Mídia Sem Máscara
| 19 Janeiro 2010
Internacional - América Latina
Assim será impossível alcançar a paz, por mais boa-vontade que o presidente Uribe tenha, ou por muito efetiva que seja a estratégia de segurança democrática.
No passado domingo, 10 de janeiro, El Tiempo publicou uma denúncia que por suas conotações deveria ser um escândalo maiúsculo; porém, por desgraça e por força de repetição, é algo normal na Colômbia, pois fora de algumas cartas no fórum do leitor, ninguém mais disse nada.
Nem a rádio, nem os noticiários de televisão, nem os programas de opinião abordaram o tema. A explicação é simples e os fatos abundam. Em que pese que a corrupção vulnerabiliza os direitos e limita o desenvolvimento integral dos colombianos, Foncolpuertos, Chambacú, Trasmilenio, a ponte da 92 em Bogotá, a Hidrelétrica do Guavio, o caso da macaca Haller, o roubo de Roberto Soto Prieto, o roubo no estado de Caldas, o desfalque de um controlador de Bogotá que em menos de três anos incrementou seu capital pessoal em mais de três bilhões de pesos e um personagem da mesma cidade investigado por enriquecimento ilícito, os questionados contratos de restaurantes escolares e os contratos da Secretaria de Educação do Distrito, milhares de milhões de pesos investidos em imprestáveis equipamentos de comunicação para a polícia de Bogotá e muitos casos mais, são monumentos à corrupção que nos fizeram perder a capacidade de assombro.
Nessa ordem de idéias, em entrevista com Yamid Amat, o "czar" anti-corrupção Oscar Ortiz, denunciou que após rigorosos seguimentos e investigações seu escritório determinou que, em média, cada suborno para ter acesso à contratação pública equivale a 12,9 por cento, quer dizer, que se se aplica essa porcentagem ao Orçamento de Investimento da Nação durante o ano de 2009, totalizado em 30 bilhões de pesos, significa que 3,9 bilhões de pesos dos impostos que os colombianos pagamos, acabaram nos bolsos de marginais de colarinho branco incrustados em todos os níveis da administração pública.
As cifras indicam que com esse dinheiro teria sido possível construir 2.000 redes de esgotos e 1.800 aquedutos; ter-se-ia custeado a educação de 325 mil crianças; 347 mil famílias das camadas baixas poderiam ter tido acesso ao subsídio de moradia individual de 11,5 milhões de pesos cada um.
Ou, visto de outra forma, a soma total dos subornos equivale a um ano de investimento estrangeiro direto, que em 2007 foi de 3,7 bilhões de pesos. Os analistas do czar Ortiz calculam que 17 por cento dos proponentes vinculados à contratação oferece subornos, e 32 por cento são solicitados pelos servidores públicos.
O mais grave é que há poucas denúncias: 28 por cento dos empresários conhece fatos de corrupção, porém somente 8 por cento os denuncia. O czar Ortiz foi ao ponto. Em primeira instância denunciou um fato aberrante de corrupção que enloda uma das altas cortes. É o caso da licitação do Ministério do Interior e da Justiça para a segurança tecnológica nos cárceres, na qual se apresentaram três propostas. Dois dos ofertantes entraram em acordo para inabilitar o terceiro.
Descoberta a trama, o czar anti-corrupção, a Procuradoria e a Fiscalização incidiram para que o Ministério revocasse a adjudicação antes da assinatura do contrato. Porém, uma estranha ação de tutela sentenciada pelo Conselho Superior da Judicatura obrigou o Governo nacional a assinar o contrato.
A situação é grave e sintomática. O Conselho da Judicatura conhecia o processo e, apesar dos evidentes subterfúgios urdidos pelos corruptos, aprovou a tutela com alguns esclarecimentos (que para o escritório anti-corrupção são pouco convincentes) e ordenou subscrever o contrato de 53.500 milhões de pesos, o qual está em processo de execução.
Se resultar certa a acusação de que uma das três mais altas instâncias do poder jurisdicional está salpicada de corruptos, isto quer dizer que se estragou o sal e que a Colômbia ficou sem credibilidade nas altas cortes, pois outra deste mesmo nível está imersa na política partidarista e constitui um partido de oposição, que faz mandados aos padrinhos políticos de alguns dos magistrados.
Ao que tudo indica, ocorreram outras estranhas manobras no seio da Judicatura. Dentro do enviesado processo contra o Coronel Plazas Vega, este instaurou uma tutela contra alguns magistrados por prováveis irregularidades contra si. A tutela foi entregue ao mesmo Conselho da Judicatura para que se auto-investigasse e por óbvias razões a sentença foi a favor dos denunciados. Como diz Plazas Vega: "De maneira incrível os magistrados da Judicatura, neste caso, foram juiz e parte. Sou sua vítima".
Porém, a corrupção abarca a estrutura nacional, estadual e municipal. Por exemplo, em 762 municípios se detectaram 5.026 irregularidades. Para citar só um caso, a Unidade de Manutenção da Malha Viária administrou dois processos contratuais: um, por mais de 40 milhões de pesos e outro, por mais de 36 bilhões.
O objetivo era o diagnóstico e a manutenção das vias locais. O escritório Anti-corrupção pediu para confirmar o astronômico fornecimento de 20 mil metros cúbicos de asfalto em um contrato. Somente duas ou três empresas podiam ser oferecedoras habilitadas, o qual infere quase em uma escolha pré-determinada.
O czar advertiu que as condições eram excludentes. Inconvenientes tanto para o Estado, porque deixaria de ter mais opções, quanto para o direito dos particulares em trabalhar com os recursos públicos. O processo posterior converteu-se em um jogo de astúcia, entre os interessados no presumível mal feito e o Czar, que cuida de evitar a concretização de uma fraude administrativa para enriquecer ratos.
Poderíamos enumerar não alguns, senão milhares de casos de corrupção e desonestidade. O grave do assunto é que, ao desviar esses dinheiros para as arcas dos criminosos de gravata, os comissários políticos das FARC encontram terreno adubado para enganar os incautos com os argumentos da revolução comunista armada, Chávez terá o caminho mais aberto para financiar e auspiciar seus amigos do Polo para que avancem no projeto de escravizar o país dentro da esfera do socialismo do século XXI e, de remate, crescerá a pobreza com todas as suas implicações.
O triste e anedótico é que, enquanto em outros países a corrupção é castigada até com a pena de morte, na Colômbia faz parte da paisagem e da fauna politiqueira. É algo histórico.
Desde o famoso empréstimo da Inglaterra à Nueva Granada, que foi suficiente até para cumprir parte do propósito pelo qual se subscreveu e que no fundo foi a causa da ruptura definitiva entre Santander e Bolívar, dado o provável desvio de uma parte desses recursos para os bolsos dos amigos de Santander, até a dramática revelação de Oscar Ortiz, a constante da rapinagem dos ladrões do orçamento nacional tem sido a mesma.
Rodovia para a Fazenda La Libertad nos Llanos Orientais, superfaturamentos em medicamentos e equipamentos hospitalares, contratos com Fundações de "amiguinhos", pagamentos e diárias paralelas no Congresso, legalização em papéis de obras públicas inexistentes, salários inflados para pagar pensão a congressistas que muito poucas vezes assistiram às sessões, delegados das FARC que têm salário como congressistas e viajam por conta dos contribuintes para falar mal da institucionalidade colombiana no exterior, magistrados, juízes e procuradores que deixam vencer prazos de processos, acordos por baixo da mesa e mil trapaças mais, refletem que a corrupção é uma característica consubstancial em muitos dos que têm ocupado cargos públicos ao longo de nossa história.
Assim será impossível alcançar a paz, por mais boa-vontade que o presidente Uribe tenha, ou por muito efetiva que seja a estratégia de segurança democrática. E assim, os sacrifícios supremos para defender a Colômbia e a memória daqueles que deram a vida sob a proteção da democracia, passarão para o plano do esquecimento, da indiferença e da ingratidão.
Será que vale a pena os soldados continuarem entregando até a vida para defender a democracia, quando escudado nela marginais de todas as pelagens sangram as finanças públicas e desviam recursos valiosos que, bem utilizados, evitariam que os comunistas incorporassem mais terroristas nas fileiras das FARC?
* Analista de assuntos estratégicos - www.luisvillamarin.com
Tradução: Graça Salgueiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário