terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Desarmamento: fatos e ficção

por Peter Hof em 22 de janeiro de 2008

Resumo: A Campanha do Desarmamento foi, como dizem os antiarmas, uma campanha de sucesso?

© 2008 MidiaSemMascara.org


Depois de muitos anos vivendo no exterior, retornei ao Brasil no terceiro trimestre de 2003. Era o auge da campanha do desarmamento e a chamada "grande imprensa", com raras exceções, despejava diariamente todo tipo de informações, estatísticas, números ou mesmo opiniões de qualquer pessoa que tivesse algo a dizer contra o direito do cidadão decente de ter uma arma de fogo em sua casa, para defesa de si e de sua família. E uma coisa chamou-me a atenção: eram chutes grosseiros, números que não resistem a mais simples das análises. De imediato tomei duas providências:

1. Comecei a colecionar recortes de jornais e revistas, bem como o que aparecia na internet sobre tudo que se referia a armas de fogo. Hoje, disponho de um volumoso arquivo, composto de cinco pastas;

2. Iniciei uma pesquisa sobre a origem das mortes causadas por armas de fogo, isto é, separando mortes causadas por cidadãos sem passado criminal daquelas que, de alguma forma, eram conseqüência de ações de indivíduos fora-da-lei. Essa pesquisa, cujos resultados parciais já apresentei aqui – vide meu artigo intitulado DESARMAMENTO: FATOS CONTRA INVENCIONICES – hoje se encontra em seu terceiro ano e em breve pretendo publicar os resultados.

Uma das informações mais repetidas tanto pelos antiarmas, como pela imprensa, é a de que no Brasil existem 15 milhões de armas nas mãos de cidadãos – o que, em minha opinião, não tem nenhum fundamento.

Sem dúvida, trata-se de um número tirado da cartola pelos antiarmas, como parte de sua estratégia de assustar a população e pressionar o governo para salvar o grande fiasco que acabou sendo o recolhimento de armas de fogo. A afirmação, que se popularizou pela repetição, não resiste à prova dos números.

Em primeiro lugar vamos ver o que ocorre nos Estados Unidos, o país com um dos menores controles sobre a posse de armas de fogo do mundo. Segundo pesquisa realizada por L. Hepburn, M. Miller, D. Azrael e D. Hemenway, intitulada The US gun stock: results from the 2004 National Firearms Survey, e publicada pelo Department of Health Policy and Management, Harvard School of Public Health, Boston, Massachusetts, USA, existe ao menos uma arma de fogo em 38% (trinta e oito por cento) dos lares americanos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2005-2006 – IBGE, existem no Brasil 54,6 milhões de domicílios, dos quais 45,4 milhões têm água suprida por rede de abastecimento e 38,5 milhões têm rede coletora de esgoto ou fossa séptica. Vamos usar somente as residências servidas por rede de esgoto, presumindo-se que as que não dispõem de tal serviço são favelas ou comunidades carentes, cujos moradores, cidadãos honestos e trabalhadores, não têm dinheiro para empregar numa arma.

Ao se dividir os 15 milhões de armas pelos 38,5 milhões de domicílios, chega-se à surpreendente conclusão que em 38,9% dos domicílios brasileiros existe uma arma de fogo! Qualquer pessoa com inteligência mediana sabe perfeitamente que um país como os Estados Unidos, onde não há praticamente nenhuma restrição à compra, posse e mesmo porte de uma arma de fogo, não pode apresentar o mesmo número de armas nas residências que o Brasil. Quem já comprou uma arma no Brasil – e estou falando da década de setenta do século passado – sabe as dificuldades para se obter o registro de uma arma de fogo. O processo passava pela vasta documentação requerida e a restrição quanto ao calibre, tipo e quantidade de armas que um cidadão poderia ter.

No estado da Geórgia, onde eu morava, todo o requerido era ter carteira de motorista do estado por mais de noventa dias, preencher um documento impresso em papel amarelo, e o comerciante fazer a consulta online ao FBI. O cidadão pode entrar num gun show, comprar quantas armas quiser, do calibre que quiser e depois parar numa loja da Sports Authority, encher a mala do carro de munição e ir para sua casa.

E aí, um antiarmas qualquer saca da cartola um número mágico, que lhe é altamente conveniente na hora de negociar verbas com uma fundação ou governo estrangeiro, ou mesmo descolar mais algum da cornucópia gerida pela turma do “Grande Apedeuta” e, contando com o auxílio de uma imprensa parcial, repete cem vezes a bobagem, até ela se tornar um número "verdadeiro".

O Small Arms Institute, uma organização antiarmas com sede em Genebra, Suíça, publicou um gráfico com a quantidade de armas em mãos de cidadãos em diversos países, inclusive o Brasil. Segundo eles, no Brasil existem 17 milhões de armas em mãos de cidadãos. Se isso for verdade, e tenho certeza que não é, 44,1% dos domicílios brasileiros têm uma arma de fogo. Dá para acreditar?

Foi então que resolvi buscar uma resposta séria para tal questão. O primeiro passo foi descobrir o número oficial de armas registradas no Brasil. Isso parecia ser muito fácil, afinal a compra de uma arma de fogo sempre, mesmo anteriormente à Lei 10.826, exigia seu prévio registro na polícia antes de sua entrega ao comprador. Assim, era só consultar os dados do Sistema Nacional de Armas – SINARM – órgão do Ministério da Justiça, e ter o número. Ledo engano! A informação não está disponível no site da Polícia Federal na internet. O que encontrei foi um dado publicado na Folha Online, de 23/10/2005, onde a Polícia Federal informava que existia, naquela data, no Brasil, 3.927.432 armas de fogo registradas.

Para efeito de cálculo, vamos assumir que 20% dessas armas sejam de empresas privadas de segurança. O número é bastante realista, de vez que existem no Brasil aproximadamente 800 mil pessoas trabalhando em empresas de segurança privada e transporte de valores. Restam assim 3.141.946 armas devidamente registradas nas mãos de cidadãos. Vamos ainda assumir que, para cada duas armas registradas, exista uma sem registro, tendo sempre em mente que não estamos falando das armas em mãos de traficantes e outros foras da lei. Mesmo assim, chegamos a 1,5 milhão de armas não registradas, o que a meu ver é um número extremamente exagerado. Num período de vinte anos, isto equivaleria dizer que, a cada ano, 78,5 mil armas de fogo fossem herdadas, ou que um considerável número de cidadãos de bem optou por comprar armas contrabandeadas ou vendidas no país de forma ilícita.

Repetindo o processo descrito acima, chegamos à conclusão que existe no Brasil 12,2% de domicílios com uma arma de fogo. Insisto que, embora exagerado, é bem menos do que o chute dos 15 milhões de armas.

E isso põe por terra outra das historinhas inventadas pela turma do "Estupra, mas não mata": a de que a campanha para a entrega voluntária de armas foi um sucesso. Será mesmo que foi? A campanha se estendeu por 14 meses, com amplo apoio do Governo, das Organizações Globo, das ONGs antiarmas e da imprensa em geral, conseguindo recolher aproximadamente 450 mil armas, sendo que uma parcela considerável era de armas obsoletas, sem a mínima condição de uso. Se os números dos antiarmas estiverem certos, foram recolhidas apenas 3% das armas alvo da campanha. Se meu número for o correto, 9,5% das armas alvo foram entregues pelos cidadãos.

A Campanha do Desarmamento foi, como dizem os antiarmas, uma campanha de sucesso? Transfiro a decisão com uma pergunta: o prezado leitor chamaria de bem-sucedida uma campanha para vacinação de crianças contra a paralisia infantil que tivesse a duração de 14 meses e que conseguisse apenas vacinar 3% ou mesmo 9,5% da população de crianças do país?

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