Quinta-feira, Agosto 28, 2008
STF adia votação sobre Raposa do Sol, enquanto estrangeiros armam para comprar mais terras no Brasil
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Por Jorge Serrão
Como de costume em decisões polêmicas, o Supremo Tribunal Federal empurrou ontem, mais para frente, a decisão sobre a reserva indígena Raposa do Sol. Um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito adiou a votação do julgamento marcado pela queda do protocolo, pela presença de índios pintados com urucum. O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação no STF, votou pela manutenção da demarcação contínua da terra indígena em Roraima.
O fato mais importante da votação de ontem foi que o ministro Ayres Britto condenou a famigerada Declaração dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), que defende ampla autonomia às supostas "Nações indígenas". O monstrengo jurídico transnacional corre o risco de ser ratificado pelo Congresso Nacional brasileiro, onde o espírito de soberania é rarefeito. Enquanto o STF não decide o caso Raposa do Sol, investidores estrangeiros prometem juntar mais de US$ 1 bilhão nos próximos meses para adquirir terras no Brasil.
O presidente do STF, Gilmar Mendes, alegou que o pedido de vista de Carlos Direito se justifica pela complexidade do voto de Ayres Britto. O presidente do STF acrescentou que espera que Direito produza seu voto para que o Supremo termine de julgar a questão ainda neste semestre. A tendência ontem era que a maioria dos 11 ministros votasse pela criação de ilhas demarcatórias, em vez das atuais reservas indígenas gigantes.
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, deu parecer também defendendo a demarcação contínua da reserva. Ele negou que o tamanho da área seja excessivo e rebateu os argumentos de que a reserva na fronteira ameace a soberania do país. O procurador criticou os arrozeiros que têm propriedades na região acusando-os de má-fé.
Os ministros decidirão se será possível a permanência de menos de uma dezena de grandes produtores de arroz e 50 famílias de agricultores em parte da área onde vivem cerca de 19 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang. A reserva tem 1,67 milhão de hectares, na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, que foi registrada em cartório como de propriedade da União. A ação que pede a demarcação em ilhas é de autoria dos senadores Augusto Botelho (PT-RR) e Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).
Brasil a preço de banana?
A Agrifirma, que tem entre seus acionistas investidores ingleses, vai captar US$ 500 milhões para investir em terras no Brasil.
A empresa já adquiriu 20 mil hectares, mas pretende crescer dez vezes mais.
A americana AIG Capital Investments adquiriu 37% de participação na Calyx Agro, que já tinha como sócio o grupo francês Louis Dreyfus.
Todos se associam a fundos e investidores, sobretudo internacionais, para negociar a compra e venda de propriedades rurais, com tendência de valorização futura.
Alvo natural
Agricultores do Centro-Oeste do Brasil, principalmente da região do Pantanal, e do Sul do País e da Argentina, devem ficar bem espertos.
A Arábia Saudita vai criar um fundo de investimento para comprar terras no exterior.
O objetivo é garantir o abastecimento de trigo e arroz.
Ressalva importante
Após mais de duas horas e 20 minutos de leitura do seu voto, fora o intervalo, o ministro Ayres Britto fez questão de afirmar que os índios são brasileiros.
Por isso, criticou a Declaração dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), que defende ampla autonomia aos povos indígenas, e que corre o risco de ser ratificada pelo Congresso Nacional brasileiro.
Ayres Britto argumentou que a Constituição brasileira não reconhece a qualquer organização indígena a dimensão de instância transnacional.
“O que de pronto nos leva a estranhar o fato de agentes públicos brasileiros aderirem formalmente à recente declaração. Declaração esta que os índios brasileiros nem sequer precisam, porque nosso magno texto federal os protege”.
A decisão do relator
O voto de Ayres Britto ressaltou a importância das áreas indígenas para a preservação do meio ambiente.
O relator do polêmico caso Raposa do Sol afirmou que a Constituição garante aos índios o direito de desfrutar de um espaço fundiário "que lhes assegure meios dignos" e "que lhes permita preservar a identidade".
“Para mim, o modelo é contínuo. O modelo geográfico de demarcação de terras indígenas é orientado pela continuidade, no sentido de evitar ao máximo o processo de fragmentação física. São terras que somente se vocacionam para uma livre circulação de seus usufrutuários. Somente ele (modelo contínuo) viabiliza os imperativos constitucionais”.
Ayres Britto acrescentou que os brasileiros são "visceralmente contra guetos, grades e cercas", o que ocorreria no caso de demarcação em ilhas.
Pela retirada
Ayres Britto também votou pela retirada de todos os não-índios da região.
Ele ponderou, no entanto, que a demarcação contínua não significa da proibição a entrada de outros brasileiros na reserva:
“Não se pense, contudo, que a exclusividade de usufruto seja inconciliável com eventual presença de não-índios, bem assim como instalação de equipamentos tecnológicos e construção de estradas, desde que tudo se processe debaixo da liderança institucional da União”.
Tese polêmica
Ayres Britto lembrou que o estado de Roraima foi criado junto com a Constituição de 1988, que determina a criação de reservas sob controle da União.
Com isso, segundo o ministro do STF, não faz sentido argumentar que as terras indígenas subtraíram parte do território roraimense.
O relator avaliou também que há "perfeita compatibilidade" entre faixa de fronteira e terras indígenas.
Ayres Britto lembrou que a Constituição não faz ressalvas à constituição de reservas nessas áreas.
Defesa pensa o contrário
O advogado Antônio Guimarães, contratado pelos autores da ação, argumentou que a demarcação da reserva de forma contínua foi marcada por uma série de "ilegalidades e falhas grosseiras" na confecção do laudo antropológico.
“Um técnico agrícola que nunca participou do processo de demarcação, nem esteve na área, é citado como tal (no relatório sobre o laudo antropológico). A base do decreto de homologação é imprestável. Essa demarcação jamais poderia ser contínua. Reunir tribos numa mesma base territorial abre as portas para as novas divergências”.
O advogado lembrou que a ação proposta pelos senadores visa a "garantir a soberania do País, a integralidade do pacto federativo e preservação das etnias indígenas".
Feita nos corredores...
O ex-ministro do STF e advogado Francisco Rezek também atuou em favor da ação que contesta a demarcação.
Rezek contestou o fato de a demarcação da reserva indígena ter sido feita por meio de portaria do Ministério da Justiça.
Segundo ele, tudo ocorreu "nos corredores do Executivo".
Leviandade negada
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, criticou as acusações de Rezek:
“Não acredito que o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos tenha sido leviano. É uma pessoa da mais alta dignidade e que tratou do tema refletindo por mais de dois anos, ouvindo todos os lados e preparando tudo para que houvesse o mínimo de resistência”.
Thomaz Bastos agradece pela defesa gratuita...
Não fere a soberania?
O advogado Geral da União sustentou que a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em área contínua foi feita pelo governo federal em respeito aos dispositivos constitucionais que garantem aos índios a ocupação de terras tradicionais.
“O governo cumpriu um dever constitucional e a terra não é patrimônio dos índios, mas de toda a sociedade brasileira”.
Toffoli também negou a existência de qualquer risco à soberania nacional com a demarcação de terras indígenas em áreas de fronteiras:
“Se a terra é da União, é mais fácil defender fronteiras do que se fosse de particulares”.
Na tribuna, com os pajés
Na primeira vez em que uma advogada índia falou numa sessão do Supremo, a advogada Joênia, moradora de Raposa Serra do Sol, defendeu a demarcação contínua da reserva roraimense e justificou sua presença:
“Não tive medo de subir à tribuna. Estou com meus pajés, estou protegida. Meus parentes me dão força onde quer que estejam”.
Vestindo a tradicional capa exigida no STF junto com brincos, colar e pintura indígena no rosto, Joênia defendeu que a maioria dos arrozeiros de Raposa Serra do Sol também têm terras em outras regiões do estado.
“As terras indígenas não são apenas a moradia, mas são também os lugares onde se caça, pesca e onde se mantêm os locais sagrados. Por que só os povos indígenas podem ser sacrificados? Por que só nós temos que ter nossa terra retalhada?”
Liberou geral?
O protocolo na sessão de ontem do STF não foi quebrado apenas por dezenas de índios com o rosto pintado de urucum e vestindo adereços típicos de suas etnias.
Produtores e trabalhadores rurais humildes também foram desobrigados de usar terno.
Todos assistiram à sessão com roupas simples.
Resistência pacífica
O prefeito de Pacaraima (RR) e líder dos produtores de arroz da região Paulo César Quartiero afirmou que haverá resistência caso se confirme a demarcação em terras continuas.
Mas Quartiero ressalvou que será uma resistência sem violência:
“Como se luta? Resistindo como Gandhi fez, pacificamente, porque armas não temos”.
O fazendeiro reclamou que Ayres Britto foi muito duro nas críticas aos arrozeiros que ocupam trechos da Raposa Serra do Sol.
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