Mídia Sem Máscara
| 17 Novembro 2010
Artigos - Direito
A principal razão a favor do voto livre é a mesma a favor da democracia: todas as pessoas devem ter o direito e a responsabilidade de tomar suas próprias decisões, assim como de escolher quais decisões devem tomar.
O resultado da eleição presidencial dividiu eleitores brasileiros entre a metade sul e a metade norte do país. O que se viu nas redes sociais online nos dias que se seguiram à vitória de Dilma Rousseff foi algo próximo de uma guerra civil virtual com xingamentos de ambos os lados. Tudo porque eleitores de Serra do Sul e do Sudeste acusam Norte e Nordeste de ter votado por ignorância, quando não trocado o voto por assistencialismo.
O voto mal informado não é uma exclusividade geográfica. O problema não é de onde vem o voto, mas a falta de preparo de quem o deposita. Apontar o dedo para essa ou aquela região acirra os ânimos a ponto da estupidez, mas não contribui em nada para melhorar a qualidade do voto.
A bandeira que pode unir o país é a campanha a favor do voto inteligente - uma campanha envolvendo escolas e universidades, famílias e igrejas, mas que também inclua uma reforma política fundamental que continua sendo adiada: a instituição do voto livre.
O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) retomou o debate a favor do voto livre, mencionando seu projeto de emenda constitucional escrito em 2003. A emenda consistiria em abolir os dois incisos do artigo 14 da Constituição Federal, que estabelecem a obrigatoriedade do voto para a população alfabetizada entre 18 e 70 anos de idade. A justificativa para a liberdade do voto firma-se na vontade espontânea do eleitor:
"Não há como deixar de reconhecer que num regime de democracia plena o sufrágio universal, direto e secreto, a opção eleitoral é um direito deferido ao cidadão, mas este direito tem caráter subjetivo, o que quer dizer que pode ser usufruído ou não, a depender da vontade soberana de quem o detém. O titular de um direito subjetivo pode fazer ou não fazer uso dele e é isso o que caracteriza a livre manifestação da vontade".
A linguagem não é impecável. Indica que quem não vota está abrindo mão de um direito subjetivo, quando, na verdade, a inação também é uma forma de exercício desse mesmo direito. Mas o fundamento é difícil de contestar: o estado de direito deve começar pelo direito ao voto, não pela obrigação de ir às urnas.
Quem critica a liberdade para votar sugere que essa opção resultaria em uma democracia mais empobrecida, já que o voto livre diminuiria a participação total do eleitorado. A afirmativa procede, mas não a preocupação.
Cientistas políticos entendem que a autosseleção voluntária do eleitorado produz uma média de eleitores melhor educados e mais informados sobre política, economia e ciência. Seus votos têm melhor qualidade porque são menos movidos por imagens, chavões, personalidades e clientelismo, e mais por conhecimento sobre políticas públicas. Em seu livro The Myth of the Rational Voter [O Mito do Eleitor Racional], o economista Bryan Caplan demonstra que, quando lhes é dada a liberdade de votar, as pessoas mais apáticas aos assuntos políticos preferem abster-se, o que aumenta proporcionalmente a participação de eleitores mais interessados e, por isso, mais preparados.
Também se enganam os que pensam, conforme publicação da Consultoria Legislativa do Senado Federal, que "o exercício do voto é fator de educação política do eleitor".
A falta de educação política do eleitorado é explicada por um fenômeno chamado "ignorância racional": porque não arcamos diretamente com os custos das nossas decisões eleitorais (ou não da forma como somos afetados pelas nossas decisões individuais), não gastamos nosso tempo e inteligência procurando aumentar nosso conhecimento sobre economia política ou privatizações. É por isso que não analisamos as propostas políticas da mesma forma que comparamos preços de modelos de carros ou pesquisamos as vantagens de cada plano de saúde. Nem Serra nem Dilma disponibilizaram seus programas de governo na internet e ninguém reclamou.
Nenhuma democracia é capaz de eliminar a ignorância racional (a não ser diminuindo a quantidade de decisões coletivas, mas essa é outra história). Só que nosso sistema amplia a ignorância racional obrigando mesmo os menos informados a contribuírem com o seu voto. No Brasil, são os eleitores mais educados que acabam não votando, porque entendem que a punição por não votar é insignificante.
Caplan reconhece que nos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório, "a compreensão de política do eleitor médio é na melhor das hipóteses desapontadora". Ainda assim, por causa do voto livre, pesquisas apontam que "o eleitor médio é um cidadão acima da média".
A principal razão a favor do voto livre é a mesma a favor da democracia: todas as pessoas devem ter o direito e a responsabilidade de tomar suas próprias decisões, assim como de escolher quais decisões devem tomar. Acreditar, como diz a mesma publicação do Senado Federal citada acima, que "o Estado é o tutor da consciência das pessoas, impondo sua vontade à vontade do cidadão" é acreditar que nossa vontade deve ser moldada por políticos e generais. A existência de uma democracia livre pressupõe justamente o contrário: são os cidadãos que devem fazer valer sua vontade a partir de sua própria consciência. Melhorar a educação melhora a qualidade do voto no longo prazo. No curto prazo, a instituição do voto livre é a solução mais imediata e barata para o voto mais qualificado.
Mas não se engane. Mesmo com o voto livre, os políticos vão continuar apelando para o mínimo denominador comum da sociedade. Mas, por causa do voto livre, esse mínimo será bem mais elevado.
Diogo G. R. Costa é editor de OrdemLivre.org.
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