quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Primavera no Mediterrâneo e inverno no Caribe

Mídia Sem Máscara

“Nada é mais fértil em prodígios do que a arte da liberdade, mas não há nada mais árduo do que a aprendizagem da liberdade.”
Alexis de Tocqueville

“Ver cometer um crime e não fazer nada, é cometê-lo.”
José Martí

Quanto mais percebo a aparente preocupação do suposto mundo civilizado pelos acontecimentos na Líbia e a colaboração da OTAN para provocar a queda de Khadafi em nome da liberdade, mais tristeza me produz.

Por mais que isto pareça uma contradição, em alguém preocupado com a liberdade e o respeito aos direitos individuais, posso assegurar que não é.

Não pretendo que a dor dos cubanos seja compartilhada internacionalmente. Os sentimentos não se transmitem, mas a razão certamente transcende. É nesse sentido que sinto que a denominada primavera árabe é interpretada como o surgimento da liberdade no Oriente Médio, então no Caribe persiste o inverno. (N. do E.: uma análise mais precisa da tal "primavera", pode ser lida aqui.) O frio na alma dos observadores internacionais que pretendem ignorar os crimes de Castro, e a persistência da ditadura totalitária mais criminosa que América Latina já padeceu.

Em um recente artigo de Joseph Michael Humire, membro da Atlas Research Foundation, ele manifesta sua posição a respeito na qual a queda de Khadafi deve ser uma lição para as ditaduras latino-americanas. Não posso menos que estar de acordo com os julgamentos do autor a respeito da personalidade e do governo de Khadafi, porém a lição não é para as ditaduras latino-americanas, senão que deveria ser para os governos europeus.

Já sabemos que na América Latina a democracia majoritária é uma desculpa tão-só instrumental, à instauração do que Jefferson denominara um “despotismo eletivo”. Em Cuba, há 52 anos, como disse antes, impera o sistema mais criminoso que padece a América Latina. Não obstante isso, recentemente a União Européia levantou as sanções contra Cuba, enquanto que as impôs ao governo de Honduras por tentar se desligar do ex-presidente Zelaya, amigo e colaborador do Castro-chavismo. Mais triste foi que o Papa Bento XVI enviou o Cardeal Bertone à Havana para felicitar os Castro, por estar a favor dos pobres e da solidariedade.

Por outro lado, em minha ignorância sobre o Oriente Médio, me pergunto que crimes Khadafi cometeu que os Mullah do Irã não compartilharam. Por favor, não entendam que estou defendendo a ditadura de Khadafi, senão que me preocupa a aparente inconsistência da política da OTAN. Não me cabe a menor dúvida de que o governo do Irã é hoje o maior risco para o Ocidente e uma ameaça para Israel que não fosse Khadafi.

Não poderia menos que desejar que a Líbia surgisse desse agravo como um país livre a partir da saída de Khadafi. Porém, não posso deixar de ter minhas dúvidas a respeito, pois como bem assinalou Von Hayek em seu “Caminho da Servidão”, “parece ser quase uma lei da natureza humana, que é mais fácil para as pessoas estar de acordo em um programa negativo - baseado no ódio a um inimigo ou na inveja aos que estão melhor - que em qualquer ato positivo”. E como bem assinala Alexis de Tocqueville: “Os povos acreditam amar a liberdade quando só odeiam o amo”.

Voltando então a Cuba, posso sentir a respeito que, por mais que qualquer um na ilha se atreva a opor-se ao regime castrista tem meu maior respeito e admiração, mas não posso menos que reconhecer meu desacordo ao “Projeto Varela”, bem como ao “Projeto Todos Cubanos”. Com relação ao primeiro posso pensar que o próprio Padre Varela, que acredito foi o maior pensador político cubano, estaria contra. Foi assim que ele disse: “Se o exercício da soberania do povo não conhece limites, seus representantes que se consideram com ela toda poderiam se erigir em uns déspotas, e às vezes o interesse rasteiro de um partido favoreceria o desaparecimento da nação... Jamais o que é injusto será justo porque muitos assim o querem”. Quer dizer, havia tomado consciência da falácia do direito do povo como o meio de justificar o poder absoluto e violar os direitos individuais.

No que diz respeito ao “Projeto Todos Cubanos”, devo reconhecer que os conceitos implícitos no mesmo ignoram os princípios fundamentais que determinaram a liberdade no mundo. Nesse sentido, devo assinalar que o documento reconhece implicitamente a razão de Estado, a respeito da qual Von Hayek escreveu: “A razão de Estado é a ética coletivista, e não tem outro limite que o oportunismo”. Portanto, e à luz da história, é necessário reconhecer igualmente as sábias palavras de Tocqueville quando disse: “Tanto são mais fortes os vícios do sistema quanto a virtude dos que o praticam”. Conseqüentemente, não são as virtudes dos povos as determinantes da liberdade, senão o sistema ético político no qual se desenvolvem. Assim, me pergunto uma vez mais se os opositores de Khadafi são conscientes destes princípios que produziram a liberdade pela primeira vez na História.

Ao ver este apoio incondicional da OTAN aos opositores de Khadafi em defesa da liberdade, não posso deixar de lembrar com tristeza da traição de Kennedy aos cubanos na Baía dos Porcos. E seguidamente ao continente ao sul do Rio Grande durante a crise dos mísseis em 1963, quando acordou com Kruschev entregar à órbita soviética Cuba. Vou insistir mais uma vez em que essa decisão determinou a guerra subversiva na América do Sul. Circunstância hoje esquecida e graças a Jimmy Carter (Prêmio Nobel da Paz) e sua inseparável seguidora Patricia Derian, a única lembrança que permanece dessa realidade foram as ditaduras militares na América Latina. Mais uma vez vou ser politicamente incorreto. Sem desconhecer os erros e os excessos de tais ditaduras, não posso deixar de reconhecer que se não tivesse sido por elas o continente teria sido uma Cuba, com a exceção de Santo Domingo, onde Johnson enviou os marines para libertá-la da ditadura castrista de Camaño.

Enfim, na luta pela liberdade na Líbia não posso menos que tratar de fazer saber ao mundo ocidental e cristão, que Cuba foi vítima da falta de compreensão e solidariedade pelo mesmo motivo. Só os cubanos podemos ter consciência da dor e do sofrimento padecidos pelos crimes de Castro e Che Guevara. Nosso mundo ocidental e cristão que ignora essa realidade, só insiste em denegrir Pinochet que, mediante erros e excessos salvou o Chile de ser a segunda Cuba no continente. Hoje os estudantes chilenos, aparentemente acompanhados pelo Foro de São Paulo, denegrindo o lucro pretendem eliminar o ensino privado e certamente o presidente Piñera, que tem o pecado original de ser de direita. Lembrem-se que “educar com marxismo é como amamentar com álcool” e, do mesmo modo, devo lembrar à Civilização Ocidental as sábias palavras de Abraham Lincoln: “Todos nos declaramos pela liberdade: porém, usando a mesma palavra não lhe damos o mesmo significado”.



Tradução: Graça Salgueiro

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