terça-feira, 10 de novembro de 2009

Objeções e respostas

Mídia Sem Máscara

Duas objeções ao meu artigo "Primores de ternura" começaram a circular na internet tão logo ele foi publicado no DC (14 e 16 de outubro). Um crítico mais enfezado - ao qual responderei por extenso no meu website - teve a gentileza ou ingenuidade de condensar logo as duas, achando que com isso desferia um golpe fulminante nos meus argumentos. Permito-me portanto usar das suas palavras, sem citar-lhe o nome - para poupá-lo do vexame - e responder de uma só vez a todos os que, por conta própria ou em associação com ele, repetiram as mesmas patacoadas:

1a. "Os recursos do auxílio,como de todo benefício do INSS não provêm de recursos federais,mas são oriundos de um fundo constutuido por contribuição dos segurados e das empresas em que trabalham... Não é o 'governo que garante' a família. É o segurado,que mediante sua contribuição mensal forma um fundo atuarial para amparar a família nestes e outros muitos casos.O INSS só administra o fundo."

2a. "Também não é verdade a afirmação de que quem prefira levar dois tiros na nuca nada vai levar. Se for segurado da Previdência,levará ajuda por todo o tempo em que estiver incapacitado,e a família receberá pensão se vier a falecer. Ambas famílias, a do criminoso e a da vítima, serão amparadas,desde que o pai em questão seja segurado em dia com as contribuições."

Com relação à primeira, observo que no Brasil é extremamente perigoso usar expressões elípticas, na esperança de que o bom-senso dos leitores saberá descompactá-las. Brasileiro não perde uma chance de não entender nada. Se você não explica tudo nos mais mínimos detalhes, - o que é aliás impossível nas dimensões de um artigo de jornal - logo suas palavras são usadas para dizer o que não disseram e alimentar artificialmente as discussões mais estapafúrdias. Como eu disse que "o governo garante" o pagamento do Bolsa-Bandido, o palpiteiro logo houve por bem esbravejar que o dinheiro não vem do governo, e sim dos contribuintes - como se isso não valesse também para todo o dinheiro coletado em impostos. Se, de direito e abstratamente, a quantia arrecadada pelo INSS não pertence ao governo, isso não faz a mínima diferença, pois o governo se permite usar dela como se lhe pertencesse, incluindo-a automaticamente no superávit primário. E aliás não é só o dinheiro do INSS que entra nisso. Segundo notícia publicada no último dia 13 pela Agência Estado, "a lista inclui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) - uma das principais fontes de receita para as operações de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) -, o Fundo do Regime Geral de Previdência (FRGPS), do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e até outros menos conhecidos, como o Fundo da Marinha Mercante... O uso indevido dos fundos especiais é mais uma das medidas tomadas pelo governo para tentar manter recursos dentro do caixa e cumprir seu compromisso fiscal" (v. http://ultimosegundo.ig.com.br/economia /2009/10/13/fundos+sao+usados+para+fazer+caixa+8819976.html). A objeção, portanto, reduz-se a um flatus vocis. Como diria o Paulo Francis, não inflói nem contribói. Antes de dizer a mim que o dinheiro da Previdência não é do governo, seria preciso dizê-lo ao governo.

A segunda objeção é pura distorção do meu argumento. Eu não disse que a família do contribuinte assassinado não recebe nada. Disse que o governo não tem para com ela a mesma generosidade que concede aos familiares do assassino. Ou seja: se você sofre homicídio, sua família recebe a mesma pensão que receberia caso você caísse do andaime ou fosse feito em pedaços num acidente aéreo. Você não pediu para cair do andaime nem pôs uma bomba no avião. Você é vítima desses acidentes, como é vítima de um assassino. Já o assassino não é vítima de coisa nenhuma, nem foi obrigado a cometer assassinato como você é obrigado a trabalhar. Mutatis mutandis, você morre de uma vez para sempre, sua família sabe que não o verá jamais, ao passo que a família do assassino é animada dia a dia pela esperança de que ele volte, e até de que volte regenerado. Se "ambas famílias, a do criminoso e a da vítima, são amparadas", é claro que aí a família do criminoso leva vantagem, fica sempre com a melhor parte. E isso é obviamente o contrário de qualquer princípio de justiça.

Mais ainda, a Previdência Social foi instituída, na base, para proteger o trabalhador honesto. Quando ela paga a pensão que lhe é devida, cumpre a finalidade que a define e que justifica sua existência. A extensão artificial do benefício às famílias de assassinos só veio em 1991, com a Lei n.8.213, obviamente inspirada na idéia de que a culpa do crime é da sociedade e não do autor do delito, e de que portanto, do ponto de vista previdenciário, tanto faz você matar um cidadão a tiros ou sofrer um acidente de trabalho. Essa idéia modifica a própria natureza da Previdência Social.

Por fim, é verdade o que alega o autor da mensagem, que o auxílio-reclusão visa a "que os filhos do criminoso, já castigados por ter um pai assim,não tenham também que morrer de fome". Mas esse raciocínio só é válido no caso de a família do criminoso ser exclusivamente vítima passiva da situação, isto é, de nunca ter-se beneficiado dos frutos do crime, hipótese que me parece rebuscada e improvável demais para poder ser generalizada a priori para todos os casos, como o faz a lei. O argumento dá por pressuposta, ademais, a premissa absolutamente imbecil de que o dinheiro da pensão será usado apenas pela família, de que esta não levará nem um tostão ao criminoso na cadeia, convertendo o benefício estatal em prêmio do crime.

A perspectiva do desamparo na eventualidade da prisão do provedor, em contrapartida, seria um forte incentivo a que esposa e filhos pressionassem o pai a viver honestamente. A abolição preventiva desse risco é, com toda a evidência, um estímulo à criminalidade. Quando sabemos o valor que os grandes teóricos e estrategistas revolucionários atribuem às condutas anti-sociais como meios de provocar crises e desestabilizar as instituições, é impossível não perguntar se a Bolsa-Bandido, como tantas outras novidades legais criadas pelo esquerdismo militante, não tem dois objetivos simultâneos, um pretextual, moralmente elevado para fins de persuasão, outro perverso, não declarado, mas efetivo na prática.

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