quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Capitalismo sem risco e o Estado-babá

por João Luiz Mauad em 23 de janeiro de 2008

Resumo: O banco, quando empresta recursos, deve estar sujeito a riscos, como todo empresário está, seja qual for o ramo em que atue. Menos no Brasil, é claro, graças a ação do governo petista.

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Recentemente, o governo resolveu alterar a regulamentação dos chamados créditos consignados – empréstimos pessoais cujas amortizações e juros são descontados do salário ou pensão do devedor e entregues pela fonte pagadora diretamente ao credor. Graças a isso, e ao destaque dado pela imprensa, fiquei sabendo de certos detalhes que desconhecia quando toquei no assunto, de passagem, algumas semanas atrás.

Antes de mais nada, vamos ver alguns números que falam por si: de acordo com o Banco Central, os empréstimos consignados já representam 57% de todo o volume de crédito pessoal no país. Regulamentadas em 2003, logo no início do primeiro Governo Lula, essas operações já somavam aproximadamente R$ 64 bilhões em novembro passado, sendo que 87% (um percentual muito sugestivo) estão concentrados em pensionistas do INSS e servidores públicos.

A existência desse tipo de negócio, da forma como foi regulamentado no país, é uma verdadeira vergonha, além de um atentado monumental contra a liberdade. De um lado, coloca nas mãos dos banqueiros o presente, ou melhor, o “mimo” com que eles sempre sonharam, desde os primórdios dessa profissão: a possibilidade de operar num mercado praticamente sem risco. De outro, trata os tomadores, indistintamente, como indivíduos absolutamente incapazes de administrar os seus próprios negócios.

A atividade bancária, como ademais qualquer outra, envolve riscos. Grosso modo, ganha mais quem consegue captar recursos a preços (juros) mais baixos e repassá-los pelo melhor preço (juros) possível. A diferença entre a captação e a aplicação dos recursos chama-se spread, com o qual o banco deve pagar todas as despesas, salários, encargos, impostos, etc., e ainda remunerar os acionistas (lucro). Entre todos os custos, um deles, em particular, devido a sua imprevisibilidade e difícil mensuração, sempre foi o pesadelo de qualquer banqueiro, aqui ou alhures: a inadimplência.

Na média, o nível de inadimplência dos financiamentos a pessoas físicas no país, para operações normais de mercado, anda pela casa dos 7%. Essa seria uma variável (talvez a mais importante) que o banco deveria levar em consideração no momento de arbitrar a taxa de spread mínimo com que vai trabalhar no segmento de crédito pessoal. É também por conta do risco de inadimplência que o banco deve tomar cuidados extremos com análise de cadastros e requisição de garantias antes de fechar qualquer operação.

Em toda atividade empresarial, o risco é – e deve ser sempre – um fator inerente ao negócio. O banco, quando empresta recursos, deve estar sujeito a ele, como todo empresário está, seja qual for o ramo em que atue. Ora, se eu empresto dinheiro a você, estimado leitor, e recebo as contraprestações diretamente do seu empregador, descontadas do seu salário, sem que você possa interferir, a possibilidade de inadimplência cai quase a zero, restando apenas um risco residual de você vir a ser demitido.

Pois bem, como bom concorrente das "Organizações Tabajara" que é, o Governo Lula pôde, desde a regulamentação do famigerado crédito consignado, dizer aos banqueiros de Pindorama, sem medo de errar: "seus problemas acabaram". O devedor, mesmo que queira, jamais deixará de honrar o compromisso, a menos que seja demitido do emprego, risco esse inexistente no caso de servidores públicos e pensionistas do INSS. Não admira, portanto, que esses dois grupos sejam responsáveis por 87% das operações, enquanto os trabalhadores da iniciativa privada, cujo risco de demissão é real, ficam com o resto.

Mas há aqui um outro aspecto que torna a situação dos banqueiros ainda mais confortável. A empresa ou entidade pagadora, ao proceder o desconto, passa a ser legalmente fiel depositária dos recursos, razão pela qual, se não repassá-los ao banco, pode ser processada criminalmente, por apropriação indébita.

Tudo isso torna a simples existência desse tipo de operação uma verdadeira vergonha, especialmente quando se sabe que os juros cobrados andam pela casa dos 3% a.m., enquanto a taxa SELIC, que serve de base para remunerar a captação dos recursos, está abaixo de 1% a.m. É ou não é um negócio da China?

Aliás, é engraçado como uns e outros, mesmo contra todas as evidências, adoram colocar a culpa dos altos lucros dos bancos na taxa SELIC, arbitrada pelo BC e utilizada como instrumento de política monetária contra a inflação, mas fecham os olhos para algumas das reais – e vergonhosas – causas.

Um outro aspecto, porém, muito mais grave, chama a atenção nesse imbróglio do crédito consignado: é a cara-de-pau e a sem-cerimônia com que burocratas e políticos se intrometem nos assuntos privados do cidadão, num enorme atentado contra a liberdade. Vejamos: ao regulamentar mais essa jabuticaba tupiniquim, o governo determinou que os tomadores do empréstimo (eu, você e as torcidas de Flamengo e Corinthians) só poderiam comprometer até 30% do salário ou pensão com o pagamento das parcelas do financiamento. Muitos dirão não ver nada demais nisso. Acharão normal que os burocratas se preocupem com o excessivo endividamento do povo. Entretanto, pense bem: hoje, eles determinam quanto nós podemos comprometer da nossa renda para amortizar dívidas. Ninguém acha nada demais! Amanhã, provavelmente (pois é da natureza do ser humano tentar impor seu poder e suas idéias sobre os demais), vão nos dizer em quê e onde devemos gastar ou aplicar nosso dinheiro. Mais uma vez, ninguém reclamará, exceto uma meia-dúzia de liberais radicais. Mais na frente, nada garante que eles não vão querer nos dar uma fórmula mágica de como devemos educar os nossos filhos. Seria o cúmulo do absurdo! O Estado-babá levado às últimas conseqüências, eu bem sei. Mas aí, caro leitor, será tarde, pois já teremos entregado nossa liberdade a eles... De mão beijada.

Paro por aqui, pois este assunto deixou-me enjoado.

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