quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O legado do fascismo: o liberalismo americano

por Daniel Pipes em 30 de janeiro de 2008

Resumo: Entender o fascismo em sua total extensão requer colocar de lado a distorção do termo feita por Stalin, olhar além do Holocausto e retornar a um período que pode ser chamado de “momento fascista”, ocorrido nas primeiras décadas do século passado.

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Fascismo liberal soa como um oxímoro – ou um termo para os conservadores insultarem liberais [*] . Na realidade, foi um termo cunhado por ninguém menos do que o respeitado e influente escritor socialista H.G. Wells, que em 1931 exortava correligionários progressistas a tornarem-se “fascistas liberais” e “nazistas iluminados”. De verdade.

Suas palavras, de fato, encaixam-se num padrão muito mais amplo de fundir socialismo com fascismo: Mussolini era uma proeminente figura socialista que, durante a I Guerra Mundial, afastou-se do internacionalismo em favor do nacionalismo italiano e chamou a mistura de fascismo. De modo semelhante, Hitler liderava o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães.

Esses fatos têm efeito desagradável, pois contradizem o espectro político que deu forma a nossa visão de mundo desde o final dos anos 1930; visão que coloca o comunismo na extrema esquerda, seguido do socialismo, o liberalismo ao centro, o conservadorismo, e só então o fascismo, na extrema direita. Mas este espectro, nota Jonah Goldberg em seu brilhante, profundo e original novo livro, Liberal Fascism: The Secret History of the American Left from Mussolini to the Politics of Meaning [Fascismo Liberal: a História Secreta da Esquerda Americana, de Mussolini à Política de Significado], reflete o uso que Stalin fazia de fascista como um epíteto para desacreditar a quem quer ele desejasse – Trotsky, Churchill, camponeses russos – distorcendo a realidade. Já em 1946, George Orwell notava que fascismo havia degenerado, significando “algo não desejável”.

Entender o fascismo em sua total extensão requer colocar de lado a distorção do termo feita por Stalin, e também olhar além do Holocausto e retornar ao período que Goldberg chama de “momento fascista”, mais ou menos entre 1910 e 1935. Sendo uma ideologia estatista, ou estatizante, o fascismo usa a política como ferramenta para transformar a sociedade de indivíduos atomizados num todo orgânico. Assim o faz pela exaltação do estado acima do indivíduo, do conhecimento especializado acima da democracia, do consenso à força acima do debate e do socialismo acima do capitalismo. O fascismo é totalitário no sentido original que Mussolini dava ao termo: “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. A mensagem do fascismo se resume a “Chega de conversa, mais ação!”. Seu apelo duradouro é fazer com que as coisas aconteçam; é obter resultados.

Em contraste, o conservadorismo propugna governo limitado, individualismo, debate democrático e capitalismo. Seu apelo é a liberdade e deixar os cidadãos em paz.

O triunfo de Goldberg é estabelecer o parentesco e semelhança entre comunismo, fascismo e liberalismo[**]. Todos derivam da mesma tradição que remonta aos jacobinos da Revolução Francesa. Seu espectro político revisado enfocaria o papel do estado, indo do libertarianismo ao conservadorismo e ao fascismo em suas muitas formas – americana, italiana, alemã, russa, chinesa, cubana e assim por diante.

Tal como sugere essa listagem, o fascismo é flexível; diferentes iterações diferem em especificidades, mas partilham dos mesmos “impulsos emocionais e instintivos”. Mussolini adaptou o programa socialista para enfatizar o estado; Lênin fez dos trabalhadores a vanguarda do partido; Hitler colocou raça na equação. Se a versão alemã era militarista, a americana (que Goldberg chama de fascismo liberal) é quase pacifista. Goldberg cita o historiador Richard Pipes quanto a esse ponto: ”O bolchevismo e o fascismo eram heresias do socialismo”. Ele prova esta confluência de duas maneiras:

Primeiramente, ele oferece uma “história secreta da esquerda americana”:

  • O Progressivismo de Woodrow Wilson caracterizava-se por um programa “militarista, fanaticamente nacionalista, imperialista e racista”, tornado possível pelas exigências da I Guerra mundial.
  • O “New Deal fascista” de Franklin D. Roosevelt erigiu-se sobre e estendeu o governo de Wilson.
  • A Great Society de Lyndon Johnson estabeleceu o moderno welfare state, “a insuperável fruição” (até agora) desta tradição estatista.
  • Os viçosos revolucionários da New Left nos anos 1960 realizaram “uma atualização americanizada” da Old Right européia.
  • Hillary Clinton espera “inserir o estado profundamente na vida das famílias”, um passo essencial do projeto totalitário.

Resumindo quase um século de história, se o sistema político americano tradicionalmente encorajava a busca da felicidade, “mais e mais de nós queremos parar de persegui-la e a queremos entregue em casa”.

Em segundo lugar, Goldberg disseca os programas liberais [i.e., de esquerda] – raciais, econômicos, ambientais, e até mesmo o “culto ao orgânico” – e mostra as afinidades destes com os programas de Mussolini e Hitler.

Se este resumo soar entorpecente ou estarrecedoramente implausível, leia Liberal Fascism inteiro, por suas citações vívidas e documentação convincente. O autor, até agora conhecido como um polemista inteligente e muito bem preparado para disputas, provou-se um pensador político de primeira ordem.

Além de oferecer uma maneira radicalmente diferente de entender a política moderna, na qual fascista não é uma calúnia maior do que socialista, o extraordinário livro de Goldberg dá aos conservadores as ferramentas para responder a seus atormentadores esquerdistas e por fim, partir para o ataque. Se os esquerdistas podem levantar eternamente o fantasma de Joseph McCarthy, os conservadores podem contra-atacar com Benito Mussolini.



[*] NT: Para maiores detalhes sobre a terminologia americana do Liberalismo, ver: http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=6215&language=pt

[**] NT: Aqui não há qualquer confusão; o liberalismo europeu tem sua origem no movimento revolucionário. Se mais tarde se une aos conservadores europeus e adota contornos mais conhecidos através do liberalismo econômico, não há como negar as origens revolucionárias.

Publicado pelo Jerusalem Post. Também disponível em danielpipes.org

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