quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Penã Esclusa: “a reconciliação começa com a libertação dos presos políticos”

Mídia Sem Máscara

Escrito por Fuerza Solidaria | 03 Agosto 2011
Notícias Faltantes - Comunismo

"Os que estivemos na prisão sentimos que as questões teóricas carecem de sentido quando a pessoa quer é a luz do sol, a família, a liberdade, o básico."

Alejandro Peña Esclusa (APE) e Lázaro Forero (LF) ainda não se acostumaram a se mover além dos seis metros quadrados que compreendiam suas celas. Juntos e acompanhados por suas esposas, Indira e Yajaira, compareceram à redação de "6to Poder". Desde lá prometeram que não descansariam até conseguir a liberdade plena de todos os presos políticos e o retorno dos exilados, como um passo necessário para a reconciliação nacional no país. Ambos asseguraram que saem da prisão sem rancores nem sentimentos de vingança, posto que o que a Venezuela realmente necessita é de um grande consenso para solucionar a grave crise institucional que atravessa. Suas esposas notam certas mudanças em suas atitudes e declararam que a prisão modificou definitivamente o rumo de seus destinos, que agora estão inexoravelmente ligados à política venezuelana.

Como os senhores percebem o país depois de sair da prisão?

- LF: O que eu vi até o momento, muito mal. O que alguém vê pela televisão desde a prisão, não se compara com o que se observa na realidade. As queixas, os protestos dos cidadãos, a insegurança e o caos golpeiam mais quando você o tem de perto. Inclusive quando saí, eu tirei minha corrente. Dei risada, porque a carregava dentro do SEBIN, pois sabia que ninguém me ia arrancá-la. A verdade é que a pessoa vive com uma angústia total. Fomos fazer mercado e os preços estavam super elevados. O venezuelano está vivendo uma situação muito complicada e angustiante. Não posso imaginar como as pessoas que não têm recursos, que não têm trabalho, podem viver. Deve ser bem complicada sua forma de viver. Por outro lado, cresceu a polarização. O ódio que existe entre os venezuelanos é triste e preocupante. A pessoa se assusta quando vê três ou quatro tipos com camisa vermelha, a pessoa se assusta, pela possibilidade de ser atacado ou agredido a qualquer momento. Da prisão, a pessoa vive a angústia de estar preso, de ter a família sozinha, entretanto e apesar dessa triste situação, os presos conformamos um grupo, uma irmandade. Havia companheirismo, por isso quando saí me encontrei em uma realidade rude e diferente.

- APE: Desde o ponto de vista que Lázaro descreve eu vejo o mesmo, mas também vejo uma mudança anímica na população porque, pela primeira vez, há um conceito claro da finitude deste governo. E isto foi ocasionado pelo fracasso do Socialismo do Século XXI, por uma parte, e pela outra, devido à enfermidade de Chávez. O país está mal, porém há uma esperança de mudança e isso é o que importa. Quando há esperança, por muito mal que as coisas estejam, ao menos temos para onde olhar. Uma das coisas nas quais eu quero trabalhar, à parte de enfrentar meu problema de saúde, é conseguir a reconciliação, a reunificação, que em minha opinião começa com a libertação de todos os presos políticos.

O senhor acredita que a vontade política dos partidos está em consonância com esses sentimentos de mudanças?

- APE: Ainda não. Porque as pessoas não perceberam a gravidade da crise, mas a realidade é mais poderosa do que os projetos pessoais. Quando uma pessoa se enfrenta com uma realidade dura, as teorias que essa pessoa tem na cabeça são derrubadas. Os que estivemos na prisão sentimos que as questões teóricas carecem de sentido quando a pessoa quer é a luz do sol, a família, a liberdade, o básico. Os dirigentes políticos às vezes têm um projeto em sua cabeça, mas o que as pessoas buscam é o básico. A realidade está estourando e eu acredito que o alto governo já sabe que seu projeto fracassou. Eles têm mais informação do que nós e têm que ceder, já sabem que não podem impor o Socialismo do Século XXI à maioria do país. Que tentaram durante 12 anos e não puderam. Este é um barco que está navegando em águas turbulentas. Ou nos juntamos para resolver os problemas do país, ou nos afundamos todos.

Recentemente houve declarações de funcionários que indicam que ante uma eventual derrota eleitoral não se entregaria o poder.

- APE: Nós, os que nos opomos ao Socialismo do Século XXI, temos que ter uma atitude muito responsável e fazer saber aos porta-vozes do governo que nós procuramos justiça mas não vingança. Está na conveniência deles buscar a ajuda do país. Eles atropelaram as pessoas, expropriaram, encarceraram, geraram exílio. O mesmo que o apartheid com os negros na África do Sul, mas Mandela não saiu a enforcar os brancos, senão que lhes estendeu a mão e ofereceu um projeto de reconciliação, sempre e quando também se recuperasse a justiça. Não se trata de apagar tudo e começar de novo. Nós, na oposição, temos que fazer o governo saber que nosso interesse é o país, não a vingança. Porém, para lhe dar a mão, queremos deles alguns sinais que nos indiquem que estão dispostos a dialogar. Isso seria um gesto de reconciliação e de diálogo. Creio que não podemos nos pôr a defender posições pessoais, pois a gravidade da crise é tão séria, que defender posições pessoais ou tratar de manter espaços de poder não tem nenhum sentido. O que está em jogo é o futuro de nossos filhos.

O que os senhores farão para que seus companheiros de prisão possam sair em liberdade?

- LF: Lutar para que eles tenham a oportunidade que nós dois tivemos. Logicamente o fundamento legal que nos facilitaram para nossa liberdade é o Artigo 256 do Código Processual Penal, porque temos uma enfermidade grave. Porém, há outras enfermidades que nem sequer lhes fizeram exames médicos para determinar seu verdadeiro estado de saúde. Em outros casos, como os policiais que estão presos já há oito anos e os irmãos Guevara que estão há sete, pelo tempo que têm detidos deveriam gozar de um benefício processual. Inclusive já têm dois benefícios vencidos e não lhes dão. Temos que lutar por um decreto de anistia, uma reconciliação nacional, para que todas essas pessoas saiam da prisão. Já está bom, são sete anos de sofrimento, de angústia. Pagaram demasiado sendo inocentes!

Os senhores reforçarão pessoalmente as diligências que fizeram em instâncias internacionais para apoiar a causa de seus companheiros presos?

- LF: O nosso caso está na Corte Interamericana, já está lá e não se pode fazer mais nada; só nos resta esperar seu processo normal que é muito lento. Eu poderia acorrer pessoalmente a essas instâncias internacionais porque não tenho proibição de saída do país. Só devo pedir autorização do tribunal, mas estou certo de que tenho uma proibição tácita e que a permissão jamais me será concedida.

Os meios de comunicação oficiais têm sido muito fortes quando se referem ao senhor. O senhor quer uma reparação de sua imagem? À parte de que se conheça a verdade?

- LF: Nada vai me ressarcir os sete anos que estive separado de minha família, deteriorando minha saúde, como de fato se deteriorou. Não vou sair processando ninguém, nem buscar alguma recompensa pelo que disseram de mim. A maioria dos venezuelanos têm claro quem eu sou. A maioria dos venezuelanos me apoiaram e sabem o que eu fiz em 11 de abril (2002). O que fizemos na Polícia Metropolitana foi evitar mais mortos do que houve, porque o poder de fogo que as pessoas que disparavam de Puente Llaguno para baixo tinham era bem forte. De fato, quando não podíamos parar as balas com nossos corpos, o que fizemos foi atravessar quatro blindados na avenida para que existisse uma barreira entre eles e as pessoas que estavam em baixo.

Das perícias oculares que fizeram nessas baleias, o perito estabeleceu que uma delas tinha até 500 impactos de bala. Quer dizer, poderiam ter matado mais de 100 pessoas nesse dia. Quando se diz em nível internacional que o governo é o responsável pelos fatos de abril de 2002, este diz que os responsáveis estão presos, que um tribunal da República os sentenciou. Não obstante, a campanha que se fez a nosso favor em nível internacional, foi bastante boa.

Eu deixo tudo nas mãos de Deus, a justiça divina tarda mas chega. Vocês vêem, quem ia imaginar que o Presidente da República poderia ter câncer? Quando ele havia feito acreditar que era um ser indestrutível, um super-herói, um homem que não adoecia. Um homem que víamos durante seis horas sentado aos domingos em frente das câmeras de televisão sem parar. Quando o Presidente anunciou que tinha câncer, eu disse: "é humano, não é invencível".

Se os senhores estivessem em um consultório onde se encontrassem com o Presidente Chávez, o que lhe diriam?

- APE: Eu pensei nisso muitas vezes. Existe um paradigma impressionante entre a situação do presidente Chávez e a minha. Embora sejamos de tendências ideológicas contrapostas, ele nasceu no mesmo mês e ano que eu. Temos a mesma idade e a mesma enfermidade, fomos operados no mesmo dia com um ano de diferença: eu em 11 de junho de 2010, e ele em 11 de junho de 2011. Nos deram alta no mesmo dia: eu em 4 de julho do ano passado e ele do atual. Então, há um paradigma muito grande; ele é o Presidente e eu até há pouco um homem encerrado em um calabouço de seis metros quadrados. Entretanto, vem uma enfermidade e nos afeta da mesma maneira. A enfermidade não olha o poder, não olha a ideologia, senão que ataca por igual. Frente a isso, a pessoas têm que fazer um exercício de humildade e refletir sobre o fato de que somos mortais.

Os desejos ou projetos pessoais não têm nenhuma relevância porque a pessoa termina três metros abaixo da terra, faça o que faça nesta vida. O importante é o que permanece no tempo e o que permanece no tempo é nossa nação. Por isso devemos ser muito flexíveis e devemos dialogar para resolver os gravíssimos problemas que o nosso país vai enfrentar nos próximos meses, que parece que ainda não se vê, mas estão estourando de modo mais evidente. Minha reflexão seria: esqueça-se de seu projeto pessoal, senhor Presidente. Pense na nação, que é isso o mesmo que eu estou fazendo, resolvendo minha saúde e pensando no país.

Se eu pudesse utilizar o 6to Poder para enviar uma mensagem ao Presidente Chávez, que eu sei que o governo e a oposição lêem este semanário, lhe daria uma mensagem: é ao governo a quem mais convém a libertação de todos os prisioneiro políticos, para baixar as tensões e dar um sinal de diálogo. Porém, também aos pré-candidatos e aos deputados. A primeira bandeira de um pré-candidato presidencial tem que ser a libertação dos prisioneiros políticos e eu gostaria de ver um pronunciamento conjunto de todos os deputados da oposição pedindo a liberdade dos prisioneiros políticos.

Eu estava na rua quando libertaram Lázaro. Eu vi em Chacao, onde havia muita gente, quando deram a notícia as pessoas aplaudiam e era júbilo para chavistas e opositores. A reconciliação do país começa com a libertação dos presos políticos. O que eles fizeram com nós dois, justificados por nossa enfermidade, foi um experimento onde descobriu-se que não é necessário estar doente, como o Presidente Chávez, para que nos libertassem. O país inteiro, chavistas e não-chavistas, quer a reconciliação e a libertação dos presos, como um primeiro passo da reconciliação.

Como pensa que foi a atuação dos partidos políticos de oposição em torno ao tema dos presos políticos? Como foi a atuação da Mesa da Unidade Democrática (MUD)?

- APE: Não queria olhar para trás; quero olhar para adiante. Eu observei que a Mesa da Unidade e deputados opositores tomaram maior consciência sobre o assunto dos prisioneiros políticos nas últimas semanas, e isso é um bom sinal. Um dos fatores que ajudou a isso foi que três parlamentos latino-americanos se expressaram sobre nossa situação e a dos demais prisioneiros políticos. Eu entendo que eles têm uma quantidade de prioridades e ocupações, mas me parece que eles mesmos se deram conta da sensibilidade que há no país sobre os prisioneiros políticos.

Isso é um espinho que as pessoas têm cravado no coração. Quando alguém pensa em um homem inocente que está preso há sete anos, isso dói nas pessoas. Se alguém fizesse uma pesquisa, se daria conta de como o país quer uma reconciliação baseada na libertação dos presos políticos. Eu diria que, independentemente de quanto peso tenham dado aos prisioneiros políticos, recentemente a MUD assumiu essa bandeira, e eu creio que deve fazê-lo com mais afinco. A oposição está recolhendo assinaturas para apresentar uma Lei de Anistia, mas acredito que deve-se evitar o processo de recolher assinaturas. É preciso sentar e dialogar com os deputados do PSUV, neste caso particular, assim como todos nós nos pusemos de acordo e como votamos unanimemente em dar permissão a Chávez para que fizesse seu tratamento. Vamos nos pôr de acordo em algo, que convém a vocês e a nós. Como o início de um processo de diálogo e reconciliação.

Sua figura é muito querida internacionalmente, houve parlamentares da região que advogaram por sua causa. O senhor poderia lutar pelos DDHH da região, desde a Venezuela?

- APE: Talvez a solidariedade internacional que tive deve-se a que por vários anos me dediquei à defesa dos direitos humanos na região através de UnoAmérica. Eu visitei presos políticos na Bolívia, Colômbia, Argentina e Uruguai. Um dos objetivos de UnoAmérica é a defesa da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. Entretanto, certamente estou surpreso e comovido pela solidariedade e apoio que recebi.

No caso do Paraguai, a votação a favor de uma exortação à minha liberdade foi com 77 votos a favor e 0 contra. No Chile, o parlamento votou 51 a favor e 6 contra. Até os socialistas que pertencem à coalizão e que, portanto, são aliados ideológicos do chavismo, votaram a favor da minha libertação. Isso é um elemento esperançoso. Que os direitos humanos estejam acima das ideologias, é uma nova mensagem que demonstra que a libertação dos prisioneiros políticos é algo que unifica todos os setores. Eu seguirei lutando pela situação dos direitos humanos fora e dentro do país.

Há certo mal-estar no país porque não há esperanças de que todos os presos saiam. O que o senhor opina a respeito?

- APE: Eu interpreto minha saída como o início da saída de todos. Nossa libertação deve ser vista como uma decisão que caiu bem ao país inteiro. E nesse sentido, o governo deve se fazer esta pergunta, se lhe beneficia este tipo de decisões. Os elementos jurídicos para libertá-los existe.

A coalizão é a chave

Alejandro Peña Esclusa não duvida em advertir que a Venezuela atravessa sua crise desde a época da Independência. Sublinha que o cenário internacional tampouco é o mais propício e isso induz a obstaculizar a resolução de nossos problemas.

"As imposições ideológicas não têm nenhum sentido ante à crise institucional, econômica e social tão grave que se nos avizinha. Pretender impor o Socialismo do Século XXI em 12 anos não puderam e em meio deste terremoto político, econômico e social que vamos viver, é uma fantasia que não tem o menor apoio. Essa realidade nos impõe a solucionar o problema de uma forma coletiva. Um candidato não vai resolver isto, um partido tampouco, tampouco uma coalizão partidista. Nem sequer um acordo entre o governo e a oposição.

Necessitamos de um grande acordo nacional mediante o qual participem os partidos, a Igreja, o Exército, as universidades, os grêmios, para gerar um projeto para 40 anos, no qual haja um grande consenso. Esse consenso é o que vai nos levar a navegar por essas águas turbulentas e, dentro desse contexto, a pacificação é muito importante.

O governo deve deixar de lado seus atropelos e ressarcir as injustiças cometidas. A oposição deve ser muito ampla e desprezar desejos de vingança. Esqueçamo-nos disso e vamos para adiante com um plano de crescimento".



Tradução: Graça Salgueiro

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