Resumo: Criou-se um abismo profundo entre a platéia e o filme brasileiro, abismo que nenhuma lei governamental, por mais impositiva que seja, irá extinguir. Mas o nosso “cineasta de prestigio”, com a mão firme na grana fácil, nunca pensa nisso.
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Outro dia vi numa emissora de televisão pública a entrevista de um “cineasta de prestígio” do cinema nacional. Tratava-se, justamente, de uma vestal do Cinema Novo. Sua conversa era bem desenvolvida, fluente e segura, sem que ele, estranhamente, apelasse para o tradicional jogo de mãos ao enfatizar o discurso corporativo. Confesso que, de início, fiquei um tanto atordoado e logo explico a razão: em geral, é quase impossível ver um cineasta brasileiro falar em público sem que as suas mãos, sempre em movimentos circulares, não adquiram mais importância do que ele - em palavras - tenta exprimir.
Dir-se-ia que, confiando pouco no valor do que pensa ou diz, ou quem sabe um tanto inseguro quanto à verdade do que declara, recorre instintivamente ao uso das mãos como obrigatório instrumento de apoio. Certa vez, numa dessas entrevistas, vi um cineasta que, de tão eloqüente, num gesto incontido de mãos lançou fora o microfone preso à lapela e, em seguida – sem querer, óbvio -, entornou um copo com água nas calças do entrevistador.
Mas na entrevista da TV pública, como já disse, o cineasta do Cinema Novo, talvez por deficiência de fluxo sanguíneo, mostrava-se tranqüilo. E, num diapasão cavo e profundo, prestou informações muito pertinentes. Por exemplo: ele assegurou que, no momento, quem sabe devido ao fenômeno da pirataria, as distribuidoras estrangeiras estão lançando os seus “blockbusters” em solo pátrio com até 300 cópias – o que, segundo o cineasta, impede que o filme nacional encontre espaço para exibição.
Convicto no seu tom de denúncia, ele foi manipulando os dados estatísticos da problemática situação: o mercado brasileiro de exibição conta hoje com pouco mais de duas mil salas, mas, no frigir dos ovos, o cinema estrangeiro (leia-se, “americano”) ocupa cerca de 90% do seu tempo. Para completar o quadro de insolvência, o preço do ingresso no Brasil ficou mais caro ou igual ao praticado na Europa – o que impede, em definitivo, do povo freqüentar as salas de cinema e assistir o produto nacional. Quanto ao público da classe média, afirma o “cineasta de prestígio”, ele de há muito deixou de ir ao cinema, preferindo vê-lo em seus aparelhos de “home theater”.
De fato, o quadro exposto pela vestal do Cinema Novo não foi nada estimulante. No entanto, quebrando o tom monocórdio que imprimia às palavras, ele apontou uma saída miraculosa para solucionar a questão: queria mais intervenção do governo. Exatamente. O cineasta achava que só com a criação de novas leis protecionistas, em que fossem estabelecidas regras punitivas que garantissem na exibição uma relação de isonomia entre o produto estrangeiro e o caboclo, o parvo espectador passaria a ver o cinema dele e dos seus pares. E o cinema nacional se tornaria, assim, “auto-sustentável”.
O leitor talvez não saiba, mas há quase meio século o cinema dessa infatigável corporação vem se nutrindo anualmente de vultosas verbas públicas e infindáveis leis protecionistas, sem que a atividade cinematográfica aqui exercitada deixe de depender das tetas do Estado e ganhe, ainda que ocasionalmente, um arremedo de maioridade. Do contragolpe militar de 1964 para cá, - basta levantar a contabilidade oficial - os cofres da Viúva já investiram sem retorno bilhões de dólares na atividade, regalando com verdadeiras fortunas os membros da privilegiada corporação, sem que a eterna criança, mais que centenária, consiga andar com as próprias pernas.
Muito pelo contrário: a cada ano, até mesmo os jornais que dão prestígio ao esquema parasitário não ousam mais esconder o fato escandaloso: os filmes do “cinema da retomada”, cada vez mais dispendiosos, com orçamentos variando entre 2 e 5 milhões de dólares, não conseguem sequer remunerar o que chamam de “print and advertsing” – os custos de lançamento envolvendo despesas com cópias, cartazes e divulgação na mídia.
O cineasta caboclo, para justificar-se, diz que a culpa da ausência de público cabe à presença do filme estrangeiro, que toma o espaço do filme nacional. “Há duas centenas de filmes nas prateleiras, sem que ninguém possa assisti-los” – denuncia. Mas a denúncia é enganosa. A maioria desses filmes, lançados com boa publicidade e com o apoio da mídia, atinge em média a casa dos 100 mil espectadores, se tanto. Ao cabo de uma semana, com as salas às moscas, o exibidor vê-se obrigado a retirá-los de cartaz. Mesmo os raros filmes bem-sucedidos, os que ultrapassam a faixa de dois milhões de espectadores, não conseguem realmente se pagar.
Por isso, agora, os incansáveis membros da fauna parasitária estão articulando a criação de um novo “fundo” para o setor, cujo objetivo será o de financiar - além do já doado à produção - o “consumo” do filme nacional. Sim senhor: como o brasileiro evita o cinema tupiniquim, o papai Lula vai prodigalizar U$S 30 milhões ao instituto do “tíquete-cinema”, mais uma jogada para afanar o dinheiro do incauto contribuinte.
Mas, por que o público brasileiro não quer ver o filme nacional? Só porque acha, com razão, o cinema americano mais palatável enquanto lazer? Bem, minha explicação para o fato, depois de conviver durante anos com o problema, é a seguinte: o público brasileiro é conservador e o cinema brasileiro, ou o seu cineasta, quando não é revolucionário (na “forma e conteúdo”), é “progressista”. O brasileiro acredita em Deus, no casamento, na família, no trabalho, condena o aborto, o consumo da droga, a violência do MST e, de modo abissal, todo o receituário “politicamente correto”.
Já o cineasta caboclo, cultivando o que chama de “cinema de autor” (“um filme de...”), não só deseja imprimir à realidade a sua distorcida visão pessoal, como também aspira, com o seu filme, “transformar o mundo”. Assim, sendo em geral um sujeito de esquerda, ele renega Deus, convive com a droga, tolera a promiscuidade sexual, zomba do casamento, é favorável ao aborto e cultiva na tela, com prazer, o efeito fácil (e mórbido) da violência - dentro ou fora do MST.
Ou seja, criou-se um abismo profundo entre a platéia e o filme brasileiro, abismo que nenhuma lei governamental, por mais impositiva que seja, irá extinguir. Mas o nosso “cineasta de prestigio”, com a mão firme na grana fácil, nunca pensa nisso. De fato, para que?
PS – Ia explicar ao leitor o que é o “cinema da mucosa”, mas acabou o espaço. Fica para depois.
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