Mídia Sem Máscara
Casimiro De Pina | 20 Outubro 2010
Artigos - Movimento Revolucionário
Casimiro de Pina, de Cabo Verde, observa: "O Estado de direito baseia-se, em síntese, na separação dos poderes e na garantia dos direitos fundamentais. É uma dinâmica de repartição (checks and balances) e descentralização do poder."
Anda por aí, ao rubro, uma discussão curiosa acerca da "transição democrática" e da mudança de regime em Cabo Verde.
Forjam-se teorias espantosas. Fazem-se revelações luminosas!
Na perspectiva do PAICV, o momento-chave é a queda do art. 4.º da Constituição de 1980, conforme assegura o ilustre dr. José Maria Neves.
A II República teria, então, o seu início em Setembro de 1990, com a célebre revisão constitucional feita pelo PAICV.
Este seria, digamos, o momento fundante. O resto seria secundário.
Diz o preclaro José Maria Pereira Neves: "Esta revisão [de 1990] instaura o sistema democrático, permite a criação de vários partidos políticos, instala um regime semi-presidencialista forte e abre caminho à aprovação de novas leis...as regras essenciais para a democracia em Cabo Verde" - in Expresso das Ilhas, n.º 461, p. 19.
Para começar, o sr. Primeiro-Ministro faz uma confusão elementar.
Mistura, sem perceber o alcance do erro, regime político com sistema de governo. Duas realidades completamente distintas!
Não há, em rigor, nenhum "regime semipresidencialista", mas sim um sistema de governo semi-presidencialista, ou presidencialista, parlamentar, etc..
O regime político tem a ver, sobretudo, com as condições de acesso ao poder.
Quando falamos de regime estamos, pois, a falar da luta pelo poder e do respectivo exercício (instituições e valores).
A revisão constitucional de 1990 marcou, nesta linha, o fim de um regime: a ditadura do partido único, estribada nos dogmas do marxismo-leninismo, essa formidável ideologia do atraso e do subdesenvolvimento.
Mas alto aí! Isto não significa, sr. José Maria Neves, que a II República nasceu em Setembro de 1990. Não. A II República nasce precisamente dois anos depois, com a Constituição de 1992, que instaura o Estado de direito em Cabo Verde, pela primeira vez na nossa história.
O grande problema é que o sr. Primeiro-Ministro (que chega, no cume da embriaguez totalitária, a elogiar o velho partido único!) julga que democracia e Estado de direito são conceitos sinónimos. Ora, não são. São mundos diferentes.
A Venezuela de Chávez é, em certa medida, um país democrático, com eleições periódicas, vários partidos em liça e toda a demais encenação ritual.
Mas não é um Estado de direito.
Chávez não respeita os direitos fundamentais, pode prender o seu maior rival (Alejandro P. Esclusa) por tempo indeterminado, fustiga a propriedade privada, encerra televisões, chantageia a oposição e pressiona o poder judicial.
É um caudilho bobo que se julga ungido pela divindade "bolivariana", rumo ao socialismo do séc. XXI, que é, afinal, ipsis verbis, uma cópia do do séc. XIX, centralizador e ineficiente.
Hitler, a partir de 1930, também ascendeu democraticamente ao poder, mas destruiu a República de Weimar.
O Estado de direito baseia-se, em síntese, na separação dos poderes e na garantia dos direitos fundamentais.
É uma dinâmica de repartição (checks and balances) e descentralização do poder.
A tradição da liberdade remonta à Revolução Gloriosa (1688) e aos Federalist Papers, o grande marco do constitucionalismo moderno. O seu esteio é o dinamismo criativo da sociedade civil e o governo das leis.
Foi a Constituição de 1992 que nos trouxe estas conquistas fundamentais; este acquis civilizacional, fruto do respeito incondicional pela dignidade intrínseca do ser humano, o título fundante da "cidade" e do direito vigente.
A Constituição, nessa dimensão, ao acolher estes valores, sustentáculos da "condição humana", passou a ser uma verdadeira "reserva da justiça" (Gomes Canotilho).
O Estado, a partir daí, já não concedia nenhuma graça aos seus súbditos, como sucedia em 1980 (e, antes disso, na LOPE), nesse arremedo de Constituição então aprovado.
A relação inverteu-se. O Estado passou a justificar-se, ontológica e axiologicamente, em função das pessoas, como mera organização instrumental e de segundo grau. O seu fundamento deixou de ser místico.
José Maria Neves não compreendeu nada disto, e continua, orgulhosamente, a repetir os chavões ideológicos do partido-Estado.
Parafraseando Fareed Zakaria, diríamos que o nosso Primeiro-Ministro, tão convicto e imperturbável, é um bom czar!
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