Resumo: Uma das conseqüências mais visíveis da apologia maníaca do pobrismo que virou moda no Brasil, está no fato de a maioria dos políticos, de uns tempos para cá, fazem questão de declarar-se formalmente pobre. Alguns, inclusive, declaram-se tão miseráveis que dá até pena.
© 2008 MidiaSemMascara.org
Talvez não exista nada mais representativo das diferenças culturais entre as sociedades brasileira e americana do que o tratamento que dispensam à riqueza e à pobreza. Enquanto os americanos costumam reverenciar a riqueza, os brasileiros a demonizam de todas as formas possíveis, como se ela fosse um pecado mortal e sua posse sinônimo de má índole ou crime pregresso. Já a pobreza, se – graças aos esforços politicamente corretos da esquerda – já não é mais motivo de vergonha, como foi um dia lá por aquelas bandas, pelo menos ainda não se tornou razão de orgulho altaneiro, como é por aqui.
Um amigo, que estudou por vários anos nos EUA durante a década de 70, conta que, certa vez, assistindo a uma cerimônia de fim de ano no campus da universidade, deparou-se com algo bem estranho. Havia na platéia dezenas de senhores e senhoras segurando placas com números os mais variados. Sem nada entender, perguntou a um colega o que era aquilo. Para sua surpresa, ficou sabendo que os números escritos nas tais placas, expostas com orgulho para o alto, significavam a quantidade de milhões de dólares que cada um deles já havia feito – nos EUA, se costuma dizer que alguém faz dinheiro, ou seja, transforma trabalho em dinheiro, e não que ganha como se diz por aqui – desde que deixara a faculdade. Não é incomum também que os ex-alunos façam doações generosas às universidades, numa forma de demonstrar gratidão pela ajuda na obtenção do sucesso.
Aqui no Brasil, por outro lado, muita gente é levada a esconder o dinheiro que possui, ainda que obtido licitamente e a troco de muito trabalho, para não despertar o preconceito alheio. Enquanto isso, ser pobre virou sinônimo de virtude. A começar pelo indefectível “Central da Periferia”, programa apresentado na TV pela atriz Regina Casé, cuja proposta é a exaltação dos hábitos e costumes das gentes da dita “periferia”, o “pobrismo” no país de Macunaíma está mais em alta do que nunca. Tudo que emana dos pobres é “do bem”, é “tudo de bom”. Vejam, por exemplo, o famigerado estilo “funk” de música, que mistura uma batida horrível com letras degradantes, e virou uma verdadeira cachaça país afora. Ou a moda “cachorra” e suas calças torturantes de tão apertadas, que vestem onze de cada dez adolescentes do país.
Uma das conseqüências mais visíveis desse estado de coisas está no fato de a maioria dos políticos, de uns tempos para cá, fazer questão de declarar-se formalmente pobre. Alguns, inclusive, declaram-se tão miseráveis que dá até pena.
Dos candidatos a prefeito do Rio de Janeiro, por exemplo, apenas um declarou possuir algum patrimônio, ainda que este não chegue nem perto do que se possa chamar de riqueza. Só para se ter uma idéia do descalabro reinante, um certo candidato – representante daquela que Nelson Rodrigues chamaria de “esquerda festiva” – chegou a apresentar uma declaração de bens onde tudo que consta é uma caderneta de poupança com pouco mais de 11 mil reais. Alega também que mora de favor, num apartamento emprestado pela octogenária vovozinha de sua mulher.
Tudo bem, ninguém tem nada com a vida privada dele, mas o indigitado é filho de uma família de classe média e detentor de mandatos legislativos há vários anos. Portanto, seguindo a lógica dos fatos, de duas, uma: ou o fulano é um perdulário inconseqüente que, já na meia-idade, ainda não conseguiu poupar nada nem adquirir um único bem de valor, malgrado uma renda bem acima da média nacional; ou, por pura demagogia, esconde o patrimônio que tem.
A idiossincrasia pobrista chegou a tal ponto que o velho desejo de ascensão de classe sequer existe mais. Essa característica comportamental, tão estranha quanto absurda, pôde ser vista com clareza a partir da divulgação recente de um estudo estatístico (a meu ver capenga, mas isso é o que menos importa aqui) da FGV, amplamente comentado pela mídia, onde se procura demonstrar que a classe média é hoje a maioria no país. Vejam esta matéria do jornal Folha de São Paulo (os grifos são meus):
CLASSE MÉDIA EMERGENTE SE ACHA POBRE
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Poucas notícias provocaram mais reação em Vila Kennedy - bairro de 200 mil habitantes, na zona oeste do Rio - do que a pesquisa da Fundação Getulio Vargas que classificou como classe média as famílias com renda mensal a partir de R$ 1.064. Até moradores com rendimento acima desse patamar se vêem como pobres e rejeitam serem chamados de classe média.
"É uma baixaria. Fiquei revoltado quando vi a notícia na TV. A classificação é vazia e mentirosa", reagiu o aposentado João Galdino de Melo, presidente da Associação dos Moradores de Vila Progresso. Pai de três filhos, que estudam e trabalham, Galdino diz não ter dúvida de que sua família é pobre, embora a renda familiar atinja R$ 2.400.
(...)
Mara Martins, 32, cinco filhos, tem renda familiar mensal de R$ 1.800, somando a pensão de R$ 200 que recebe do pai de um dos filhos; (...) Ela diz que ficou "doente" ao saber da notícia sobre a classe média, da qual, agora, seria parte. "A única roupa que comprei para mim neste ano foi um vestido, de R$ 10. Nunca fui a um cinema. Trabalho todos os dias e não tenho lazer. Classe média, para mim, tem de ter lazer."
(...)
O ex-funcionário da Petrobrás José Camilo Neves, 57, taifeiro aposentado, tem pensão de R$ 3.400 por mês, mas nem ele se considera classe média, pois cinco pessoas dependem de sua renda, não tem lazer e mora em rua sem calçamento, que há até pouco tempo tinha esgoto a céu aberto.
A posse de bens de consumo não foi considerada pelos entrevistados de Vila Kennedy como indicador de classe média, porque mesmo os que se definem como pobres possuem televisão, geladeira, fogão, DVD, aparelho de som e pelo menos um telefone celular.
Na avaliação do aposentado João Galdino de Melo, 51, a renda familiar mínima para definir classe média deveria ser de R$ 4.000 por mês. Isso porque ele e os filhos têm rendimento conjunto de R$ 2.400 e a família se considera pobre, morando na periferia da cidade, onde o Estado é ausente.
Os salários dos filhos não são suficientes para pagar as despesas deles, e o pai, cuja pensão é de R$ 1.200, paga parte delas. Os três estudam em faculdade particular.
Galdino leva a reportagem da Folha até sua casa, para mostrar o padrão de vida da família. Na garagem, um Fiat Prêmio de 18 anos. A casa tem TV, geladeira, fogão, aparelho de som, DVD e computador. A TV por assinatura e a internet rápida são oferecidos por operador clandestino. (...)
Independentemente dos eventuais erros cometidos no referido estudo, está na cara que há muita gente aí com medo de perder as benesses do assistencialismo estatal que o status de pobre lhes confere, bem como alguns outros que assim reagem por puro oportunismo político, como parece ser o caso do Presidente da Associação dos Moradores. O fato, porém, é que a ascensão de classe, uma realização que, num passado não muito distante, seria motivo de orgulho para qualquer um, hoje passou a ser considerado quase uma desonra. É a velha luta de classes, cantada em prosa e verso pela esquerda irresponsável, mostrando a que veio.
É conhecida a piada que conta a história de dois operários – um brasileiro e outro americano – que trabalhavam numa obra de rua em Miami quando, ao verem passar uma reluzente Ferrari, têm reações absolutamente distintas. O americano, cujo pensamento foi certamente moldado pela velha “ganância” ianque, diz a si mesmo: “vou trabalhar muito, de sol a sol se preciso for, até poder comprar um desses”. Já o brasileiro, extravasando toda a sua raiva contra os ricos, vocifera: “Esse ladrão deve ter roubado muito!”.
Infelizmente, essa mentalidade tacanha, cada vez mais disseminada no seio da sociedade brasileira, não nos levará muito longe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário