Mídia Sem Máscara
Rodolfo Oliveira | 04 Junho 2011
Artigos - Movimento Revolucionário
O fato é que, na maioria dos casos, essas pessoas mal sabem fazer o que supostamente deveriam estar fazendo, ou seja, quanto pior o compositor, mais "rebeldia" ele produz, quanto pior o professor, mais "cidadania" ele ensina.
Domingo de manhã. O sol espanta a minha preguiça e, mesmo ressacado, resolvo ir à banca de revista da esquina. Dois quarteirões de caminhada. "Preciso de um esporte", penso para consolar-me. Lá chegando, passo os olhos pelas publicações dispostas e logo minha vista repousa sobre uma certa revista cuja edição traz na capa a fotografia do compositor baiano Tom Zé. Abaixo da foto, uma fala: "não faço música, faço rebeldia". Minha indisposição aumenta consideravelmente. Não, não foi pela caminhada. Foi o efeito Tom Zé mesmo.
Sim, meus senhores, explico-me. Se há algo que me desagrada nestas plagas é o fato de que ninguém aqui faz somente aquilo que deveria supostamente fazer. Um professor, no Brasil, não pode se dar ao luxo de ser apenas professor: ele tem que ser um "agente da conscientização". Um artesão não é apenas um indivíduo com perícia em trabalhos manuais, é um "mestre da cultura". Quanto aos pintores, poetas, compositores e cineastas, foi-se o tempo em que eles somente pintavam, escreviam, compunham ou filmavam: todos agora são "agitadores sociais" - seja lá o que diabos isso significa. Mas qual o problema na versatilidade, Rodolfo? Os artistas não são meio camaleônicos? Bem, senhores, o fato é que, na maioria dos casos, essas pessoas mal sabem fazer o que supostamente deveriam estar fazendo, ou seja, quanto pior o compositor, mais "rebeldia" ele produz, quanto pior o professor, mais "cidadania" ele ensina, e assim a coisa vai.
Fico a imaginar o grande Mozart, um dos meus compositores clássicos favoritos, desabafando para o seu círculo íntimo em Viena. "Olha, vocês podem até estar achando que eu estou fazendo música, mas não se enganem: estou a produzir rebeldia". Mas Rodolfo, e a inovação? Você é contra a inovação? Claro que não. Machado de Assis, o único gênio brasileiro, foi um dos homens mais inovadores de toda a humanidade, mas aqui, há uma grande diferença: montado no ombro de gigantes, Machado fez a si próprio um gigante e soube caminhar, serenamente, para a glória. Os "agitadores sociais" do momento não passam de anões em busca de alguma mamata estatal.
O negócio, agora, é pedir dinheiro público para "obras artísticas" e vendê-las como de interesse social. Caso a sociedade não se interesse - oh, reacionários! -, é só aceitar a grana e sair falando mal do público, "que ainda não está pronto para entender a minha proposta artística". Há ainda a opção de se fazer uma greve, reivindicando do governo mais atenção (dinheiro). Todavia, se nada der certo, funde uma ONG e vire, da noite para o dia, um especialista em Amazônia.
Rodolfo Oliveira é jornalista.
Publicado no jornal O Estado.
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