sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

As Agências de Inteligência e as decisões

por Carlos I.S. Azambuja em 04 de janeiro de 2008

Resumo: A ameaça imposta por terroristas que distorcem o Islã não é algo que se possa derrotar apenas com prisões e extermínios.

© 2008 MidiaSemMascara.org


A eficácia de um Serviço de Inteligência depende muito mais daqueles que recebem suas informações, prestando atenção a elas, especialmente quanto contradizem suas opiniões”.

(Markus Wolf, chefe do Serviço de Inteligência Exterior da ex-RDA de 1951 a 1985)

O texto abaixo teve por base o livro “Contra todos os Inimigos”, editora Francis, 2004, de autoria de Richard A. Clarke, ex-Coordenador Nacional para Segurança, Proteção de Infra-Estrutura e Antiterrorismo dos governos George Bush, Bill Clinton e George W. Bush. Richard Clarke foi o próprio gerente da crise, tendo dirigido os acontecimentos que se seguiram ao 11 de setembro de dentro do Situation Room, na Casa Branca. No livro ele narra seus esforços para chamar a atenção do presidente Bush para Osama Bin Laden e o perigo da Al Qaeda, assunto sobre o qual é especialista, e comenta, passo a passo, seu crescente desapontamento diante das desastrosas decisões presidenciais, assessorado por pessoas que desprezavam a Inteligência em favor do “achismo”.

Os que trabalham em Inteligência deveriam ler esse livro, fundamentalmente os que estão em funções de chefia.

Também é instigante saber como Richard Clarke, de sua posição privilegiada, descreve a CIA, o FBI e demais agências de Inteligência dos EUA, bem como os receptores dos relatórios dessas agências encaram e utilizam – ou não utilizam – a Inteligência sobre terrorismo recebida. No livro, no entanto, há mais. Muito mais.

Na noite do próprio dia 11 de setembro, em uma reunião de emergência no Salão Oval da Casa Branca, o Secretário Rumsfeld observou aos presentes que a lei internacional permitia o uso de força somente para impedir futuros ataques e não em represália, não sendo entendido, especialmente pelo presidente, que disse não se importar com “o que diz a lei internacional!”.

O presidente Bush já soubera que alguns dos seqüestradores eram gente que a CIA sabia ser da Al Qaeda e que estava nos EUA. Agora ele queria saber quando a CIA havia divulgado isso ao FBI e o que o FBI havia feito a respeito. As respostas foram imprecisas, mas ficou claro que a CIA tinha levado meses para contar ao FBI que os terroristas estavam no país. Quando o FBI soube, não conseguiu encontrá-los.

Na manhã do dia 12 de setembro a CIA era explícita quanto a Al Qaeda ser culpada pelos ataques, mas Paul Wolfowitz, adjunto de Rumsfeld, não estava convencido. “Era uma operação sofisticada e complicada demais”, disse ele, “para um grupo terrorista ter executado sozinho, sem o patrocínio de um país – o Iraque deveria ter dado ajuda a eles”.

Tive um flash-back de Wolfowitz dizendo exatamente a mesma coisa em abril do ano anterior, quando a administração finalmente havia realizado sua primeira reunião em nível de secretariado sobre terrorismo. Na ocasião, quando insisti sobre uma ação contra a Al Qaeda, Wolfowitz retomou o assunto do ataque de 1993 ao World Trade Center, dizendo que a Al Qaeda não poderia ter feito aquilo sozinha e devia ter tido a ajuda do Iraque. “Eu acho que o foco sobre a Al Qaeda está errado”, ele dissera em abril. “Nós precisamos é ir atrás do terrorismo patrocinado pelos iraquianos”.

Na tarde desse mesmo dia 12 de setembro, o secretário Rumsfeld falava em como ampliar os objetivos da reação e “apanhar o Iraque”. O secretário Powell recuou, insistindo num foco sobre a Al Qaeda. Aliviado por ter algum apoio, Richard Clarke falou, com raiva: “Tendo sido atacados pela Al Qaeda, bombardear o Iraque em represália seria a mesma coisa que invadirmos o México depois que os japoneses nos atacaram em Pearl Harbor”.

Nesse mesmo dia, Donald Rumsfeld disse que o Afeganistão não tinha alvos decentes para serem bombardeados e que se deveria pensar em bombardear o Iraque que, disse ele, “tinha alvos melhores”. Alguns pensaram que Rumsfeld estivesse brincando. Mas ele falava sério.

Por ordem taxativa do presidente foi dada “uma averiguada... de novo se Saddam estava envolvido” (“Examine o Iraque! Saddam!”, disse o presidente), apesar de checado várias vezes se a Al Qaeda tivera algum financiamento ou qualquer ligação real com o Iraque, não tendo sido encontrada nenhuma ligação com o Iraque.

No dia seguinte, em uma reunião oficial sobre o relacionamento entre o Iraque e a Al Qaeda, todas as agências e departamentos concordaram que não havia cooperação alguma entre os dois. Um memorando nesse sentido foi enviado ao presidente, mas nunca houve qualquer indicação de que tenha chegado até ele.

Era um período de nervosismo. Muitas pessoas que agora liam documentos secretos nunca haviam visto essas coisas antes e não podiam distinguir o joio do trigo.

Nesses dias as discussões divagaram. O consenso, porém, era de que a luta contra a Al Qaeda e o Talebã seria o primeiro estágio de uma guerra mais ampla ao terrorismo. Ficou claro também que haveria um segundo estágio.

Pouco percebido pela maioria dos americanos, inclusive pelo seu governo, um novo movimento internacional começou a crescer durante as últimas décadas. A Al Qaeda e grupos e organizações minoritárias islâmicas não buscam o terror apenas por sua causa. O Califado que buscam criar seria uma teocracia severa e repressiva literalmente do Século XIV. Eles perseguem sua criação com horrível violência e medo.

Estava claro que a maior parte do financiamento à Al Qaeda vinha da caridade islâmica e de organizações não-governamentais. Os terroristas movimentavam o seu dinheiro clandestinamente. Foi assim que se descobriu a existência do sistema hawala, um antigo método clandestino que oferece transferências de dinheiro sem movimentação de dinheiro – e, teoricamente, nenhuma pista sobre a papelada. Aliás, não existe papelada.

A CIA sabia pouco sobre o sistema, mas estava aprendendo. O FBI sabia ainda menos e preferiu continuar sem saber. Quando Richard Clarke pediu ao FBI que identificasse algumas hawalas nos EUA, a resposta foi: “O que é um wala?” E quando informados afirmaram que não existia nenhum. No entanto, fazendo uma busca na Internet foram encontrados diversos em Nova York. Apesar dos repetidos pedidos, o FBI nunca soube responder questões básicas sobre o número, localização e atividades dos grandes hawalas nos EUA, quanto mais entrar em ação.

Uma coisa era certa: grande parte do dinheiro vinha da Arábia Saudita. Muitas instituições de caridade sauditas utilizadas pela Al Qaeda eram entidades quase-governamentais utilizadas para espalhar a sua versão do Islã pelo mundo.

Diz Richard Clarke, não ter conseguido entender porque os EUA não conseguiram encontrar um grupo competente de afegãos, americanos, ou outros, que encontrassem e matassem Bin Laden no Afeganistão. Alguns alegam que as autorizações para uso de força letal eram muito confusas e que o “pessoal de campo” não estava seguro dos limites de suas ações. Cada vez que uma objeção era levantada, uma nova autorização era redigida pelas agências envolvidas e aprovada pelo presidente. O presidente não queria abrir a Caixa de Pandora como fizeram os israelenses depois do massacre de Munique. Não queria criar uma política de assassinatos ou uma lista extensa de alvos, mas a sua intenção era clara: matar Bin Laden. Acredito que aqueles na CIA que argumentam que as autorizações eram confusas estavam na verdade tentando encobrir o fato de que foram pateticamente incompetentes em cumprir a missão.

Nos últimos cinco anos – ainda no governo Clinton – a CIA passou a acreditar que a Al Qaeda estava nos EUA. Oficialmente, o FBI afirmou que tinha apenas alguns simpatizantes sob vigilância. Não havia células em atividade e nenhuma ameaça concreta. Muitos dos braços do FBI tinham outro foco. Os interesses em terrorismo internacional se concentravam na investigação do ataque às Torres de Khobar, na Arábia Saudita. A Divisão de Segurança Nacional, que controlava o grupo de antiterrorismo, tinha como focos principais a espionagem da Rússia e da China, o caso do americano Robert Hansen, que era espião dos russos, e o caso de Wen Ho Lee com uma possível espionagem nos laboratórios nucleares americanos.

Nos 56 escritórios regionais (exceto o de NY) a ênfase era no combate ao tráfico de drogas, crime organizado e outras questões, que geravam prisões e processos judiciais. Os responsáveis por esses escritórios não tinham tempo para vigilância e infiltração em possíveis grupos radicais islâmicos.

Nesses escritórios, os agentes responsáveis afirmavam que não havia atividades da Al Qaeda na região mas quase não fizeram investigações. Em vez disso, acompanhavam qualquer organização terrorista que estivesse se fazendo notar. Em alguns casos era o IRA, em outros os Sikhs indianos e, em outros, milícias domésticas. Quando se perguntava “Existe atividade da Al Qaeda na cidade?”, a resposta era quase sempre a mesma: “O que é Al Qaeda? É o tal de Bin Ladan? Ele não apareceu por aqui”.

Outra pergunta: “O que falam sobre a jihad nas mesquitas depois dos cultos? O que conversam? Para que arrecadam dinheiro?” As respostas eram, também, quase sempre as mesmas: “O que é isso? Não podemos ir a uma mesquita ou até mesmo a uma igreja sem um motivo. Também não podemos infiltrar um agente”, ou seja, se não tivessem uma pista inicial não podiam entrar em uma mesquita ou acompanhar reuniões de estudantes. Não podiam bloquear páginas de organizações na Internet a não ser que suspeitassem de algum crime em andamento. Em algumas cidades, os agentes nem sequer tinham acesso à Internet.

Escutas telefônicas ficavam abandonadas meses a fio, pela falta de tradutores de árabe, persa ou afegão. Todas as traduções eram feitas na mesma cidade da escuta. Quando o FBI coletava alguma informação importante e a reportava a Washington, nenhum documento escrito era emitido. O único jeito de saber o que o FBI sabia era em reuniões. Quando o FBI era consultado sobre violações criminais por ajuda ao terrorismo, como criação de sites para arrecadar dinheiro ou outras formas de financiamento, não respondia.

Segundo Richard Clarke, “quando o FBI declarou que não havia sites americanos recrutando pessoas para a jihad ou para treinamento no Afeganistão, ou ainda arrecadando dinheiro para grupos em ação, pedi a Steve Emerson que checasse. Emerson era o autor do livro ‘Jihad Americano’, que havia me informado mais sobre grupos radicais islâmicos nos EUA do que o FBI. Em poucos dias, Emerson me enviou uma longa lista de sites hospedados em servidores dos EUA”.

Para encorajar a cooperação CIA-FBI, depois de 40 anos de hostilidades, as duas organizações trocaram seus chefes no combate ao terrorismo. Dale Watson foi para o FBI depois de chefiar por dois anos o Centro Antiterrorismo da CIA. Ele entendia do riscado.

Dias depois, ao fazermos a revisão do plano Alerta do Milênio, Dale Watson disse: “Temos que demolir o FBI e reconstruí-lo sob a ótica antiterrorista. Estamos correndo atrás de assaltantes de bancos enquanto tem gente planejando matar americanos nos EUA”. Tudo isso ainda no governo de Bill Clinton.

A guerra que os EUA travaram no Afeganistão não foi a operação rápida, livre e irrestrita que poderia ter sido esperada. A guerra foi tratada como uma mudança de regime, em vez de uma tarefa de busca e destruição de terroristas. Mais de um mês depois de os EUA terem iniciado a operação militar no Afeganistão, o líder do Talebã, mulá Omar, que ainda estava vivo e gozando de boa saúde, ordenou que as suas forças saíssem de Kabul e fossem para as montanhas. Nenhum soldado americano foi em perseguição a eles.

Diante das crescentes críticas de que o Pentágono estaria falhando na tarefa de capturar Bin Laden e a liderança da Al Qaeda, o secretário Rumsfeld declarou pouco antes do Natal que, no futuro, as forças americanas realizariam o trabalho, em vez de continuar a contar com os afegãos.

Em março de 2002, embora a Operação Anaconda tenha enfrentado uma séria resistência, ela também não conseguiu capturar os líderes da Al Qaeda. Também, dois anos depois de os EUA terem iniciado operações militares contra o Afeganistão, as forças americanas, os dirigentes da CIA e os afegãos pró-EUA, ainda não tinham encontrado o líder do Talebã, mulá Omar.

A CIA não tinha agido antes porque os gerentes de carreira de sua Diretoria de Operações eram avessos ao risco. Os riscos que eles procuravam evitar eram para eles, para a reputação da CIA e, acima de tudo, para a Ordem de Defesa (DO). Colocar o pessoal da CIA no Afeganistão poderia ter possibilitado que eles se tornassem prisioneiros da Al Qaeda, o que resultaria em uma embaraçosa publicidade. Ajudar a Aliança do Norte poderia ter feito os dirigentes da Ordem de Defesa serem arrastados diante de comissões de fiscalização do Congresso e terem de responder se o dinheiro tinha sido usado para o tráfico de heroína ou para o abuso dos prisioneiros do Talebã. A CIA já fora alvo de críticas quando equipes anteriores da Casa Branca a haviam envolvido na guerra civil do Líbano, na troca de armas por reféns no Irã, no apoio aos militares da América Latina que combatiam o comunismo e atropelavam os direitos humanos. A secretária Madeleine Allbrigth, refletindo sobre a história da CIA, disse-me que era fácil compreender o motivo pelo qual a agência era avessa ao risco: a CIA tem um comportamento passivo-agressivo, disse ela, como se sofresse da “síndrome da criança maltratada”.

Devido à falta de atenção e de recursos, o Afeganistão ainda é um santuário potencial para os terroristas.

O segundo país que necessita de uma significativa ajuda dos EUA para não cair nas mãos de grupos como a Al Qaeda é o Paquistão, que estava hesitante e dividido antes dos atentados de 11 de setembro. A Diretoria de Interserviços de Inteligência das Forças Armadas tinha fornecido armas, homens e informações ao Talebã. O pessoal da Divisão de Integração dos Sistemas de Informações (ISID) havia treinado terroristas da Caxemira nos campos da Al Qaeda e trabalhado com terroristas relacionados com a Al Qaeda para pressionar a Índia. A polícia e os serviços de segurança paquistaneses, por outro lado, aprisionavam membros da Al Qaeda que estavam a caminho do Afeganistão, somente quando recebiam informações específicas das autoridades americanas.

Até hoje Osama Bin Laden é uma figura popular no Paquistão. As mesquitas e escolas madrassas afiliadas no Paquistão ensinam o ódio aos EUA e a tudo que não é islâmico. Grandes áreas do Paquistão ao longo da fronteira com o Afeganistão ainda não controladas pelo governo central oferecem um santuário ao Talebã e à Al Qaeda. Tudo isso é verdade a respeito de um país que também possui armas nucleares.

Mais perturbador ainda são os relatos de que alguns cientistas que trabalharam no programa nuclear do Paquistão também são simpatizantes da Al Qaeda e discutiram o seu conhecimento com a Líbia, o Irã, a Coréia do Norte e a própria Al Qaeda. Nada pode ser mais importante do que impedir a Al Qaeda de pôr as mãos em uma arma nuclear.

Poucos assuntos exigem mais atenção e recursos do que o Paquistão. O Paquistão poderia se tornar aquilo com que Bin Laden sonha: uma nação islâmica que possui armas nucleares, é controlada por radicais e conta com o apoio popular ao fundamentalismo e ao terrorismo. Embora os EUA tenham aumentado em 2001 a ajuda ao Paquistão, ela é inadequada para fazer a diferença necessária, para inverter a tendência no Paquistão e devolver a estabilidade ao país.

A Arábia Saudita é a terceira nação prioritária. Durante vários anos, antes dos atentados de 11 de setembro, os EUA forneceram aos sauditas informações sobre membros da Al Qaeda no Reino. Essas informações pareciam desaparecer em uma caixa preta. O mesmo era verdade com relação aos pedidos dos EUA para que os sauditas investigassem o levantamento de fundos e a lavagem de dinheiro da Al Qaeda no Reino, ou o uso de instituições de caridade sauditas e de organizações não-governamentais por agentes da Al Qaeda. Uma maior cooperação teve lugar após os atentados de 11 de setembro, mas tentativas sauditas sérias e discerníveis de erradicar a Al Qaeda no Reino só pareceram começar depois que a Al Qaeda praticou ataques com caminhões-bomba em Ryad, em 2003. Qual o motivo da inércia, da relutância, da recusa?

Para que os americanos entendam a atitude do governo saudita nos últimos anos, talvez seja mais fácil explicá-la por analogia. Qual poderia ter sido a atitude de Washington se algum país afirmasse que a seita religiosa Opus Dei da Igreja Católica Apostólica Romana estaria envolvida com o terrorismo no mundo inteiro, que ela tinha que ser destruída e seus líderes assassinados ou aprisionados?

O governo saudita é um governo grande e rico que não é conhecido pela transparência ou auditorias rigorosas. Não é crível que qualquer ministro ou membro importante da família real tenha apoiado os ataques aos EUA; na verdade, existem indícios que eles tentaram, sem êxito, controlar Bin Laden. Mas também é preciso ser dito que os ministros e os membros da família real apoiaram conscientemente a disseminação global do Islã wahhabista, dos jihad e de atividades anti-israelitas. Eles não tomaram conhecimento dos ensinamentos antiamericanos dentro e ao redor das mesquitas e escolas onde era pregada a intolerância. Eles substituíram nas escolas sauditas um currículo técnico ao estilo ocidental por um ensino wahhabista voltado para a religião. Uma vez que a família real e seu governo não eram os alvos óbvios, alguns sem dúvida fizeram vista grossa para muitas coisas que tornaram mais fácil a vida da Al Qaeda.

Depois dos ataques com caminhões-bomba em Ryad, em 2003, parece que os serviços de segurança sauditas receberam ordens para erradicar a Al Qaeda do Reino. Os especialistas norte-americanos de combate ao terrorismo não ficaram surpresos ao constatar que os serviços de segurança sauditas se envolveram em trocas de tiros e perseguições de rua. Eles descobriram grandes esconderijos de armas que não se destinavam ao jihad em outros lugares ou a ataques a instalações americanas no Reino, mas quase certamente à guerra de guerrilhas na Arábia Saudita, guerra essa que visava substituir a Casa de Saud.

O futuro e a estabilidade da Arábia Saudita é de fundamental importância para os EUA; a política norte-americana não pode se limitar a reduzir a dependência daquele país. O governo americano deveria se envolver em vários níveis para desenvolver fontes de informação a respeito do que realmente está acontecendo dentro do Reino e criar os meios para influenciar o futuro da Nação. Em vez disso, o presidente Bush optou por fazer um discurso em Washington a respeito da importância da democracia para os países árabes. As palavras proferidas, por terem vindo de um presidente amplamente odiado no mundo árabe por ter invadido o Iraque e tentado impor naquele país uma democracia ao estilo americano, pouco fizeram para estimular uma reação positiva. Na verdade, como os EUA aparentemente acreditam ser capazes de impor a sua ideologia mediante a violência da guerra, muitas pessoas no mundo árabe se perguntam como os EUA podem criticar os fundamentalistas que também buscam impor sua ideologia por meio da violência.

O Irã, o quarto dos países prioritários, é tão importante quanto os outros na guerra contra o terrorismo. Os comentários do governo Bush de que o Iraque era uma Nação que apoiava o terrorismo, inclusive a Al Qaeda, e que estava desenvolvendo armas de destruição em massa, adequavam-se perfeitamente ao Irã. Foi Teerã que financiou e dirigiu o Hezbollah (organização muçulmana radical no Líbano) desde o início. Foi o Hezbollah que matou centenas de americanos no Líbano (o quartel dos fuzileiros) e na Arábia Saudita (as Torres de Khobar). O Hezbollah, com apoio iraniano, também matou centenas de israelenses. A ramificação egípcia da Al Qaeda, o Jihad Egípcio Islâmico, operava abertamente em Teerã. Não é coincidência de que muitos membros da direção da Al Qaeda, ou Conselho de Shura, tenham atravessado a fronteira com o Irã depois que as forças americanas finalmente invadiram o Afeganistão.

Enquanto os inspetores da ONU (e posteriormente as tropas americanas) não conseguiram encontrar armas de destruição em massa no Iraque, a Agência Internacional de Energia Atômica da ONU encontrou indícios de que o Irã estaria secretamente mais envolvido com o terrorismo do que o Iraque.

Existem forças democráticas fortes e ativas no Irã. Sem destruir a credibilidade dessas forças democráticas tornando-as agentes da CIA, os EUA, trabalhando em conjunto com outras nações, deveria ser capaz de fortalecer essas forças no Irã a ponto de elas poderem tomar o controle do equipamento de segurança dos defensores da ideologia. Não será uma tarefa fácil e exigirá a dedicação persistente das altas esferas americanas, dedicação essa semelhante à que está sendo oferecida ao Iraque.

A liderança dos EUA caiu na armadilha, consumando os receios de numerosas pessoas, tanto dentro do país quando no mundo. Em vez de tentar cultivar um consenso global unificado para destruir as bases ideológicas do terrorismo, efetivamente efetuou um grande ataque através de uma aventura militar amplamente unilateral e totalmente irrelevante contra uma Nação muçulmana. Os EUA deliberadamente desconsideraram conselhos dos amigos árabes e dos aliados da OTAN e buscaram a segurança através do uso da força militar. Mas isso os deixou menos seguros.

O consenso contra o terrorismo foi abalado por excessos como a prisão de cidadãos americanos nos EUA, e o fato de eles terem sido considerados “inimigos” que não teriam direito a advogados e a um processo justo. O Secretário de Justiça em vez de nos aproximar, conseguiu convencer grande parte do país de que as modificações necessárias na Lei Patriota eram na verdade o início do fascismo. Em vez de abordar de um modo sério e sistemático as verdadeiras vulnerabilidades na segurança do país, o governo sucumbiu a pressões políticas para organizar agências no meio da “guerra contra o terrorismo” e criou uma burocracia impossível de ser manejada. O governo financiou a aquisição com fins políticos de um armamento de alta tecnologia para pequenas cidades, enquanto policiais e bombeiros foram dispensados nas grandes cidades.

Os atentados de 11 de setembro apagaram as lembranças do processo singular através do qual George Bush tinha sido eleito meses antes. Agora, enquanto posava com um braço ao redor de um bombeiro de Nova York prometendo capturar os responsáveis pela destruição do World Trade Center, ele era o presidente de cada americano. O seu nome nas pesquisas de opinião ascendeu às alturas. Ele teve uma oportunidade única de unir o país, de aproximar os EUA de seus aliados ao redor do mundo para combater o terrorismo e o ódio, para eliminar a Al Qaeda, para acabar com as nossas vulnerabilidades, para fortalecer nações importantes ameaçadas pelo radicalismo. “Ele não fez nada disso. Ele invadiu o Iraque”, escreveu Richard Clarke.

Após os atentados de 11 de setembro não havia mais desculpas para que se deixasse de eliminar a ameaça representada pela Al Qaeda e seus clones. Em vez de tratar essa ameaça com a necessária atenção que ela exigia, os EUA saíram pela tangente, indo atrás do Iraque, seguindo um caminho que os enfraqueceu e fortaleceu a geração seguinte da Al Qaeda, porque enquanto se tentava destruir a essência da organização Al Qaeda, ela sofria uma metástase. Foi como a Hidra de Lerna, fazendo nascer novas cabeças. Houve muito mais ataques terroristas importantes depois dos atentados de 11 de setembro do que nos trinta meses anteriores.

O presidente Bush pediu à CIA, logo depois dos atentados de 11 de setembro, a identidade ou quadros com a descrição dos “principais dirigentes da Al Qaeda”, como se lidar com eles fosse semelhante a um exercício da Harvard Business School em uma tomada hostil de poder. Ele anunciou suas intenções de avaliar o progresso na guerra contra o terrorismo examinando as fotos dos que fossem mortos ou feitos prisioneiros. Escreveu Richard Clarke: “Sou incomodado pela perturbadora imagem do presidente Bush sentado ao lado de uma aconchegante lareira na Casa Branca desenhando uma dúzia de X vermelhos no rosto do antigo Conselho Diretor da Al Qaeda, e logo a seguir talvez na face de Osama Bin Laden, enquanto os novos clones da Al Qaeda atuam nas ruas estreitas e escuras e nos prédios sombrios de Bagdá, Cairo, Jacarta, Karachi, Detroit e Newark, usando as cenas do Iraque para alimentar ainda mais o ódio aos EUA, recrutando milhares de pessoas cujos nomes nunca saberemos, cujos rostos nunca estarão nos pequenos quadros do presidente Bush”.

A Nação precisava de uma liderança ponderada capaz de lidar com os problemas básicos refletidos pelos atentados de 11 de setembro: uma ideologia islâmica em ascensão, verdadeiras vulnerabilidades de segurança na civilização global altamente integrada. Em vez disso, os EUA obtiveram reações irrefletidas, respostas ineptas e uma rejeição da análise a favor do achismo. Isso deixou o país menos seguro e condenado a pagar um preço durante muito tempo.

A ameaça imposta por terroristas que distorcem o Islã não é algo que se possa derrotar apenas com prisões e extermínios. É necessário trabalhar com os amigos muçulmanos para criar uma alternativa ativa para a perversão terrorista popular do Islã. Não é algo que se possa fazer no prazo de um ano ou de uma década. Não se pode sossegar, achando um sucesso a liquidação da “maioria dos líderes conhecidos da Al Qaeda”, ou porque nenhum ataque grande ocorreu nos últimos tempos. A Al Qaeda continua recrutando, auxiliada pela invasão e ocupação do Iraque. Enquanto o tempo corre, novos seguidores da Al Qaeda vão ganhando força em muitos países. O tempo está passando e, no entanto, perduram as vulnerabilidades.

Apesar do 11 de setembro e de alguns ataques da rede da Al Qaeda ao redor do mundo desde então, a maioria dos norte-americanos e daqueles que estão no governo norte-americano ainda acha que a grande superpotência não pode ser derrotada por uma gangue de fanáticos religiosos que querem teocracia global, um Califado do Século XIV.

O achismo, todavia, insiste. Em maio de 2003, o presidente Bush declarou que alguns caminhões, fotografados apenas algumas semanas depois da invasão do Iraque eram “laboratórios móveis”. “Encontramos as armas de destruição em massa”, disse George Bush. Esse achismo foi repetido por funcionários do primeiro escalão do governo durante meses, embora agentes da Inteligência americana tivessem recebido as conclusões de um documento do Pentágono esclarecendo que a acusação era falsa. Só recentemente (Jornal do Brasil de 13 de abril de 2003) foram reveladas as conclusões da investigação do Pentágono, de que os caminhões fotografados não eram apropriados para conduzir armas biológicas, segundo documento elaborado por nove especialistas civis em armas biológicas, americanos e britânicos.

Essas informações – ou melhor, o achismo - sobre os laboratórios móveis foram entregues à ONU.

O inimigo não deve ser subestimado nunca. Ele está numa empreitada de longo prazo. É esperto e paciente. Derrotá-lo demandará criatividade e imaginação, assim como energia. Essa será a luta dos amigos da liberdade e das liberdades civis em todo o mundo.

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