quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Gigante de joelhos

por João Luiz Mauad em 13 de agosto de 2008


Resumo: A forte redução nas vendas da GM nada mais é do que um claro sinal de que o mercado norte-americano vem funcionando exatamente da maneira que deveria, ou seja, ajustando-se dia-a-dia às novas circunstâncias.

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O mundo dos negócios assistiu, um tanto estupefato, à divulgação do último balanço da gigante General Motors. Apanhada no contrapé pelos altíssimos preços do petróleo e seus derivados, a GM encerrou o trimestre (abril, maio e junho) com um prejuízo da ordem de 15 bilhões de dólares. Como não poderia deixar de ser, as bolsas de valores despencaram mundo afora; afinal, trata-se da maior fabricante de veículos mundial e uma das maiores corporações do planeta.

Muitos analistas viram neste resultado um sinal do enfraquecimento da economia norte-americana, que, desde o segundo semestre do ano passado, vem sofrendo reveses por conta dos altos preços do petróleo e da crise das hipotecas. Porém, enganam-se aqueles que pensam assim. Na verdade, tal resultado demonstra exatamente o contrário: o mercado norte-americano vem funcionando da maneira como deveria.

Uma das grandes vantagens das economias de mercado é justamente a capacidade que têm de adaptar-se às circunstâncias. Focados no "termômetro" dos preços, os agentes econômicos – empresas, consumidores e investidores – estão continuamente se replanejando, em resposta às alterações de temperatura da oferta e da demanda, de forma que cada participante esteja sempre buscando otimizar os seus lucros/benefícios ou, de modo inverso, minimizar as suas perdas. Essa é a maneira pela qual se assegura que cada processo produtivo seja gerenciado de modo tal que acabe colaborando para maximizar a eficiência do sistema como um todo.

Uma das grandes virtudes das economias de livre mercado é a sua tendência para a alocação eficiente dos recursos sempre escassos. Essa eficiência, por seu turno, depende fortemente dos níveis de competitividade e, principalmente, da sensibilidade dos empresários em compreender os sinais enviados pelos consumidores. Esta é uma característica tão marcante e importante que a punição para o administrador que falha neste quesito costuma ser inclemente, não raro levando a empresa à falência.

A General Motors encontra-se hoje justamente no meio de um desses turbilhões em que as decisões de seus gestores serão de crucial importância para o futuro da companhia. Já faz algum tempo que o consumidor americano vem transmitindo sinais aos fabricantes de veículos, segundo os quais a preferência, daqui para frente, será por automóveis mais econômicos, no estilo japonês e europeu. Parece claro que a moda dos SUVs, pesados e beberrões, está com seus dias contados, principalmente depois que o galão de gasolina por lá bateu na casa dos 4 dólares.

Ao contrário de muitos países, como o Brasil e a China, onde os preços dos combustíveis são manipulados pelo governo, nos EUA eles flutuam livremente, ao sabor dos preços internacionais. Enquanto por aqui a preferência dos consumidores é mascarada por conta de um “congelamento branco”, fazendo com que o consumo de combustíveis aumente num momento em que, pela lógica, deveria retrair-se – não por acaso, exatamente como ocorreu durante os dois primeiros choques do petróleo nos anos 70 –, lá os preços ditam uma rápida mudança de hábitos, fazendo com que os consumidores – e, conseqüentemente, o mercado como um todo – se adaptem à nova realidade.

Só para se ter uma idéia dessa adaptação espontânea, segundo as últimas pesquisas os motoristas norte-americanos reduziram, nos últimos 12 meses, em nada menos que 40 bilhões de milhas as suas viagens pelas estradas daquele país. Junte-se a isso a migração do consumidor para carros mais econômicos e conclui-se que o mercado está fazendo muito mais para baixar o preço dos combustíveis do que o governo de lá, que, entre outras decisões estapafúrdias, ainda insiste, por motivos ditos ambientais, em manter proibidas as prospecções na costa do Alasca. Mas esta é uma outra história.

A forte redução nas vendas da GM, empresa que montou toda uma estratégia de mercado baseada nas Pick-ups e SUVs, deixando de lado a produção de veículos mais baratos e econômicos, nada mais é do que um claro sinal de que o mercado norte-americano vem funcionando exatamente da maneira que deveria, ou seja, ajustando-se dia-a-dia às novas circunstâncias. É óbvio que há outros fatores por trás do enorme prejuízo havido no segundo trimestre desse ano, como, por exemplo, o grande passivo trabalhista, derivado principalmente da atuação daninha dos sindicatos, cujos tentáculos, há tempos, vêm causando sérios transtornos àquela empresa – especialmente porque muitos de seus concorrentes, por estarem instalados em estados onde as centrais sindicais não têm tanta influência, não sofrem do mesmo problema.

Ademais, esse prejuízo gigantesco é também a prova cabal de que aquela velha ladainha esquerdofrênica, segundo a qual as “grandes corporações” têm o poder de controlar os mercados e escravizar o consumidor, é pura balela. Caso isso fosse realmente verdade, jamais uma companhia do porte e poder da GM seria tomada por um prejuízo desse tamanho.

A grande verdade é que os verdadeiros patrões, no jogo do livre mercado, não são os CEOs das empresas, mas os consumidores. São estes, como dizia Ludwig Von Mises, através das suas decisões de comprar ou não comprar, que decidem os vencedores e os perdedores. São eles que determinam precisamente o que deve ou não ser produzido, em que quantidades e qualidades.”

Os consumidores, prossegue o grande economista austríaco, “são patrões inclementes e egoístas, cheios de manias e vontades, além de muitas vezes imprevisíveis. Para eles, nada conta além da sua própria satisfação. Eles não estão nem aí para os méritos passados ou interesses legítimos. Se algo lhes é oferecido, que seja melhor ou mais barato, largam seus antigos fornecedores, sem dó nem piedade.” Assim, se os carros da Honda ou da Toyota, embora japoneses, são melhores e mais baratos, ou respondem às suas atuais exigências, pouco lhes importam os trabalhadores da Ford ou da GM que, eventualmente, possam estar com seus empregos em risco.

O grande desafio dos empresários é exatamente manter satisfeitos os seus consumidores. Qualquer que seja o erro de estratégia, mau julgamento ou ineficiência, redunda em perda de lucratividade. Quando o erro é grande, como parece ser o caso da GM, as perdas são catastróficas.

Para encerrar, voltemos às palavras do mestre: “Em última instância, os consumidores determinam não apenas os preços dos bens de consumo, mas também dos bens de produção. São eles que determinam a renda de cada membro da economia de mercado. São os consumidores – e não os empresários – que pagam os salários de cada trabalhador, seja ele um faxineiro ou uma estrela de cinema. Através de cada centavo gasto, os consumidores determinam a direção de todo o processo de produção e os detalhes da organização de cada atividade empresarial.”

O resto, como dizia meu avô, é “conversinha pra boi dormir”.

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