura e, até, sua sobrevivência.
Laudo seria viciado
A principal irregularidade apontada pelo advogado no laudo antropológico da Funai, que deveria ter sido elaborado por um grupo interdisciplinar de técnicos, foi que ele é assinado apenas por uma pessoa, a antropóloga Maria Guiomar de Melo. Ainda segundo o advogado, diversas pessoas nomeadas para compor grupo interdisciplinar responsável pela produção do laudo sequer sabiam que compunham o grupo e “ficaram ainda mais espantadas quando souberam que foram nomeadas em virtude de formação especializada que nunca possuíram”.
Entre essas pessoas ele citou Antônio Humberto Bezerra de Matos, Jerônimo Gomes Teixeira, Wagner Amorim e Maildes Mendes. Todos, conforme o advogado, disseram que não tomaram conhecimento de sua nomeação para integrar o grupo e que não são técnicos agrícolas, qualificação que lhes foi atribuída pela Funai. O primeiro deles, ainda segundo a defesa, teria informado que nunca sequer esteve na área indígena. O segundo teria dito que foi conduzido à área por um motorista, acompanhado de um “doutor” e que, na área, teria apenas medido alguns currais e cortado algumas árvores. Os dois últimos disseram que são motoristas. Maildes Mendes, hoje motorista do deputado federal Luciano Castro (PL-RR), estaria acionando judicialmente a Funai por ter incluído indevidamente seu nome no laudo.
O advogado citou, no fim de sua exposição, um aviso em que o Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) teria manifestado sua preocupação com a preservação da integridade nacional, após a demarcação da Raposa Serra do Sol pela Portaria 534. Segundo o advogado, o EMFA , hoje Ministério da Defesa, teria observado que a demarcação envolve áreas ricas, cheias de minerais que, sem controle, poderão ocasionar pressões externas, com risco à soberania nacional.
Estado virtual
O ministro aposentado do STF Francisco Rezek, que falou em defesa do estado de Roraima e em apoio à PET 3388, disse que Roraima foi transformado pela União em “estado virtual, em quintal”. Isso porque tem poder para dispor apenas sobre 10% de seu território, porque os 90% restantes são patrimônio da União, seja sob o rótulo de terras agrícolas (50%), seja sob o de terras devolutas da União.
Segundo Rezek, a União vem, sucessivamente, avançando sobre as áreas devolutas que se encontravam sob jurisdição do estado, numa “insolente agressão ao pacto federativo”. Ele acusou a União de ter engendrado a portaria demarcatória e o decreto de sua homologação em gabinetes, em Brasília, sem o devido trabalho de campo e sem ouvir as diversas partes envolvidas. “Que República Federativa é esta para que uma matéria tão importante tenha sido tratada nos corredores do Executivo?”, questionou. Segundo Rezek, no caso presente, “o governo não se contenta em demarcar área de tradicional ocupação indígena. Avança sobre terras devolutas do estado, em domínio privado, até desconstituindo municípios”.
Sobre os produtores instalados dentro da área demarcada, ele disse que eles nada têm a ver com os garimpeiros avulsos que, no passado, aturaram em terra dos índios ianomami, também em Roraima, “que destruíam, corrompiam e não pagavam impostos, sendo verdadeiros marginais”. Segundo ele, trata-se de cerca de sete mil trabalhadores, que ocuparam área devoluta do estado legitimamente, sem esbulho, e portanto merecem permanecer lá.
Segundo o ministro aposentado do STF, neste caso de demarcação, “o governo prestigiou os direitos humanos em voga, que dão mídia no Hemisfério Norte”. Ele lembrou que até o sertanista Orlando Villas Boas já chamou atenção para o perigo que a situação ocasiona para a segurança nacional, manifestando sua preocupação com uma decisão que envolve faixa de fronteira sem ouvir o Conselho de Defesa Nacional.
Produtores
O advogado Luiz Valdemar Albrecht, que defendeu os produtores e, também, segundo ele, “comunidades indígenas que querem transitar com liberdade no mundo globalizado”, disse que na reserva cuja demarcação está sendo contestada residem famílias de não-índios com posses centenárias, muitos deles com idade já avançada que lá nasceram e residem e agora estão sob o estigma de grileiros e intrusos Segundo ele, a área em que residem nunca foi ocupada por índios nem sequer o é, hoje. “Não é nem imemorial nem ancestral”, afirmou, sustentando violação do artigo 231 da CF.
Ele lembrou como surgiu a questão da demarcação da área. Segundo ele, em fevereiro de 1977, um grupo de índios fez uma reunião para debater seu temor de que a rodovia Manaus-Boa Vista, cuja construção era iminente, poderia ameaçar a posse da área. Informado do fato, o então presidente da Funai, Ismart Araújo, mandou fazer um levantamento da situação. E, em março do mesmo ano, o grupo de trabalho por ele nomeado desaconselhou a demarcação, alegando que ela abarcaria a quase totalidade do estado de Roraima.
Entretanto, segundo ele, a partir de 1977, a Funai começou a “satelizar” as aldeias existentes nas áreas ocupadas pela reserva Raposa e pela reserva Serra do Sol (que eram separadas), o que originou problemas com os fazendeiros.
Postado por Coronel às 13:53:00
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