Mídia Sem Máscara
Paul Ryan | 29 Outubro 2010
Artigos - Aborto
O direito de "escolha" de um ser humano não pode se sobrepor ao direito à "vida" de outro. Por quanto tempo mais conseguiremos manter nosso compromisso com a liberdade se continuarmos a negar o próprio fundamento da liberdade - a vida - aos seres humanos mais vulneráveis?
Escrevo como um defensor inflexível tanto da livre escolha de mercado quanto do direito natural à vida. É triste que "vida" e "escolha" tenham um dia sido separadas e vistas como alternativas. Este é um falso dilema. Logicamente, uma envolve a outra.
Sou profundamente comprometido com o capitalismo, o "sistema da liberdade natural," como Adam Smith o chamou. O livre-mercado gera uma prosperidade incomparável e tem uma base moral na liberdade e na escolha. No capitalismo, as pessoas exercem seu direito de escolher os produtos e serviços de sua preferência, exercer a profissão e seguir a carreira que desejem, o negócio que queiram abrir ou com o qual queiram trabalhar, os tipos de investimentos e poupanças que preferirem e muitas outras opções. Estas escolhas refletem a esperança dos indivíduos em melhorar suas vidas e desenvolver seu pleno potencial humano. Embora a liberdade de escolha não garanta sozinha a felicidade, ela é essencial para a busca da felicidade.
Como defensor do capitalismo, eu apoio vigorosamente o direito de cada pessoa fazer estas escolhas econômicas e combater os esforços do governo para limitá-las. A liberdade e as escolhas que ela envolve são direitos morais concedidos aos americanos, não pelo governo, mas pelos princípios que fizeram desta uma grande e próspera sociedade. Estes princípios sustentam os direitos naturais iguais de todos os seres humanos viverem, serem livres e buscarem a felicidade, na medida em que o exercício destes direitos não violem os direitos correspondentes dos outros. Os indivíduos crescem em responsabilidade, prudência e inteligência, além de outras qualidades humanas, ao fazerem escolhas que satisfazem suas necessidades únicas e evitarem o que não as satisfazem. O governo ajuda a manter o estado de direito que torna tudo isto possível, mas o papel do governo é muito limitado no que diz respeito a nossas escolhas específicas. Sob nossa Constituição, a função do governo é garantir os direitos humanos universais de seus cidadãos. Em virtude de seu escopo neste contrato social, o governo não pode possuir um poder ilimitado.
Entretanto, para assegurar a manutenção destas garantias, o governo primeiro precisa decidir de quem são os direitos a serem protegidos - ou seja, o que significa o conceito de um ser humano a quem se asseguram direitos naturais. Os direitos de todo ente que se qualifique como "humano" devem ser protegidos.
O carro sobre o qual exerci minha liberdade de escolha de compra não é tal entidade e não "se qualifica" para proteção de direitos humanos. Eu posso dirigi-lo, emprestá-lo, chutá-lo, vendê-lo, ou jogá-lo fora, à vontade. Por outro lado, a viúva que mora ao lado "se qualifica", sim, como pessoa e o governo deve assegurar seus direitos humanos, que não podem ser deixados à mercê da vontade arbitrária de qualquer um.
Direitos e Condição Humana
Entretanto, a identificação de quem se "qualifica" como ser humano tem se mostrado historicamente mais difícil do que os exemplos acima podem sugerir. Por duas vezes no passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos - incumbida de ser a guardiã dos direitos - falhou tão crassamente na tomada desta decisão crucial que ela "desqualificou" toda uma categoria de seres humanos, com resultados profundamente trágicos.
A primeira vez foi no caso Dred Scott vs. Sandford, em 1857. A Corte decidiu, de forma absurda, que os africanos e seus descendentes americanos, fossem escravos ou livres, não poderiam ser cidadãos com direito a ir aos tribunais fazer valer contratos, nem direitos, nem por qualquer outra razão. Por quê? Porque "entre toda a raça humana," declarou a Corte, "a raça escravizada africana não foi feita para ser incluída (...) [Eles] não tinham quaisquer direitos que o homem branco fosse obrigado a respeitar." Em outras palavras, pessoas de origem africana não "se qualificavam" como seres humanos para fins de proteção de seus direitos naturais. Decidiu-se que, como o homem branco não os reconhecia como tendo tais direitos, eles não os tinham. A consequência era que os africanos eram propriedade - coisas que gente branca podia escolher comprar e vender. Já os brancos, sim, "se qualificavam," logo, o governo protegia seus direitos naturais.
Cada pessoa neste país foi ferida no dia em que este juízo pavoroso foi anunciado pelo tribunal mais alto da nação. Ele escarneceu da idéia americana de que a igualdade e os direitos humanos foram dados por Deus e reconhecidos pelo governo, e não construídos por governos ou grupos étnicos por votação consensual. A decisão abominável levou diretamente a um terrível banho de sangue e abriu uma cisão racial que nunca foi completamente superada.
A segunda vez que a Corte falhou em um caso relativo à definição de "humano" foi no caso Roe vs. Wade, em 1973, quando a Suprema Corte cometeu um erro praticamente idêntico. Em que momento do tempo um ser humano existe?, perguntou o estado do Texas. A Corte se recusou a responder:
"Nós não precisamos resolver a difícil questão sobre quando a vida começa. Se os especialistas nas respectivas disciplinas da medicina, filosofia e teologia são incapazes de chegar a qualquer consenso, o judiciário, a esta altura do desenvolvimento do conhecimento do homem, não está em posição de especular sobre a resposta."
Em outras palavras, a Corte não "qualificaria" crianças não nascidas como pessoas vivas cujos direitos humanos devessem ser garantidos.
Como a Corte julgou que não havia "consenso" sobre quando os fetos se tornam pessoas, ela derrubou as restrições ao aborto em todos os 50 estados que pensavam ter chegado a um "consenso." Só os já nascidos "se qualificavam" para proteção. Além do mais, os já nascidos ganharam o poder de negar, à vontade, os direitos das pessoas ainda no útero. A Corte não disse que, dada a falta de consenso, a matéria deveria ser deixada para os estados. Ela não escolheu errar do lado da cautela, já que vidas humanas poderiam estar em jogo. Nem escolheu não arbitrar sobre a matéria. Estas opções teriam sido vias racionais à luz do agnosticismo professado pela Corte. Ao invés disto, a Corte se utilizou da falta de consenso para justificar a proibição aos estados protegerem a vida dos não-nascidos.
Como a decisão do caso Dred Scott, este juízo feriu a América e não resolveu nada. Ele pôs boas pessoas de todos os lados umas contra as outras, alimentou uma guerra cultural, rachou igrejas, azedou a política e tornou o debate público muito tenso. Uma recente pesquisa Gallup mostrou que 51 por cento dos americanos se consideram pró-vida, 42 por cento são pró-escolha e 7 por cento não têm certeza.*
O presidente Obama não fez nada para reduzir esta divergência. Durante sua campanha, ano passado, ele foi perguntado sobre quando um "bebê" tem "direitos humanos." Ele respondeu praticamente repetindo a resposta confusa da Suprema Corte: "[Se] você olhar a questão de uma perspectiva teológica ou de uma perspectiva científica, responder esta pergunta com especificidade, você sabe, está além das minhas capacidades." Só Deus, ele deu a entender, sabe se os bebês são seres humanos!
Agora, depois de a América ter vencido as duras batalhas contra os direitos humanos desiguais, na forma de totalitarismo no exterior e segregação dentro do país, eu não posso acreditar que alguma autoridade ou cidadão ainda seja capaz de defender a idéia de que um ser humano não-nascido não tenha nenhum direito que uma pessoa mais velha seja obrigada a respeitar. Mas eu sei que não podemos continuar a fingir eternamente um agnosticismo em relação a quem é humano. Como escreveu Thomas Jefferson, "O Deus que nos deu a vida nos deu a liberdade ao mesmo tempo." A liberdade de escolher não tem utilidade para alguém que não tem a liberdade de viver.
Logo, o direito de "escolha" de um ser humano não pode se sobrepor ao direito à "vida" de outro. Por quanto tempo mais conseguiremos manter nosso compromisso com a liberdade se continuarmos a negar o próprio fundamento da liberdade - a vida - aos seres humanos mais vulneráveis?
No fundo, os esquerdistas "pró-escolha" de hoje são profundamente pessimistas. Eles denigrem a vida e propõe o medo do presente e do futuro - medo de escolhas demais e crianças demais. Ao invés de ver as crianças e os seres humanos como uma dádiva, a postura "pró-escolha" implica em que eles são um peso. Apesar do rótulo de "pró-escolha", a postura dos esquerdistas sobre este assunto na realidade diminui as escolhas, rebaixa os objetivos e nos leva a viver com menos. Isto inclui a redução do número de seres humanos que podem fazer escolhas.
Já os conservadores pró-vida, por outro lado, são naturalmente otimistas. Tudo considerado, nós vemos os seres humanos como bens, não fardos. Espera-se de todos os conservadores que concordem que o governo deve defender o direito de cada pessoa tomar decisões em relação a sua vida e que o direito de cada pessoa viver deve ser assegurado antes que ela possa exercer este direito de escolha. No estado natural - a "lei da selva" - a decisão de quem é reconhecido como ser humano é deixada para indivíduos particulares ou grupos determinados. Em uma comunidade organizada com justiça, entretanto, o governo existe para assegurar o direito a vida e os outros direitos humanos que decorrem deste direito original.
Os conservadores podem construir pontes entre os temas da vida e da escolha, assentando-as sobre a rocha sólida dos direitos naturais, que pertencem, não a alguns, apenas, mas a todos os seres humanos.
* Lydia Saadr, "More Americans 'Pro-Life' Than 'Pro-Choice' for First Time," Gallup, Inc., May 15, 2009
Paul Ryan (republicano) representa o Primeiro Distrito de Winsconsin no Congresso dos Estados Unidos.
Artigo original AQUI. Tradução do blog DEXTRA, feita por recomendação e a pedido de Heitor de Paola.
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