Mídia Sem Máscara
Casimiro De Pina | 28 Janeiro 2010
Artigos - Conservadorismo
Fugimos da Verdade como Satã da cruz. O totalitarismo é justamente isso: uma cultura daninha, uma permanente fuga às responsabilidades: "trevas ao meio-dia", como diria A. Koestler.
Karl Popper, o grande filósofo da Sociedade Aberta, disse um dia que lamentaria para sempre a resposta que um estadista britânico deu a Khrushchev, quando este, no cume de uma pretensa superioridade moral, acusou a Inglaterra pela exploração colonial na Índia.
Após explicar que a própria ideia de independência da Índia tinha germinado na Inglaterra, assim como as críticas sobre os abusos e a exploração, Popper tocou num ponto decisivo: a necessidade de EXPLICAR a verdadeira diferença entre o estilo soviético (uma tirania totalitária e genocida, na altura) e o modo de vida britânico, civilizado e perpassado pela "rule of law", cujo maior defensor, no séc. XX, foi um senhor chamado Winston Churchill.
O eminente estadista, com uma resposta frouxa e lateral, não percebeu nada disso.
Perdeu, deste modo, uma oportunidade de ouro.
A resposta política adequada, segundo KP, podia ser esta: "O nosso estadista poderia ter dito isto: 'A diferença entre o seu país e o meu pode ser explicada da seguinte maneira. Imagine que o meu chefe, Sir Anthony, morria subitamente amanhã. Posso assegurar-lhe que, no nosso país, ninguém no seu perfeito juízo consideraria, por um momento que fosse, a possibilidade de eu ter assassinado Sir Anthony. Nem mesmo um comunista britânico o pensaria. Este exemplo ilustra a clara diferença entre os nossos respectivos modos de conduzir estes assuntos. Não se trata seguramente de uma diferença racial, pois podemos ver em Shakespeare que, ainda não há tanto tempo assim, também nós conduzíamos os nossos assuntos dessa outra maneira'".
A lição de Popper é perfeita. Ela mostra-nos que os políticos devem ter, necessariamente, uma função pedagógica, no mais nobre sentido da expressão.
Devem lutar por certos valores, mormente num Estado que se quer de direito, fundado na dignidade humana, enquanto "discurso legitimador" e mediador, saliente-se, do plural diálogo comunitário.
Fruto, talvez, de uma propaganda diária agressiva, ou daquilo que uma socióloga da comunicação, Elisabeth Neumann, chamava simplesmente "a espiral do silêncio"1 (que mais não é, afinal, do que o medo de confrontar a "opinião dominante", remetendo-se o sujeito, em virtude disso, ao silêncio e à insignificância sociopolítica, para não perder amigos e/ou benesses), Fernando Elísio Freire, líder da bancada parlamentar do MPD, leva-me, agora, a actualizar, alterando apenas o necessário, o "lamento de Popper".
Lamentarei para sempre o facto de ele, após a provocação milimetricamente calculada do dr. José Maria Neves, ao encerrar o XII Congresso do PAICV, não ter sabido dar a resposta que se impunha.
Neves, ao estilo dos partidos totalitários, tentou mostrar a superioridade "moral" do PAICV, encostando o MPD à parede. O PAICV, como sabeis, é o "guardião das virtudes" em Cabo Verde...
Assim sendo, JMN exigiu, num lance de boa truculência, um "pedido de desculpas" ao líder do MPD. E o que disse o dr. Fernando? Desconversou. Ouçamo-lo no essencial: "O senhor Primeiro-Ministro já pediu desculpa aos cabo-verdianos pelos 15 anos de partido único?".
Francamente, não era esta a resposta. Até porque é o próprio Freire, aliás de forma errónea, quem afirma que José Maria Neves "não participou" no processo do partido único! Não. Não é isso.
A resposta podia ser a seguinte: "O senhor José Maria Neves, desde o dia 22 de Janeiro de 2006, quando, publicamente, cometeu cerca de meia dúzia de crimes, é um homem indigno para ocupar o cargo que ocupa; pôs em causa, de forma grave, os pilares do Estado de direito e a ordem constitucional dos valores, nada tendo feito, até hoje, para remediar a triste situação em que colocou a República. Como pode um homem dessa estirpe, que desconstruiu a democracia, exigir um 'pedido de desculpas' a quem quer que seja?!".
Se o Freire tivesse dito isso, o dr. José Maria teria, certamente, percebido a diferença.
Mas não o fez. Porque estamos presos, ainda, nas malhas da "cultura totalitária".
Porque fugimos da Verdade como Satã da cruz. O totalitarismo é justamente isso: uma cultura daninha, uma permanente fuga às responsabilidades: "trevas ao meio-dia", como diria A. Koestler.
É neste clima que prosperam todas as fortunas ilícitas; todas as vilanias.
Há, entre nós, uma "banalização do mal" (Hannah Arendt) porque nunca o combatemos.
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